Saturday, September 28, 2013

Prenúncios da violência


Pedro J. Bondaczuk


A Colômbia, nossa vizinha e fraternal amiga, foi duramente castigada neste ano por dois acontecimentos marcantes na vida desse sofrido povo irmão. O primeiro, foi de responsabilidade dos homens, ditado pela incompreensão e fanatismo que dividem as pessoas em grupos adversários e inconciliáveis.

O outro, embora revelasse uma alta dose de imprudência das autoridades, alertadas para a possibilidade de erupção do vulcão Nevado del Ruiz com grande antecedência, foi ditado pela fúria da natureza. Entretanto, o fato que registrou mais vítimas fatais, pouca conseqüência irá trazer para as instituições do país, embora seja uma tragédia dolorosa, que certamente deve ter enlutado toda a sociedade colombiana e toda a comunidade internacional. Já o que fez menos de uma centena de mortos, deverá repercutir muito daqui para a frente.

Várias declarações, dadas entre anteontem e ontem, por membros do governo e pelo ex-presidente Lopez Michelsen, soaram bastante inquietadoras. Elas advertem que a Colômbia, desgraçadamente para sua população, está muito próxima de uma “guerra suja”, como a registrada na Argentina no período de 1976 a 1982, cujos principais personagens acabam de ser punidos pela Justiça argentina pelos excessos que cometeram.

Mais uma vez, nesse nosso miserável e violento continente, as experiências alheias deixam (ou estão em vias de deixar) de ser aproveitadas, para que se possa evitar inúteis e traumáticos “banhos de sangue”.

Quando em agosto do ano passado o presidente Belisário Betancur estendeu, fraternalmente, a mão à guerrilha, tentando reintegrar um vasto contingente de colombianos à legalidade política, os sinos de todo o país repicaram demoradamente.

Hoje, passado um ano, chega-se à conclusão que seus repiques tiveram, na verdade, um caráter quase premonitório. Ao invés de expressarem regozijo pelo desarmamento dos espíritos (como se pensou na ocasião), pareciam, anunciar na verdade tragédias, que afinal se consubstanciaram, sendo que a maior foi o selvagem massacre registrado no mês passado no Palácio da Justiça de Bogotá.

Olhando o panorama atual da América do Sul, que nunca teve grande tradição de democracia, vemos grupos guerrilheiros (bastante ativos) atuando em quatro países. No Peru, os dois mais virulentos são o Sendero Luminoso e o Tupac Amaru, embora outros menores estejam brotando como ervas daninhas do descontentamento das massas desesperadas.

No Chile, a Frente Patriótica Manuel Rodriguez espalha o terror e a morte, rivalizando com o próprio regime ditatorial na promoção da desordem, que não é, em absoluto, aquilo que a maioria (aquela que se conserva sempre silenciosa) deseja.

Mo Equador, o “Alfaro Vive” manifesta a frustração dos habitantes das dezenas de “vilas misérias” de Quito, Guayaquil e outras cidades, uma das quais o papa João Paulo II teve a oportunidade de visitar e de onde saiu horrorizado. E, finalmente, vem a Colômbia, onde pelo menos quatro grandes grupos trucidam, seqüestram, destróem e roubam, especialmente no seu vasto interior.

Todos esses países possuem raízes comuns: altas taxas de desemprego, enormes contingentes de pessoas sem terra, sem casa, sem escola, sem passado, sem presente, sem futuro e sequer sem alguma esperança. Uma situação, portanto, semelhante à vivida pela Europa nos séculos XV e XVI, responsável por massacres dantescos, que se teima em não mais levar em consideração, como se não tivessem sido perpetrados por seres humanos contra outros e se não ocorressem por alguma causa.

A história nunca se repete, é verdade. Mas as reações básicas do ser humano diante de determinadas condições, têm se mantido idênticas desde quando os homens das cavernas começaram a organizar os seus primitivos clãs.

O que se exige dos governantes latino-americanos é um pouquinho de seriedade na condução dos negócios de Estado. É o abandono de práticas intoleráveis de corrupção e de enormes esbanjamentos das ínfimas economias nacionais. É o entendimento que as políticas concentracionistas de renda são sempre bombas de tempo, que a qualquer momento tendem a explodir incontrolavelmente.

A saída para o continente não está nas esquerdas, ou direitas, ou em quaisquer outras ditaduras, de que matizes ideológicos forem. Reside no bom senso e na honestidade. O resto, incluídas as “guerras sujas”, não passa de gratuito derramamento de sangue, que um dia tende a se reverter contra os que deflagram esses processos.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 11 de dezembro de 1985).


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