Muros não contêm descontentes
Pedro J. Bondaczuk
O
êxodo em massa, que já levou cerca de 53 mil alemães orientais para o Ocidente,
e as gigantescas manifestações de protesto, ocorridas especialmente nas cidades
de Leipzig e de Dresden, reunindo mais de uma centena de milhar de cidadãos,
tiveram o efeito que seria de se esperar num país de regime marxista:
derrubaram o líder do Partido Comunista.
Erich Honecker, um veterano de linha dura da escola
de Walter Ulbricht, homem que supervisionou, em 1961, a construção do muro de
Berlim, pôde agora constatar, sem sombra de dúvidas, o que poderia ter intuído
já naquela ocasião. Que cerca, barreira ou obstáculo algum conseguem deter
indivíduos quando estes estão desencantados com o lugar em que vivem. Aliás, há
somente uma semana, nós já havíamos previsto este desfecho.
É verdade que o substituto de Honecker, Egon Krenz,
foi uma decepção para todos os que acreditam que exista um mínimo de
racionalidade mesmo nos regimes mais dogmáticos. O que aconteceu na Alemanha
Oriental, anteontem, foi simplesmente a troca de um político de linha dura
veterano, de 77 anos de idade, adoentado e enfraquecido, por um outro de
idêntica tendência, com o detalhe de ser 25 anos mais jovem – tem 52 anos.
A despeito disso, e do desencanto gerado por esta
substituição, nos círculos oposicionistas alemães orientais, estamos entre
aqueles observadores que conservam o otimismo quanto à implementação de
reformas democratizantes nesse país.
Afinal, suas autoridades não têm outra opção. Qualquer
protelamento que Egon Krenz faça nesse sentido, conseguirá tornar as coisas
apenas mais traumáticas mais adiante. Mas as mudanças terão de vir, e virão de
qualquer forma.
O mais provável que aconteça, neste momento, é o
novo chefe do Partido Comunista introduzir mudanças somente artificiais, que
poderíamos chamar de “cosméticas”, ao invés de partir para uma “cirurgia
plástica” em profundidade que mude a cara do país. Mas dirigindo um Estado
policialesco, provavelmente o mais severo do Leste europeu, contando com uma
população de alto nível de instrução, em boa situação econômica – a Alemanha
Oriental é a República mais rica do bloco soviético – e tendo do lado a outra
Alemanha, próspera, rica e com a vantagem de falar a mesma língua, ele não terá
muita escolha: ou democratiza sua sociedade, ou vai acabar tendo que “falar
sozinho”.
Com uma Hungria dessocializada do lado, com uma
Polônia nas mãos do Solidariedade, Krenz não terá como conter novas fugas em
massa, possivelmente até em maior número do que a iniciada em 11 de setembro
passado. Ironicamente, portanto, é provável que justamente um político de linha
dura venha a ser o mentor das reformas democratizantes que os alemães orientais
tanto querem.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 20 de outubro de 1989).
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