Thursday, November 27, 2014

É preciso paixão e responsabilidade

Pedro J. Bondaczuk

Exercer o jornalismo com paixão implica em disponibilidade, entusiasmo, desprendimento pessoal e garra. É colocar o interesse público acima de qualquer coisa. É nunca esperar nenhum tipo de vantagem do exercício dessa perigosa profissão (dezenas de jornalistas são assassinados, anualmente, no mundo todo, a mando de poderosos que se julgam prejudicados pelo seu trabalho), nem financeiro e nem de prestígio pessoal. É fazer as coisas porque elas precisam ser feitas.  É estar disposto, se necessário, a sacrificar descanso, lazer, família, amizades, posição social  e, em alguns casos, até a vida (“remember” Tim Lopes), no exercício dessa sagrada missão. 

Não se interprete, portanto, o termo "paixão" no sentido negativo que os dicionaristas também  lhe atribuem. Ou seja, o do sectarismo exacerbado, que leve a pessoa a se aferrar, cegamente, a determinada ideologia ou crença, seja de que natureza for, e ficar tão obcecada, a ponto de perder o senso crítico e a noção básica e elementar do certo e do errado, ou que a faça distorcer, posto que inconscientemente, os fatos com os quais trabalha.

Parodiando o pensador Jaime Balmés, o jornalista apaixonado pelo que faz, e verdadeiramente vocacionado, é aquele que tem "cabeça de gelo, coração de fogo e braços de ferro". Possui frieza no julgamento, paixão na concepção das matérias e força e audácia na sua concretização. É dotado de um amor ardente, irrestrito e incontido pelo que faz. Tem o mais vivo entusiasmo pela profissão, sequer encarando-a como tal, mas como missão de vida, como realização pessoal, como sacerdócio.    

A ação – fundamentada na disciplina, no conhecimento de causa e na perseverança – é o maior, senão o único antídoto contra as crises que assolam pessoas ou povos. Só se caminha para frente quando há disposição e coragem e quando se persiste na persistência. É mais fácil, embora improdutivo, cruzar os braços diante das dificuldades e limitar-se a criticar ou a lamentar.

Difícil, posto que necessário, é acreditar, é construir, é manter, é curar, é ensinar, é alegrar, é conservar, é transmitir e é sobretudo agir. "Só é útil o conhecimento que nos faz melhores", teria dito Sócrates, de acordo com o testemunho de seu discípulo Platão. Esta é a filosofia que norteia o jornalista que acredita no que faz.

É trazer ao público o "outro lado" da realidade, que por incompreensível distorção de alguns meios de comunicação, é quase sempre relegado ao esquecimento ou a um plano secundário. Ou seja, o dos que constroem, que sustentam, que criam, que curam, que ensinam, que legislam, que garantem segurança, que ministram a justiça e que mantêm o mundo funcionando dentro da normalidade. Muitos editores garantem que notícias positivas não vendem jornais e revistas. Estão errados! São derrotistas! São sensacionalistas! Fazem antijornalismo! A realidade tem múltiplas faces. Enfatizar para o público apenas um desses lados, o negativo e escabroso, é também uma forma de alienação. É desonestidade profissional. É desinformação!

O jornalista honesto e apaixonado pela profissão, ao mesmo tempo em que retrata as distorções e aberrações do convívio social, focaliza a ação e a motivação, por exemplo, do médico, do gari, do professor, do caminhoneiro, do comerciante, do jardineiro, do pesquisador, do feirante, do ator, do operário, do engenheiro, do músico, do próprio jornalista, da enfermeira, do físico nuclear, do pedreiro, do político etc. Enfatiza a atuação daqueles profissionais (não importa o status de que gozem), cuja presença quase nunca é notada, tamanha a assiduidade da sua ação, mas sem os quais a vida se tornaria difícil, senão impossível. É isento, justo, correto, preciso e determinado. Exerce, sobretudo, "o jornalismo que crê".

Ellen Hume, diretora do Centro de Mídia e Sociedade da Universidade de Massachusetts, em Boston, escreveu, no artigo “Liberdade de Imprensa”: “Informação é poder. Para uma nação desfrutar das vantagens políticas e econômicas oferecidas pelo Estado de Direito, as instituições que detêm poder devem ser abertas ao escrutínio da população. Para que a tecnologia e a ciência avancem, as idéias devem ser compartilhadas abertamente”.

