Monday, November 03, 2014

Ligação com o Brasil


Pedro J. Bondaczuk


O escritor peruano, Mário Vargas Llosa, um dos melhores e mais brilhantes romancistas da atualidade em toda a América Latina e no mundo, merecedor, há algum tempo, de um Prêmio Nobel de Literatura, além de ser muito conhecido no Brasil --- o "Caderno de Sábado", do "Jornal da Tarde", já publicou no mínimo duas páginas nos últimos tempos com suas idéias políticas --- deixa transparecer uma ligação sentimental muito forte com o nosso País. Um dos seus livros mais deliciosos e perfeitos é a "Guerra do Fim do Mundo", abordando um fato da nossa história, que foi a revolta de Canudos, do fim do século passado, retratado por Euclides da Cunha em "Os Sertões". Somente um talento como o dele poderia enveredar por um tema tão bem explorado pelo escritor fluminense (que teve um fim tão trágico). Esse romance de Llosa é o tipo de obra que uma pessoa culta não pode deixar de ler.

Curiosamente, contudo, essa mesma ligação sentimental com o Brasil quase o derruba em sua pretensão de chegar à Presidência do Peru. O romancista, que começou a sua campanha ainda na metade do ano passado, parecia fadado a "massacrar" seus outros oito oponentes. Em janeiro deste ano, por exemplo, ele superava, sozinho, os seus adversários somados, nas pesquisas de opinião. Tudo indicava que sequer seria necessário um segundo turno. Que tudo seria decidido numa única votação. Todavia, num dos seus últimos comícios, Llosa teve que elogiar o Plano Brasil Novo, do recém-empossado presidente brasileiro, Fernando Collor de Mello.

A partir de então, a situação mudou dramaticamente. Enquanto seus índices caíam, os de um candidato independente, sem maiores pretensões aparentemente do que meramente concorrer, Alberto Fujimori, apelidado de "El Chino", passaram a crescer, como uma bola de neve. Em três tempos, o até então desconhecido engenheiro-agrônomo, filho de imigrantes japoneses, ascendeu ao segundo lugar. E se houvesse um pouco mais de tempo, certamente teria conquistado o primeiro turno. Llosa, depois disso, chegou a manifestar desejo de renunciar. Demovido por seus partidários, no entanto, arregaçou as mangas e partiu para a luta, agora em franca desvantagem. Todavia, de duas semanas para cá, a tendência voltou a se inverter. Os peruanos conseguiram ver que o "bicho" não era tão feio quanto parecia. Que o programa brasileiro exigia sacrifícios, é verdade, mas não intoleráveis. Quem sabe, portanto, se um País que o escritor-candidato admira tanto, e que quase o levou a um desastre nas urnas, virá a ser o seu maior "cabo" no segundo turno presidencial do Peru, marcado oficialmente para 10 de junho próximo! Coisas da democracia...

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 18 de maio de 1990)

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