Monday, November 17, 2014

Povos usados como peões


Pedro J. Bondaczuk


A sociedade chilena permanece entre aturdida e revoltada com o teor do documento "A Verdade Oficial", divulgado na semana passada, dando conta das violações aos direitos humanos; caracterizadas por torturas, assassinatos e coações, cometidos durante os 16 anos e meio de regime militar presidido pelo general Augusto Pinochet.

Os setores mais atingidos, a esquerda evidentemente, exigem a punição rigorosa e imediata dos responsáveis pelos crimes. O relatório detalhou a morte de pelo menos 2.115 pessoas, entre as quais norte-americanos, brasileiros, peruanos, bolivianos e argentinos, colhidos nas malhas da intolerância e terror instaurados a partir de setembro de 1973, no Chile.  Isto, todavia, não será possível, dada a amplitude da anistia concedida em março do ano passado, dias antes da posse do atual presidente, Patrício Aylwin.

Ademais, qualquer eventual punição traria, neste momento, mais danos do que benefícios para a sociedade chilena. Acentuaria as divisões e ódios que dividiram a população por tantos anos e que foram remendados a muito custo neste período instável da redemocratização.

Os mortos, torturados, exilados e inutilizados naquela ocasião foram na verdade vítimas das circunstâncias. Acabaram colhidos pelas seqüelas da "guerra fria", que então estava em franca ebulição, dividindo o mundo em dois blocos ideológicos antagônicos, que disputavam um diabólico jogo de xadrez estratégico, usando os países mais fracos como peões. E os da América Latina são frágeis.

Ditaduras de esquerda e de direita se multiplicaram, naquela ocasião, justificadas por uma pretensa necessidade de defesa de princípios, que ao cabo de poucos anos se revelaram inexistentes. Várias gerações de líderes foram castradas, em sociedades bastante carentes deles, nas chamas dessa fanática insânia.

Da metade da década de 1960 em diante, raros foram os povos latino-americanos que lograram escapar de perversas ditaduras, sob o pretexto da contenção do "perigo vermelho".

Hoje, após a queda do Muro de Berlim e do fim do comunismo no Leste europeu, o mundo observa que não eram os Estados Unidos que se configuravam num "tigre de papel", conforme assegurava o líder chinês Mao Tse Tung, mas a ideologia totalitária, que pregava uma pretensa ditadura do proletariado em âmbito mundial, como se isso fosse viável, justo ou desejável. E que o apregoado risco não era tão grande.

Uma eventual punição, no Chile, aos violadores dos direitos humanos pode resultar até numa guerra civil. O general Pinochet afirmou a esse respeito, em 13 de março de 1990, dois dias após deixar o poder: "No dia em que tocarem em qualquer um de meus homens, acabará o Estado de Direito no Chile. Não ameaço ninguém, não costumo fazer isso. E só advirto uma vez".

E ele, com certeza, não estava brincando, até porque nunca foi dado a gracinhas. Portanto, o melhor que se pode fazer é agir como Aylwin previu, em 12 de março de 1990: "Quando se estabelecer a identidade dos responsáveis, chegará a hora do perdão". E ela chegou.

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 15 de março de 1991).


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