Medidas de importâncias
Pedro
J. Bondaczuk
A importância que
alguma coisa ou pessoa tem para nós pode ser mensurada e colocada numa espécie
de escala? Caso possa ser medida, qual o parâmetro mais adequado a se adotar
para essa mensuração? Bem, não sei se podemos, ou se conseguimos ser
pragmáticos a esse ponto. E muito menos se essa atitude é a melhor ou não, se é
necessária ou desnecessária, se é justa ou injusta. Nem tudo que importa para
mim também importa a Fulano, Sicrano ou Beltrano. Cada ser humano é um mundo,
um universo, uma realidade ímpar. Pode haver dois bastante parecidos, mas
rigorosamente iguais não existem.
A importância de coisas
e pessoas depende de uma série de fatores, entre os quais a educação, a
experiência. a visão de vida de cada um, os objetivos que têm, suas
expectativas e aspirações e, sobretudo, as circunstâncias de cada qual. Como
todos, tenho minha escala pessoal de
valores. Conto com um conjunto do que tenho certeza que me é importante. E,
mais do que isso, do que me é essencial e, portanto, imprescindível (posto que
sem graduação). Tudo o que me importa está no mesmo patamar ou quase. Trato da
questão na primeira pessoa não por eventual vaidade ou por me julgar melhor do
que alguém, mas por saber, pelo menos razoavelmente, o que penso, sinto e
quero. Já em relação a outros... só posso presumir.
Qual o critério que
adoto para identificar essas importâncias e sua intensidade? Bem, o principal,
e mais comum (posto que não único) é a intuição. Em princípio, todas as
pessoas, conhecidas ou anônimas, são importantes para mim, pelo menos
potencialmente. Umas, por serem indispensáveis no aspecto material, por me
prestarem (remuneradas ou não) serviços essenciais à minha saúde,
sobrevivência, segurança e conforto. Outras tantas são importantíssimas do
ponto de vista afetivo, por me apoiarem, protegerem, amarem, entenderem,
ensinarem, aconselharem etc.etc.etc., como os casos dos meus pais, dos
parentes, dos mestres, dos amigos e vai por aí afora.
Já no que diz respeito
a coisas que me importam – concretas ou abstratas, tanto faz – adoto por
critério de medida mais ou menos o que Manoel Barros caracterizou muito bem em
um texto dele que li há certo tempo. O poeta pantaneiro escreveu a propósito:
“(...) a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com
balanças, nem barômetros etc. (...) A importância de uma coisa há que ser
medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”. O que não me encanta ou
encante muito pouco, tem, pois, para mim, pouco ou nenhum valor, por mais que
valha para outros. Para mim, tanto faz tê-las como não tê-las. Passo muito bem
sem elas.
Quando me refiro a
encantamento, não estou pensando na acepção lata que os dicionários emprestam
ao termo, ou seja, “no efeito sobrenatural dos supostos poderes mágicos,
feitiço, sortilégio”. Até porque não creio nessas coisas, que entendo serem
frutos apenas da imaginação de crédulos e supersticiosos. Levo em consideração
o sentido figurado. O metafórico e até poético. Ou seja, penso no significado
de “encanto, enlevo, sedução”. Ou, em termos mais práticos, “na sensação ou
estado de quem é tomado por uma grande admiração por algo ou alguém”. No
primeiro caso, no do “algo”, destaco a literatura, tanto como escritor, ou
seja, seu agente ativo, quanto (e principalmente) como leitor, como ávido
consumidor de palavras, conceitos, idéias, experiências etc.etc.etc. No
segundo, no do “alguém”, vem-me, de imediato, à mente a figura da pessoa amada.
Quem já se apaixonou, e
de fato, principalmente, quem está apaixonado, sabe ao que me refiro. Sabe a
agitação, física e mental, que a simples visão do objeto do seu (do nosso) amor
lhe (nos) desperta. Pena que, por nossa omissão e desleixo, essa sensação
raramente perdure pelo resto de nossas vidas. O mais comum é deixarmos que esse
sentimento tão poderoso e transcendental esfrie e às vezes até desapareça. Não
raro, em casos extremos, por uma razão ou outra, transforma-se mesmo em ódio
mortal. Essa é uma das coisas que nunca entendi e jamais irei entender. Mas,
como constatou o poetinha Vinícius de Moraes, “o amor é eterno... enquanto
dura”. É um paradoxo? Sim! Contudo é o que acontece numa infinidade de casos.
Infelizmente.
Para mim, porém, as
mulheres que amei jamais perdem a importância, pelo tal critério do
“encantamento”. Aliás, é impróprio o tempo do verbo amar no passado. De uma
forma ou de outra, as amadas permanecerão como tal enquanto eu existir. Nada, e
ninguém, as apagarão da lembrança. Já que citei tantos poetas, nada melhor,
para encerrar estas insólitas reflexões de hoje, do que recorrer a um deles, no
caso o português Teixeira Pascoaes (que viveu entre 1877 e 1952). É dele este
belíssimo soneto, que partilho com vocês, que me são tão importantes:
Encantamento
Quantas
vezes, ficava a olhar, a olhar
A
tua doce e angélica figura,
Esquecido,
embebido num luar,
Num
enlevo perfeito e graça pura!
E
á força de sorrir, de me encantar,
Diante
de ti, mimosa criatura,
Suavemente
sentia-me apagar...
E
eu era sombra apenas e ternura.
Que
inocência! que aurora! que alegria!
Tua
figura de anjo radiava!
Sob
os teus pés a terra florescia,
E
até meu próprio espírito cantava!
Nessas
horas divinas, quem diria
A
sorte que já Deus te destinava!
No comments:
Post a Comment