Momento de ousadia de Raul Alfonsin
Pedro J.
Bondaczuk
O Senado argentino começou, ontem, suas deliberações
acerca de uma proposta do presidente Raul Alfonsin, no sentido de mudar a
capital do país de Buenos Aires para a pequenina e distante cidade de Viedma, a
960 quilômetros do atual Distrito Federal, na Província de Rio Negro, na
Patagônia.
Nessa casa do Congresso, embora o
governo não detenha maioria para uma aprovação tranqüila da medida, as
previsões são de que o projeto de transferência venha a conseguir uma apertada
vitória. Ela giraria em torno de 26 votos contra 20, supondo que todos os
senadores compareçam à votação e que nenhum deles se abstenha.
Na Câmara de Deputados, onde o
partido governista, União Cívica Radical, tem uma folgada maioria entre os 254
membros, as coisas, certamente, deverão transcorrer com mais tranqüilidade. No
entanto, importantes indagações deverão permanecer no ar durante muitos anos,
acerca do acerto ou não dessa mudança.
A principal pergunta que surge
neste momento, não somente na Argentina, mas em todos os lugares em que a
transferência da capital é comentada, é sobre a sua oportunidade. Seria este o
momento mais adequado para uma despesa de tamanho porte? Isso é prioritário
para o desenvolvimento do país, para que a Argentina possa saldar sua dívida
externa, de US$ 50 bilhões, e projetar uma sociedade mais justa para o futuro?
Os parlamentares governistas (e
ao que se afirma, a cúpula militar) entendem que sim. A oposição, por outro
lado, encarnada pelos peronistas, acha que a medida é megalomaníaca,
desnecessária e inoportuna, principalmente por causa do seu alto custo.
Enquanto o governo estima as
despesas com a transferência em US$ 4,5 bilhões, uma quantia bastante
respeitável para quem não a possui, os que são contrários ao projeto rebatem
dizendo que a coisa toda não ficará abaixo dos US$ 15 bilhões. Ou seja,
praticamente 15% de toda a dívida externa atual do país, que vem sendo tão
penosa de se pagar.
Os defensores da mudança refutam
com veemência essa cifra, argumentando que não se trata de construir uma nova
cidade para servir de futura capital, como aconteceu, por exemplo, com
Brasília, nos anos finais da década de 1950.
Ressaltam que Viedma já existe, e
há muito tempo. Que sequer serão necessárias edificações para abrigar as
repartições da administração federal, que aproveitariam a estrutura já
existente, nesse acanhado burgo de 45 mil habitantes, primeira sede episcopal
da Patagônia ainda no século passado (e por isso incluído no itinerário da
visita do papa João Paulo II, no próximo dia 6 de abril).
Dizem os partidários da
transferência que governar um país como a Argentina, a partir de Buenos Aires,
é relegar o resto do seu território a um indefectível atraso. Destacam que essa
cidade conta, hoje, com três milhões de pessoas apenas em sua zona urbana,
sendo que na área metropolitana os habitantes passam dos 10 milhões.
Isso significa que 35% dos
argentinos se concentram na sua capital. A população desse “gigante austral” é
praticamente a mesma do Estado de São Paulo, ou seja, de 30 milhões. Ocorre que
o território paulista é mais de onze vezes menor do que o desse país irmão.
Possui 247.898 quilômetros quadrados, contra 2.776.655 da República platina.
Presume-se, por essa razão, que a
maior parte da extensão territorial Argentina seja um enorme vazio, com seus
imensos recursos naturais ainda por explorar em sua quase totalidade. Nesse
aspecto, olhando a questão por este prisma, a tese de Alfonsin até que ganha
uma poderosa sustentação.
Esse país não conseguirá, jamais,
o seu desenvolvimento pleno mantendo desocupada tão vasta área do seu
território. Desde que a transferência seja feita com muito critério, se
evitando gastos supérfluos e desnecessários, poderá representar, de fato,
poderoso fator de desenvolvimento. Como, aliás, foi Brasília, para nós,
brasileiros.
Se a nossa “Novacap” não
existisse, dificilmente vastas áreas do Sul do Pará e do Norte de Goiás
estariam povoadas, com cidades nascendo a cada dia e gerando riquezas para o
Brasil. Há momentos em que é necessário ousar para se realizar alguma coisa. E
Alfonsin entende que chegou a hora dos argentinos ocuparem de uma vez por todas
aquilo que é seu.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 19
de março de 1987).
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