Povos
usados como peões
Pedro J. Bondaczuk
A sociedade chilena permanece entre aturdida e
revoltada com o teor do documento "A Verdade Oficial", divulgado na
semana passada, dando conta das violações aos direitos humanos; caracterizadas
por torturas, assassinatos e coações, cometidos durante os 16 anos e meio de
regime militar presidido pelo general Augusto Pinochet.
Os setores mais atingidos, a esquerda evidentemente,
exigem a punição rigorosa e imediata dos responsáveis pelos crimes. O relatório
detalhou a morte de pelo menos 2.115 pessoas, entre as quais norte-americanos,
brasileiros, peruanos, bolivianos e argentinos, colhidos nas malhas da
intolerância e terror instaurados a partir de setembro de 1973, no Chile. Isto, todavia, não será possível, dada a
amplitude da anistia concedida em março do ano passado, dias antes da posse do
atual presidente, Patrício Aylwin.
Ademais, qualquer eventual punição traria, neste
momento, mais danos do que benefícios para a sociedade chilena. Acentuaria as
divisões e ódios que dividiram a população por tantos anos e que foram
remendados a muito custo neste período instável da redemocratização.
Os mortos, torturados, exilados e inutilizados
naquela ocasião foram na verdade vítimas das circunstâncias. Acabaram colhidos
pelas seqüelas da "guerra fria", que então estava em franca ebulição,
dividindo o mundo em dois blocos ideológicos antagônicos, que disputavam um
diabólico jogo de xadrez estratégico, usando os países mais fracos como peões.
E os da América Latina são frágeis.
Ditaduras de esquerda e de direita se multiplicaram,
naquela ocasião, justificadas por uma pretensa necessidade de defesa de
princípios, que ao cabo de poucos anos se revelaram inexistentes. Várias
gerações de líderes foram castradas, em sociedades bastante carentes deles, nas
chamas dessa fanática insânia.
Da metade da década de 1960 em diante, raros foram
os povos latino-americanos que lograram escapar de perversas ditaduras, sob o
pretexto da contenção do "perigo vermelho".
Hoje, após a queda do Muro de Berlim e do fim do
comunismo no Leste europeu, o mundo observa que não eram os Estados Unidos que
se configuravam num "tigre de papel", conforme assegurava o líder
chinês Mao Tse Tung, mas a ideologia totalitária, que pregava uma pretensa
ditadura do proletariado em âmbito mundial, como se isso fosse viável, justo ou
desejável. E que o apregoado risco não era tão grande.
Uma eventual punição, no Chile, aos violadores dos
direitos humanos pode resultar até numa guerra civil. O general Pinochet afirmou
a esse respeito, em 13 de março de 1990, dois dias após deixar o poder:
"No dia em que tocarem em qualquer um de meus homens, acabará o Estado de
Direito no Chile. Não ameaço ninguém, não costumo fazer isso. E só advirto uma
vez".
E ele, com certeza, não estava brincando, até porque
nunca foi dado a gracinhas. Portanto, o melhor que se pode fazer é agir como
Aylwin previu, em 12 de março de 1990: "Quando se estabelecer a identidade
dos responsáveis, chegará a hora do perdão". E ela chegou.
(Artigo publicado na página 18, Internacional, do
Correio Popular, em 15 de março de 1991).
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