Sunday, September 29, 2013

Tecnologia a serviço da ópera

Pedro J. Bondaczuk

O advento do cinema, num primeiro momento, e, posteriormente, o surgimento dos diversos meios de gravação de som e imagem, não somente popularizaram a ópera (claro que com popularidade relativa) como a consolidaram de vez no mundo das artes. Antes de existirem esses recursos, hoje corriqueiros, quem quisesse assistir a uma apresentação do gênero, teria, necessariamente, que ir a algum teatro, então acessível apenas á elite, em que ela ocorria. As montagens eram caríssimas (e ainda o são) e nem sempre essas produções faziam sucesso. Foram inúmeros os produtores que tiveram a desventura de presenciar contundentes fracassos e por isso arcar com imensos prejuízos e diversos deles chegaram a ir à falência.

Agora não. Quem quiser conhecer (ou, se já conhece, voltar a se deliciar) alguma ópera, tem plenas condições de fazê-lo sem muito esforço e a custos acessíveis à maioria dos bolsos. Basta alugar uma fita, em alguma locadora de filmes, ou mesmo adquirir um DVD, e assistir, o que antes exigia deslocamentos e não raro altos dispêndios (os ingressos nos teatros eram caros), em sua própria casa, e no momento em que lhe der na veneta. Conheço muitos apreciadores do gênero que têm extensas coleções com as mais célebres e consagradas peças operísticas encenadas pelos mais refinados, e requisitados, artistas, em seu acervo.

Apenas de filmes, posso citar alguns, cujas cópias pude assistir na casa de um amigo, como as óperas “La Boheme”, de Giácomo Puccini, com produção de John Copley; “Carmem”, de Georges Bizet, produção da Royal Opera; “Fausto”, de Charles-François Gounod; “Nabuco”, de Giuseppe Verdi e vai por aí afora. Para os que preferem ver as apresentações ao vivo, no teatro, os principais centros artísticos da Europa e dos Estados Unidos, mantêm temporadas operísticas regulares, com programas dos mais variados e cujas apresentações são gravadas em DVD que, salvo raras exceções, se esgotam rapidamente.

Neste preciso instante em que redijo estes comentários, dezenas, centenas, quiçá milhares de compositores debruçam-se sobre partituras para comporem novas óperas que futuramente estarão nos melhores e mais sofisticados teatros do mundo, muitas das quais irão gerar filmes ou serão gravadas não importa em qual dos tantos recursos eletrônicos que existem e que poderão, caso você se interesse, integrar seu acervo, caro leitor. É a modernidade tecnológica, mais uma vez, a serviço da arte, da cultura e do bom gosto.

Ademais, inúmeras inovações surgem, praticamente, todos os dias, para facilitar a tarefa dos compositores e dos apreciadores do gênero. Por exemplo, os vastos (quase infinitos) recursos da informática são crescentemente utilizados, e com pleno êxito, por boa parte deles. Ademais, a ópera, que sobreviveu dada a capacidade dos seus cultores de renová-la, adaptá-la e modernizá-la, segue nessa linha inovadora, aproximando, cada vez mais, o erudito do popular. As mudanças ocorrem tanto na linha melódica, quanto na utilização de instrumentos populares (como as guitarras, por exemplo) e, principalmente, na temática desenvolvida.

Neste caso, o movimento inovador mais expressivo, conhecido e polêmico, é a chamada “ópera rock”, que desgosta os puristas, que argumentam que ela não tem nada a ver com o gênero que consagrou Mozart, Wagner, Puccini, Verdi e tantos outros, mas que conquista crescente contingente de adeptos, mundo afora, especialmente a juventude. Essa vertente surgiu na década de 60 do século passado. Os historiadores de arte consideram que a peça “Tommy”, do grupo The Who, foi a precursora dessa nova linha de composição. Seu sucesso motivou outras produções no mesmo estilo. Atribui-se ao guitarrista Peter Townshend, do grupo The Who, o pioneirismo como compositor desse tipo híbrido, de música e de arte dramática, posto que cantada, em vez de recitada.

Há quem conteste essa primazia e jure que a primeira ópera rock foi do grupo britânico Nirvana, com seu álbum “The Story of Simon Simopath”. Controvérsias do tipo sempre existiram e sempre irão existir. De qualquer forma, não se pode negar o caráter histórico de Peter Towshend nessa revolucionária inovação do gênero. Outras óperas rock das mais conhecidas são “Jesus Christ Superstar”, de Tim Rice, “The rise and fall of Ziggy stardust and the spiders of Mars”, de David Bowie, “Quadrofenia”, também de Peter Townshend, do grupo “The Who”, “Berlin”, de Lou Reed, “The lamb lies down on Broadway”, do Genesis, “Joe’s garage”de Frank Zappa e vai por aí afora.

A modernização da ópera (processo contínuo, em pleno andamento), e as facilidades de acesso proporcionadas pela tecnologia, fazendo com que deixasse de ser exclusividade das elites, consolidam e, sobretudo, concretizam plenamente o sonho daquele punhado de florentinos de fins do século XVI, de maneira modernizada, a grandiosidade e a veracidade da tragédia da Grécia Antiga.

Estamos em plena segunda década de um novo século e novo milênio, repleto de promessas, mas também de incógnitas, incertezas e sobressaltos, com vários movimentos artísticos e culturais se transformando em meras referências históricas, por sua incapacidade de se transformar. Mas esse equívoco filológico dos italianos, a “opera in musica”, visto por muitos anos com suspeição e encarado como mero modismo passageiro, está mais vivo do que nunca, passados mais de quatro séculos de sua concepção, sustentado pela atuação magnífica de gênios de várias épocas que excederam, em termos de inteligência e criatividade, no uso de uma adequada e funcional linguagem para comunicar acontecimentos, projeções, dramas, comédias, pensamentos, sentimentos etc. etc.etc.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: