Thursday, November 13, 2014

Muros não contêm descontentes



Pedro J. Bondaczuk


O êxodo em massa, que já levou cerca de 53 mil alemães orientais para o Ocidente, e as gigantescas manifestações de protesto, ocorridas especialmente nas cidades de Leipzig e de Dresden, reunindo mais de uma centena de milhar de cidadãos, tiveram o efeito que seria de se esperar num país de regime marxista: derrubaram o líder do Partido Comunista.

Erich Honecker, um veterano de linha dura da escola de Walter Ulbricht, homem que supervisionou, em 1961, a construção do muro de Berlim, pôde agora constatar, sem sombra de dúvidas, o que poderia ter intuído já naquela ocasião. Que cerca, barreira ou obstáculo algum conseguem deter indivíduos quando estes estão desencantados com o lugar em que vivem. Aliás, há somente uma semana, nós já havíamos previsto este desfecho.

É verdade que o substituto de Honecker, Egon Krenz, foi uma decepção para todos os que acreditam que exista um mínimo de racionalidade mesmo nos regimes mais dogmáticos. O que aconteceu na Alemanha Oriental, anteontem, foi simplesmente a troca de um político de linha dura veterano, de 77 anos de idade, adoentado e enfraquecido, por um outro de idêntica tendência, com o detalhe de ser 25 anos mais jovem – tem 52 anos.

A despeito disso, e do desencanto gerado por esta substituição, nos círculos oposicionistas alemães orientais, estamos entre aqueles observadores que conservam o otimismo quanto à implementação de reformas democratizantes nesse país.

Afinal, suas autoridades não têm outra opção. Qualquer protelamento que Egon Krenz faça nesse sentido, conseguirá tornar as coisas apenas mais traumáticas mais adiante. Mas as mudanças terão de vir, e virão de qualquer forma.

O mais provável que aconteça, neste momento, é o novo chefe do Partido Comunista introduzir mudanças somente artificiais, que poderíamos chamar de “cosméticas”, ao invés de partir para uma “cirurgia plástica” em profundidade que mude a cara do país. Mas dirigindo um Estado policialesco, provavelmente o mais severo do Leste europeu, contando com uma população de alto nível de instrução, em boa situação econômica – a Alemanha Oriental é a República mais rica do bloco soviético – e tendo do lado a outra Alemanha, próspera, rica e com a vantagem de falar a mesma língua, ele não terá muita escolha: ou democratiza sua sociedade, ou vai acabar tendo que “falar sozinho”.

Com uma Hungria dessocializada do lado, com uma Polônia nas mãos do Solidariedade, Krenz não terá como conter novas fugas em massa, possivelmente até em maior número do que a iniciada em 11 de setembro passado. Ironicamente, portanto, é provável que justamente um político de linha dura venha a ser o mentor das reformas democratizantes que os alemães orientais tanto querem.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 20 de outubro de 1989).


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