Saturday, November 29, 2014

Internet e a arte da redação

Pedro J. Bondaczuk

De uns tempos a esta parte, acendeu-se a discussão sobre o destino de livros, jornais e revistas com o advento da era eletrônica, das chamadas "rodovias mundiais de informação" do tipo Internet, através dos computadores. Os escritores vão acabar? Não teremos mais grandes poetas, como Drummond, Bandeira, Quintana, Cecília Meireles, Keats, Poe, Whitman, Hugo, etc.? Ou novelistas, romancistas, contistas e autores de peças teatrais? Ou notáveis jornalistas? Não acredito. Claude Weil prevê: "Houve um tempo das pirâmides e um tempo das catedrais. Passaram. Quem sabe passou também a idade de ouro dos livros?". Será? Prefiro acreditar que não.

Neste caso, comungo da opinião de Umberto Eco, que diz: "Falar de uma guerra entre o visual e a escrita é totalmente ultrapassado. Nada de maniqueísmo; a escrita é o bem e a imagem é o mal. O século XX nos propõe o convívio entre a imagem e a palavra oral. O computador não exclui a caneta. O público tem fome de narrativa e a procura nos jornais, na televisão, no cinema, nos livros". Prefiro acreditar que estamos entrando na era da comunicação total, onde todos os recursos serão utilizados ao máximo, de forma integrada.

Poemas, novelas, contos e romances, até aqui acessíveis a poucas pessoas, ganharão (já estão ganhando) abrangência mundial. Eu mesmo tenho divulgado crônicas em sites de língua portuguesa do exterior. E olhem que não sou dos cronistas mais conhecidos, apesar de mais de quatro décadas de estrada. O público leitor será ampliado de forma exponencial, principalmente quando for superada a barreira lingüística, através da tradução instantânea dos textos, por computador, para qualquer das línguas hoje mais faladas no mundo (inglês, francês, espanhol, alemão, português, chinês e russo, entre outras). Prefiro acreditar que será assim. Contudo, compartilho de uma outra preocupação, também expressada por Umberto Eco.

O escritor italiano confessa: "Todo pensador, todo escritor se coloca essa questão essencial: como fazer face à eternidade? Estou aterrorizado com a idéia de que os livros surgidos em papel celulose desde o século XIX estão inclinados a desaparecer de tão frágeis. Média de vida: 70 anos. Quando pego um Gallimard dos anos 50, tenho a impressão de ter nas mãos uma hóstia que se despedaça". Minha sensação, ao manipular as preciosidades da minha biblioteca, é semelhante. É como se segurasse uma fragílima, antiquíssima, única e rica taça de cristal, que pudesse se estilhaçar ao toque mais desastrado. O mesmo ocorre com páginas de jornais e de revistas dos anos 30, em meu arquivo pessoal.

Toda a novidade desperta temores. O que está ocorrendo, atualmente, em relação à eletrônica, é o mesmo que ocorreu no século XIX com o avanço da tipografia, que significou um salto notável na indústria gráfica, popularizando o livro e ensejando o surgimento da imprensa diária. Victor Hugo descreveu da seguinte forma o que se pensava na época: "Trata-se, antes de mais nada, de um pensamento de padre. Do assombro do sacerdote diante de um novo agente, a tipografia. Do espanto e do deslumbramento do homem do santuário diante da imprensa de Guttenberg. Foi o encontro entre o púlpito e o manuscrito, a palavra falada e a palavra escrita, alarmando-se com a palavra impressa; algo comparável ao estupor de um passarinho que visse o anjo legião abrir suas seis milhões de asas. Foi o grito do profeta que ouve já zurrar e pulular a humanidade emancipada, que vê no futuro a inteligência minar a fé, a opinião destronar a crença, o mundo livrar-se de Roma". Evidentemente, isto não aconteceu. Como a tecnologia, seca e fria, jamais matará  a arte e a criatividade. Não passam de terrores insanos em relação ao o que é novo.

A era da informática abre-nos horizontes sem limites. Utilizemos a modernidade, entre outras coisas, também, para preservar a tradição. Neste caso específico, não há porque o conflito entre os dois conceitos. O recurso eletrônico é o meio que a tecnologia nos proporciona. Cabe-nos proporcionar, em troca, a mensagem. Em termos de instrumental, há que se admitir, já avançamos muito, nesta uma década e meia do século XXI. Temos, porém, que ousar. Que dar muitos outros passos adiante, como produtores de arte e de pensamentos para prestar contas à sociedade sobre a nossa existência, os nossos ideais, as nossas vitórias e, sobretudo, nossas idéias. Podemos fazer isso! Estou seguro de que o faremos!  

Partilho, por hoje, com você, precioso e inteligente leitor, esta pérola de Carlos Drummond de Andrade, instigante e provocativo poema do mestre, intitulado “Eterno”, que vem a caráter para expressar, de forma inteligente e criativa, o que procurei dizer (possivelmente em vão, dadas minhas limitações)  ao longo destes dois últimos dias. Diz o poeta de Itabira:

“E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.

Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.

(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)

— O que é eterno, Yayá Lindinha?
— Ingrato! é o amor que te tenho.

Eternalidade eternité eternaltivamente
eternuávamos
eternissíssimo

A cada instante se criam novas categorias do eterno.

Eterna é a flor que se fana
se soube florir
é o menino recém-nascido
antes que lhe dêem nome e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma
[força o resgata
é minha mãe em mim que a estou pensando
de tanto que a perdi de não pensá-la
é o que se pensa em nós se estamos loucos
é tudo que passou, porque passou
é tudo que não passa, pois não houve
eternas as palavras, eternos os pensamentos; e
[passageiras as obras.
Eterno, mas até quando? é esse marulho em nós de um
[mar profundo.
Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos
[afundamos.
É tentação a vertigem; e também a pirueta dos ébrios.
Eternos! Eternos, miseravelmente.
O relógio no pulso é nosso confidente.

Mas eu não quero ser senão eterno.
Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma
[essência ou nem isso.
E que eu desapareça mas fique este chão varrido onde
[pousou uma sombra
e que não fique o chão nem fique a sombra
mas que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma
[esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo”.


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