Plano
econômico surrealista
Pedro J. Bondaczuk
O presidente boliviano, Víctor Paz Estenssoro, é
daqueles dirigentes que acreditam na ortodoxia econômica. Um dos postulados
máximos dela preceitua que o mercado tem as suas próprias regras, entre as
quais a mais rigorosa é a lei natural da oferta e da procura. Segundo essa
tese, toda a vez em que há mais mercadorias para vender do que interessados em
as adquirir, os preços automaticamente diminuem. E as coisas acontecem ao
inverso quando a demanda pelos produtos supera a existência física dos mesmos.
Acreditando nisso, o presidente boliviano pensou ter diante dos seus olhos a
solução óbvia para a hiperinflação da Bolívia. Raciocinou que comprimindo o
consumo durante um certo período, os custos iriam baixar, pois os comerciantes
não iriam querer ficar com as suas prateleiras abarrotadas de mercadorias.
Pensando dessa maneira, Paz Estenssoro colocou em
prática, em 29 de agosto do ano passado, o seu plano que chamou pomposamente de
"Programa de Recuperação Econômica". Chegou a anunciar um milagre
para princípios de 1986 e previu que os trabalhadores bolivianos um dia viriam
a lhe agradecer por isso. Dessa maneira, congelou todos os salários e liberou
os preços.
É evidente que os sindicatos do país, os mesmos que
inviabilizaram toda a gestão de Siles Zuazo e conduziram a Bolívia ao seu atual
beco sem saída, reagiram. Ameaçaram realizar marchas sobre a capital, ocupações
de empresas e greves sem fim. O presidente, porém, agiu rápido e com extrema
dureza. Confinou alguns líderes, demitiu centenas de grevistas e impôs, a ferro
e fogo, a medida, que julgava salvadora.
E o que aconteceu? Os preços continuaram subindo,
subindo e subindo. Mas os salários...permaneceram estacionados. Nem assim o
consumo baixou, desmoralizando completamente um dos maiores dogmas econômicos,
cuja explicação já valeu até a conquista de Prêmio Nobel a alguns economistas.
Chega-se à conclusão que em países que possuem alta concentração de renda, e a
Bolívia é um exemplo clássico desse tipo de sociedade, regras que valem para
nações que praticam a justiça social ficam completamente anuladas.
Antes do congelamento salarial, os trabalhadores
bolivianos já consumiam estritamente o indispensável. À medida em que os
aumentos de preços iam passando os reajustes de vencimentos para trás, esse
consumo declinava. Mas o que essa classe gasta nas lojas e supermercados é uma
ninharia, perto dos gastos dos nababos detentores da riqueza nacional.
Hoje, o operariado boliviano chegou no nível da
indigência. Todavia, os comerciantes continuam com suas prateleiras vazias,
vendendo cada vez mais e cobrando aquilo que querem. O programa salvador do
presidente, certamente elaborado com a melhor das intenções, no momento em que
está prestes a completar meio ano, se mostra ineficiente, desmoralizado e
sobretudo perverso. Talvez a lei de mercado funcionasse se o congelamento fosse
estabelecido nas duas extremidades, como foi o caso do Plano Austral. Mesmo
assim, mais cedo ou mais tarde, não suportaria as pressões exercidas dos dois
lados.
Logo surgiria um "mercado negro" para
compensar o desaparecimento, dos estabelecimentos comerciais, das principais
mercadorias, através de uma criminosa escassez artificial. Isto é, as
mercadorias seriam simplesmente escondidas e comercializadas "por baixo do
pano", a preços escorchantes.
Os ataques feitos à inflação, via preços e salários,
portanto, não funcionam. Os governantes, na verdade, bem que sabem o caminho
correto para isso, mas atados a compromissos muitas vezes escusos e inconfessáveis
com grupos econômicos, não têm a coragem e nem o patriotismo para uma empresa
desse porte. Ele está numa política redistributiva equânime e inteligente das
riquezas nacionais, mediante medidas simples e funcionais.
Por que a oferta e a procura funcionam nos Estados
Unidos, no Japão e na Europa Ocidental, mas nunca no Terceiro Mundo? Porque ali
não existe esta brutal concentração de renda que há entre nós. O caminho para
Paz Estenssoro, agora, é um só: ou deixa escapar o excesso de pressão existente
no país, ou suporta o ônus de deixar a caldeira explodir.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 18 de janeiro de 1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment