Thursday, November 27, 2014

Sucessor de Gandhi tem boas chances


Pedro J. Bondaczuk


O Partido do Congresso, que governou a Índia por 40 dos 44 anos de vida independente do país, está voltando ao poder, depois de um breve hiato de 18 meses, numa situação muito mais difícil do que em ocasiões anteriores. Esta será a primeira vez que terá de governar um Estado complexo, populoso, pobre e sumamente violento, contando com minoria no Parlamento.

Ademais, seu novo líder, que substituiu o assassinado ex-primeiro-ministro Rajiv Gandhi, Narasimha Rao, não tem, evidentemente, o carisma, a ascendência partidária e a projeção internacional dos membros do clã de Jawaharlal Nehru. Trata-se de um político negociador, ideal para governar interinamente, enquanto as paixões ainda estão à flor da pele, após a mais sangrenta campanha eleitoral da história contemporânea indiana. Mas não para exercer um mandato integral de cinco anos.

O Partido do Congresso precisa urgentemente passar por uma profunda reciclagem diante dessa nova realidade. Sua tarefa fundamental será a de conter os movimentos separatistas que se disseminam pela Índia, mas não através da violência, pois se agir dessa maneira, fatalmente irá mergulhar a nação num banho de sangue, porquanto os ânimos ficam cada vez mais exaltados, à medida em que o tempo passa e os atentados, seqüestros e distúrbios étnicos e religiosos se sucedem no Punjab, em Tamil Nadu, em Uttar Pradesh, na Cachemira e em Assam, que são os Estados mais tensos e problemáticos.

Nos últimos tempos, os membros da agremiação não têm sido muito felizes em pacificar os indianos. A mais recente gafe política que o grupo cometeu, ainda durante a gestão de Rajiv, foi a tentativa de oficializar o hindi como idioma único, num país com mais de mil etnias diferentes, com línguas ou dialetos próprios.

Um parlamentar "iluminado", na falta de um projeto melhor a apresentar, pretendeu acabar com o inglês como o recurso alternativo, inclusive como elo de união entre os mais variados povos que compõem essa colcha de retalhos de 850 milhões de seres humanos.

Aliás, esta foi uma das razões do partido não ter conseguido a maioria absoluta no Parlamento, tendo lhe faltado 15 míseras cadeiras para não depender de ninguém na formação de um governo verdadeiramente estável. Nota-se, portanto, que a agremiação carece de um melhor senso de pragmatismo, de objetivos menos pueris.

Quanto a Rao, um dos obstáculos para uma boa e longa gestão é a sua precária saúde. Aos 69 anos de idade, ele já se submeteu a uma cirurgia para a implantação de ponte de safena e sequer concorreu no pleito recém findo. Por isso, cumprindo a exigência constitucional, terá de se submeter, dentro de seis meses, a uma votação suplementar.

Seu perfil político, todavia, é favorável. O novo líder do Partido do Congresso sempre teve estreitas ligações com a família Gandhi, à qual serviu em dois gabinetes --- como ministro de Relações Exteriores de Indira e como assessor de seu filho, Rajiv, após o brutal assassinato da ex-primeira-ministra em 1984 --- revelando-se um leal servidor.

Outro ponto a seu favor é o fato de virtualmente não contar com inimigos, o que lhe confere livre trânsito em parte considerável da oposição. Se sua saúde resistir, portanto, Narasimha Rao tem tudo para fazer um bom governo, mesmo tendo em vista a dramática deterioração da economia indiana e o conseqüente agravamento das tensões sociais. E, principalmente, tendo de andar numa instável corda-bamba, que é o fato de não contar com maioria parlamentar para a aprovação de seus projetos.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 22 de junho de 1991).


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