Deixa a vida e entra na
História
Pedro
J. Bondaczuk
A morte de Richard
Wagner, um dos personagens mais polêmicos e controvertidos do século XIX, e não
somente nas artes, mas em qualquer atividade – ocorrida em 13 de fevereiro de
1883, em Veneza - , completou, portanto, no início deste 2013, 130 anos. Seus
restos mortais repousam hoje em Bayreuth, cidade de uma Alemanha finalmente
unificada, como tanto sonhou e lutou.
O leitor certamente,
sabe que foram duas as unificações dessa que é hoje uma grande potência
europeia. A primeira deu-se em 1871, sob a liderança do primeiro-ministro
prussiano, Otto Von Bismarck, que passou para a história com a alcunha de
“Marechal de Ferro”. O país, todavia, voltou a ser dividido em 1945, após a
derrota nazista na Segunda Guerra Mundial. A parte Oeste permaneceu por algum
tempo sob a tutela das potências aliadas que derrotaram o nazismo – Estados
Unidos, Grã-Bretanha e França – e, posteriormente, ganhou a independência. O
lado Leste, porém, ficou em mãos dos soviéticos, que o transformaram em um país
comunista.
A reunificação apenas
ocorreu em 3 de outubro de 1990, em amplo processo de transformação no mapa
político da Europa, que resultou na criação de dezenas de novos países e na
desagregação de duas federações de ideologia marxista, no caso a URSS e
posteriormente a Iugoslávia. Há clara distinção nos dois casos. O primeiro,
comandado por Bismarck, e testemunhado por Wagner, que lutou (literalmente)
para isso, foi uma “unificação”, já que, até então, o atual território alemão
nunca havia sido coeso e se dividia em dezenas de reinos, principados, ducados
e cidades-Estados.
Já o segundo, conduzido
pelo chanceler Helmut Kohl, foi um processo “reunificador”, restaurando a
integridade territorial que vigorou de 1871 até 1945, quando os aliados que
derrotaram o nazismo dividiram o país em dois, no contexto do que ficou
conhecido como “Guerra Fria”. Entendo ser importante fazer essa
contextualização, posto que de maneira tão resumida. Nesse segundo processo,
óbvio, Wagner não esteve presente (não fisicamente). Mas sua memória, sua obra
e as polêmicas que sempre o acompanharam estiveram mais vivas do que nunca
também nessa ocasião. E permanece dessa forma, recrudescendo neste 2013, com o
bicentenário de seu nascimento e os 130 anos de sua morte.
No dia em que o
compositor morreu, em 13 de fevereiro de 1883, um amigo do casal, um tal de
Jukovski, ao chegar de visita, para o almoço, encontrou Cosima ao piano,
tocando o “lied” de Franz Schubert, “Elogio das lágrimas”. Indagada sobre o
motivo de haver escolhido uma peça tão triste, a mulher de Wagner disse não
saber a razão da escolha. “Deu-me súbita vontade, uma espécie de compulsão, de
tocar isso”, afirmou simplesmente. Seria premonição sobre o que estava prestes
a ocorrer? Muitos acham que sim, outros tantos entendem que não havia nenhuma
relação a propósito. Enfim... Vá se saber!
Naquele momento, o
marido de Cosima estava bem de saúde. Trabalhava numa nova composição, em seu
estúdio, no segundo andar do Palácio Vendramini, residência que ocupava sempre
que estava em Veneza. De manhã, ao despertar, Wagner havia mostrado disposição
incomum, como nos velhos tempos. Bem humorado, fez lauta e reforçada refeição,
com bastante apetite, a título de café da manhã. A seguir, disse a Cosima que
iria aproveitar os eflúvios positivos do dia para compor alguma coisa. Subiu
para seu gabinete de trabalho assoviando trecho de uma de suas composições..
Mal o diálogo entre a
esposa de Wagner e Jukovski, na sala de
visitas do palácio, terminou, a sineta do segundo andar tocou insistentemente.
Ao ser atendido, o compositor disse à esposa que estava um tanto cansado e que
ela e o visitante começassem o almoço sem ele que, prometendo que logo
desceria. Nunca desceu. Quando a refeição já ia ao meio, sem que Wagner
houvesse chegado, a camareira interrompeu os comensais para avisar que o patrão
estava passando mal. Cosima ficou alarmada. Correu, desesperada, para o quarto,
para onde o compositor havia ido para repousar. Wagner já agonizava.
Ainda teve forças para
pegar um lápis e um papel, à cabeceira da cama, para tentar escrever uma
mensagem. Não conseguia falar. O que pretendia escrever? Alguma recomendação
específica? Um pedido de socorro? Uma mensagem de despedida? Vá se saber! Só
conseguiu rabiscar duas palavras desconexas: “O amor... o trágico”. Foi seu
último ato no mundo dos vivos. Expirou, a seguir, nos braços da sua amada
Cosima.
Três dias depois, seu
corpo foi colocado numa gôndola para iniciar viagem de volta à terra natal. Era
o regresso definitivo ao solo alemão, de onde esteve ausente por tanto tempo,
notadamente nos quase onze anos de um longo e doloroso exílio político. Por
onde seus restos mortais passavam, verificava-se, sempre, o mesmo fenômeno:
multidões se aglomeravam á sua passagem para render-lhe a derradeira homenagem.
Como Wagner, certamente, gostaria de ter visto isso! Seu corpo saiu de Veneza,
através dos característicos canais dessa peculiar cidade, sob os acordes da
elegia “Gõndola fúnebre”, a mesma que havia sido composta há poucos dias por
seu ilustre sogro, Franz Lizst. Foi assim que o genial patriota alemão deixou a
vida para entrar definitivamente na História...
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