Monday, November 24, 2014

Amplitude e riscos da comunicação

Pedro J. Bondaczuk

A Comunicação, como atividade prestadora de serviços á cidadania, não se restringe somente ao jornalismo. A televisão, em seus programas de entretenimento, principalmente novelas e filmes, influencia comportamentos, para o bem ou para o mal. Mencione-se, por exemplo, o desvirtuamento que se vem fazendo, em determinados canais (e isso não é de hoje) e em alguns horários nem sempre apropriados, da arte do erotismo. Seu limite, em relação à pornografia, é sutil, sutilíssimo e nem todos os expectadores têm critério ou maturidade suficientes para fazer a distinção.

Não defendo, evidentemente, nenhum tipo de censura. E a Constituição brasileira a proíbe. O que é necessário é que o próprio comunicador, autor de novela, roteirista de filme ou mesmo escritor de romances tenha autocrítica. Que pergunte, a si mesmo, se tem algo inteligente, proveitoso, interessante e construtivo a dizer (ou a escrever, claro). Se a resposta for positiva, que o diga. Caso contrário...

Para se destruir algo ou alguém, seja lá o que ou quem for, não é preciso ser criativo, dispor de muita técnica ou ter um pouquinho a mais de massa cinzenta que os mortais comuns. Construir, porém, é tarefa de gigantes, de pessoas especiais, talentosas e de grande visão. Será que é válido, por certa importância em dinheiro (e não importa quanto), um intelectual se expor ao ridículo e alterar (para pior) o comportamento de pessoas mais simples e menos dotadas de capacidade de análise?

A pornografia barata apenas alimenta uma tara, uma doença comportamental, e nada acrescenta a quem quer que seja. Há, evidentemente, quem goste dela. Essas pessoas estão no seu direito – afinal, como preceitua a doutrina, nem tudo o que é legal é moral e vice-versa – mas elas que procurem veículos adequados para satisfazer sua compulsão: um pornoshop, por exemplo, ou fitas de vídeo (que existem, por aí, em profusão) ou outro meio que não seja de livre acesso ao público, em especial às crianças.

Há, infelizmente, hoje em dia, toda uma indústria voltada à pornografia. Exibir bobagens publicamente, todavia, sob o rótulo de arte, é, antes de tudo, fraude. E das mais grotescas e grosseiras. Trata-se de enorme tapeação a quem espera do comunicador mensagens criativas, originais e, sobretudo, construtivas. Além, é claro, de informações precisas, exatas e isentas, pressupostos básicos de um jornalismo que se preza e de uma Literatura de qualidade.         

Pode-se, grosso modo, destacar quatro funções básicas da imprensa livre. A primeira, é fazer com que os líderes do governo, em seus três poderes, prestem contas à população, da qual são originários e à qual representam. A segunda, é divulgar assuntos que pedem a atenção da opinião pública, não importa se positivos ou negativos. A terceira é informar os cidadãos para que possam tomar decisões, em suas vidas e seus negócios, conscientes e fundamentadas em fatos. E, finalmente, quarta, é a de criar conexões entre as pessoas na sociedade civil.

Nem sempre, porém, e não em toda parte, o trabalho do jornalista é reconhecido, valorizado e protegido. A imprensa, notadamente a internacional, apresenta um rosário de mártires, mortos no cumprimento do dever. Entre nós, o assassinato do repórter Tim Lopes, da Rede Globo, completou doze anos em junho de 2014 e ainda choca a opinião pública, pelas circunstâncias e pela brutalidade do ato.

O ataque norte-americano ao Hotel Palestine, no centro de Bagdá, em 2003, em plena operação de ocupação da capital iraquiana, é prova de que países tidos e havidos como paladinos da liberdade de imprensa também agem contra esse princípio, quando têm interesses contrariados. A ação em questão redundou na morte de dois jornalistas, o que elevou, naquela oportunidade, para doze o número de profissionais da imprensa mortos em menos de um mês de combates para ocupar o Iraque e pôr fim ao regime de Saddam Hussein.

