Sunday, September 22, 2013

Plano econômico surrealista


Pedro J. Bondaczuk


O presidente boliviano, Víctor Paz Estenssoro, é daqueles dirigentes que acreditam na ortodoxia econômica. Um dos postulados máximos dela preceitua que o mercado tem as suas próprias regras, entre as quais a mais rigorosa é a lei natural da oferta e da procura. Segundo essa tese, toda a vez em que há mais mercadorias para vender do que interessados em as adquirir, os preços automaticamente diminuem. E as coisas acontecem ao inverso quando a demanda pelos produtos supera a existência física dos mesmos. Acreditando nisso, o presidente boliviano pensou ter diante dos seus olhos a solução óbvia para a hiperinflação da Bolívia. Raciocinou que comprimindo o consumo durante um certo período, os custos iriam baixar, pois os comerciantes não iriam querer ficar com as suas prateleiras abarrotadas de mercadorias.

Pensando dessa maneira, Paz Estenssoro colocou em prática, em 29 de agosto do ano passado, o seu plano que chamou pomposamente de "Programa de Recuperação Econômica". Chegou a anunciar um milagre para princípios de 1986 e previu que os trabalhadores bolivianos um dia viriam a lhe agradecer por isso. Dessa maneira, congelou todos os salários e liberou os preços.

É evidente que os sindicatos do país, os mesmos que inviabilizaram toda a gestão de Siles Zuazo e conduziram a Bolívia ao seu atual beco sem saída, reagiram. Ameaçaram realizar marchas sobre a capital, ocupações de empresas e greves sem fim. O presidente, porém, agiu rápido e com extrema dureza. Confinou alguns líderes, demitiu centenas de grevistas e impôs, a ferro e fogo, a medida, que julgava salvadora.

E o que aconteceu? Os preços continuaram subindo, subindo e subindo. Mas os salários...permaneceram estacionados. Nem assim o consumo baixou, desmoralizando completamente um dos maiores dogmas econômicos, cuja explicação já valeu até a conquista de Prêmio Nobel a alguns economistas. Chega-se à conclusão que em países que possuem alta concentração de renda, e a Bolívia é um exemplo clássico desse tipo de sociedade, regras que valem para nações que praticam a justiça social ficam completamente anuladas.

Antes do congelamento salarial, os trabalhadores bolivianos já consumiam estritamente o indispensável. À medida em que os aumentos de preços iam passando os reajustes de vencimentos para trás, esse consumo declinava. Mas o que essa classe gasta nas lojas e supermercados é uma ninharia, perto dos gastos dos nababos detentores da riqueza nacional.

Hoje, o operariado boliviano chegou no nível da indigência. Todavia, os comerciantes continuam com suas prateleiras vazias, vendendo cada vez mais e cobrando aquilo que querem. O programa salvador do presidente, certamente elaborado com a melhor das intenções, no momento em que está prestes a completar meio ano, se mostra ineficiente, desmoralizado e sobretudo perverso. Talvez a lei de mercado funcionasse se o congelamento fosse estabelecido nas duas extremidades, como foi o caso do Plano Austral. Mesmo assim, mais cedo ou mais tarde, não suportaria as pressões exercidas dos dois lados.

Logo surgiria um "mercado negro" para compensar o desaparecimento, dos estabelecimentos comerciais, das principais mercadorias, através de uma criminosa escassez artificial. Isto é, as mercadorias seriam simplesmente escondidas e comercializadas "por baixo do pano", a preços escorchantes.

Os ataques feitos à inflação, via preços e salários, portanto, não funcionam. Os governantes, na verdade, bem que sabem o caminho correto para isso, mas atados a compromissos muitas vezes escusos e inconfessáveis com grupos econômicos, não têm a coragem e nem o patriotismo para uma empresa desse porte. Ele está numa política redistributiva equânime e inteligente das riquezas nacionais, mediante medidas simples e funcionais.

Por que a oferta e a procura funcionam nos Estados Unidos, no Japão e na Europa Ocidental, mas nunca no Terceiro Mundo? Porque ali não existe esta brutal concentração de renda que há entre nós. O caminho para Paz Estenssoro, agora, é um só: ou deixa escapar o excesso de pressão existente no país, ou suporta o ônus de deixar a caldeira explodir.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 18 de janeiro de 1986)


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