A mídia independente desempenha quatro papéis vitais em uma democracia. Primeiro, vigia os poderosos, fazendo com que prestem contas dos seus atos à população. Segundo, dá destaque às questões que pedem atenção e que, se não forem levantadas em público, tendem a cair no esquecimento e deixarem de ser resolvidas. Terceiro, informa os cidadãos, para que eles possam fazer escolhas políticas. E, finalmente, quanto, conecta as pessoas, ajudando a criar a “cola” social que une a sociedade civil.

O saudoso papa João Paulo II, em discurso que proferiu em 25 de setembro de 1980, na abertura do XII Congresso Mundial da União Católica de Imprensa, em Roma, observou: “Graças à imprensa, e cada vez mais, não são apenas as elites reduzidas, mas grupos cada vez mais extensos, na maior parte dos países, os que vêem aparecer novas formas de conhecimento da realidade, relações de um tipo novo entre os indivíduos e as sociedades, por meio deste instrumento que, de algum modo, prolonga o pensar e o sentimento de cada um”.

Já David Hoffman, fundador da Internews, agência internacional não-governamental que ajuda na capacitação e no desenvolvimento da mídia independente em 50 países, advertiu: “Liberdade de expressão e troca de informações não são apenas luxos, são a moeda da qual o comércio, a política e a cultura globais dependem cada vez mais”.

Prova de que ele está certo é a conclusão do Banco Mundial, no seu “Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2002”, que analisou o que ocorria em 97 países e concluiu que os que tinham meios de comunicação privados e independentes apresentavam níveis de educação e saúde mais altos, menor índice de corrupção e economias transparentes.

Thomas Jefferson, principal redator da Declaração de Independência dos Estados Unidos, escreveu, em 1787: “Se me fosse dado decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento sequer em preferir o último”. Por nutrir essa convicção, foi ele que insistiu que fossem incluídos na Constituição norte-americana os direitos da sociedade civil de reunião, liberdade de expressão e liberdade de imprensa. 

O que os jornalistas precisam é “surpreender” os leitores (ou ouvintes ou telespectadores). Mas com surpresas positivas, através de matérias bem levantadas, rigorosamente exatas, zelosamente checadas, sem que o repórter tome qualquer partido, mas se limite a exercer seu papel: o de “reportar”. Ou seja, o de ser uma espécie de “gravador humano”, que registre tudo o que vê e que ouve e reproduza tudo isso com absoluta fidelidade, “com todos os pingos nos is e todos os tils”.

Além disso, é indispensável que todas as partes envolvidas no acontecimento noticiado sejam sempre ouvidas. Só assim os fatos relatados se transformarão em documentos rigorosamente corretos, verídicos e imparciais. Nisso, os jornais e revistas poderão levar nítida vantagem sobre o rádio e a televisão, exatamente por disporem do tempo que os veículos eletrônicos não têm.  Outro ponto que poderão explorar é a opinião.

Mas não a de pseudogurus, que se colocam na condição de “sabe tudo”, de donos da verdade, quando na maioria das vezes sabem até menos do que o mais bronco dos leitores e não passam de intelectuais bitolados e dogmáticos. É necessário que os jornais se tornem cada vez mais interativos, abrindo espaços crescentes para a manifestação popular. E que acatem, com o devido respeito, estas opiniões, principalmente quando conflitarem com as da direção da empresa. A isso se chama de “democracia”. Afinal, o jornal dispõe de local próprio para marcar sua posição: os editoriais.

Desse debate sadio de idéias (que hoje, virtualmente, não existe em lugar algum), certamente, surgirão soluções efetivas e práticas para os mais graves problemas, sejam políticos, econômicos, sociais ou comportamentais.  O julgamento sobre quem está certo ou errado,  nos assuntos controversos, deve caber sempre, e unicamente, àqueles sem os quais  nenhum órgão de comunicação teria razão de existir: os leitores (ou ouvintes, ou telespectadores ou os que navegam na Internet).
    
O mesmo meio com o qual se pode despertar a consciência das pessoas, se mal empregado, tende a alienar os cidadãos, principalmente quando se trata da televisão. Esse veículo, pela sua instantaneidade, é virtualmente imbatível em termos de ser o primeiro a dar a notícia. Se mal utilizado, porém, tende a causar males enormes, quiçá irreversíveis.


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