Foi um dos maiores números de vítimas, entre correspondentes, de uma só vez, em tão pouco tempo, de que se tem notícia. No caso do Palestine, a jornalista Gabriella Simoni, da cadeia TG5, que testemunhou a referida ação, garante que os soldados agressores fizeram os disparos de “caso pensado”, sem qualquer provocação, e muito menos sem intuitos meramente defensivos. “Em nenhum momento vi ou ouvi franco-atiradores disparando do hotel”, garantiu. A mesma coisa foi dita pelo correspondente da cadeia Sky News, em Bagdá, David Chater. “Não foi acidente. Não ouvi nem ao menos um único disparo proveniente de nenhuma zona próxima, e muito menos do hotel”, assegurou.

Acidente ou não, o fato é que dois profissionais, que faziam seu trabalho na cobertura dos dramáticos acontecimentos desse dia, vieram a se somar às centenas (quiçá milhares) de jornalistas mortos em guerras, revoluções, repressões policiais, ações de traficantes e de terroristas etc., etc. etc.: o cinegrafista da Agência Reuters, Taras Protsyuk (de nacionalidade ucraniana) e o espanhol José Couso, da Telecinco. Na mesma ocasião, só que em outro incidente, foi morto, ainda, o enviado da rede de TV do Qatar, a Al-Jazeera, Tareq Ayoub (este em bombardeio contra o escritório da emissora, em Bagdá).       

Estes profissionais de imprensa mortos vieram a se somar (entre os casos de maior repercussão de que me lembro), ao do jornalista britânico David Blundy, por exemplo, vítima da truculenta polícia salvadorenha, em manifestação ocorrida no centro de San Salvador, em 17 de novembro de 1989. Estima-se que, anualmente, (e em tempos de “paz”, é mister destacar) uma média de 200 repórteres, fotógrafos ou cinegrafistas encontra a morte no exercício do seu trabalho. Alguns casos vêm a público, pela sua dramaticidade. Mas a grande maioria não é sequer noticiada. Afinal, o papel do profissional de imprensa é o de reportar a notícia e não o de ser seu principal protagonista.

Em 1974, todo o mundo pôde assistir, chocado, o trabalho de um cinegrafista sueco, que registrou, com sua câmera de vídeo, o momento do próprio assassinato, no centro de Santiago, durante repressão policial a uma manifestação antiPinochet, imagem que circulou o mundo, mas que logo acabou esquecida. Em 1985, esse fato se repetiu com um australiano, nas ruas de Bangkok, quando soldados do Exército tailandês sufocaram uma tentativa de golpe de Estado. Mas os jornalistas, principalmente correspondentes internacionais, estão sempre expostos a riscos, na linha de fogo, indiferentes ao perigo.

Quando conseguem escapar de balas na Cisjordânia e Faixa de Gaza, são trucidados em alguma favela do Rio de Janeiro (como ocorreu com Tim Lopes), sofrem seqüestro em Bogotá; saem ilesos ou feridos de atentados terroristas praticados por narcotraficantes em alguma cidade da Colômbia; são espancados durante manifestação em determinada capital européia (mesmo de países tidos e havidos como “democráticos”); vão parar na prisão em Rangum, capital de Myanmar, a antiga Birmânia por registrarem aquilo que os governantes preferiam que permanecesse oculto. E poderíamos desfiar interminável relação de acontecimentos dramáticos, em que repórteres, fotógrafos e cinegrafistas acabaram sendo agredidos, machucados ou ofendidos em sua integridade de uma forma ou de outra (quando não mortos), apenas por estarem cumprindo o dever. Ou seja, por tentarem reportar fielmente os fatos.


O trabalho do jornalista, no entanto, não agrada aos prepotentes. Descontenta, profundamente, sobretudo àqueles que fazem do engodo, da farsa, da demagogia e da violência instrumentos para a conquista e a manutenção do poder (ilegitimamente obtido, logicamente). Ou dos que violam as leis e têm alguma coisa a esconder das autoridades e/ou da opinião pública. Pensem, nisso.

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