De batuta e de arma nas
mãos
Pedro
J. Bondaczuk
O ativismo político de
Richard Wagner, que fez com que interrompesse, por certo tempo (felizmente para
a arte não muito longo), uma brilhante carreira de compositor e maestro,
trajetória que viria a retomar anos depois, era movido mais pelo entusiasmo (se
não praticamente só por ele) do que por eventual convicção ideológica.
Ideologicamente, aliás, ele nunca se definiu com clareza. Durante algum tempo,
abraçou ideais anarquistas, por influência do agitador russo, Mikhail Bakunin,
a quem conheceu em Dresden, em 1848, quando este esteve exilado na cidade.
A despeito da amizade,
ambos divergiram, e muito, em questões ideológicas. Houve tempo em que Wagner
se sentiu atraído pelo comunismo de Karl Marx. Esse fascínio, todavia, durou
muito pouco. Depois, “namorou” com o socialismo, para, finalmente, fixar-se em
um vago republicanismo, à feição do que vigorava nos Estados Unidos da América
ou algo parecido.
O que não suportava era
a pompa e a arrogância dos reis, príncipes, duques etc. e de suas respectivas
cortes, tanto os de tradicionais monarquias européias, como a Grã-Bretanha, a
Rússia e a Holanda, quanto (e principalmente) os vigentes regimes monárquicos
em território germânico. Lutava por uma Alemanha unida, democrática, livre e
socialmente justa, em que não houvesse hordas de miseráveis tendo que batalhar
por um mínimo de dignidade, enquanto a nobreza esbanjava o patrimônio comum do
povo.
Bakunin, por sua vez,
opunha-se, veementemente, às idéias de Marx, notadamente da sua propalada
Ditadura do Proletariado. Aliás, defendia que todos os homens deveriam ser
livres, sem terem que se submeter a quaisquer regimes, governos ou mesmo leis.
Cada qual deveria cuidar dos próprios interesses, respeitando rigorosamente os
do próximo, sem precisarem prestar contas a ninguém, a não ser à própria
consciência. Claro que essas idéias não condiziam com o fervoroso nacionalismo
de Wagner, que sonhava, reitero, com uma Alemanha unida, poderosa, justa e
igualitária e, sobretudo, democrática. Ambos, cá para nós, não passavam de
grandes sonhadores, de apaixonados utopistas. Lutavam, arriscando carreiras e
vidas, por ideais que nunca foram concretizados por ninguém e em lugar algum.
Em junho de 1848,
Wagner aderiu à Guarda Comunal Revolucionária. A partir de então, seu ativismo
deixou o mero plano das idéias, do vago e utópico ideal , para assumir conotações
concretas, de luta armada inclusive. Num artigo inflamado e panfletário,
intitulado “Que relação existe entre a empreitada republicana e a monarquia”,
expôs pela imprensa o que pretendia e porque lutava. Entre outras tantas
idéias, explicitou o que sonhava para uma futura Alemanha unificada: um país em
que os governantes fossem eleitos pelo voto livre e universal, que contasse com
um exército do povo, cujas leis fossem elaboradas por um congresso unicameral e
que tivesse nova economia burguesa, com regras justas e gerais, sem privilégios
e nem burlas.
Na oportunidade, o
fervoroso revolucionário estava no auge do vigor físico e intelectual. Tinha 35
anos de idade e “vendia” saúde e energia. Além de inflamados artigos,
publicava, com freqüência, poemas exaltando revoluções, como, por exemplo, a
ocorrida na Áustria, onde o povo havia forçado o imperador local a fugir do
país. Em seus versos, incitava os ingleses a fazerem o mesmo. A despeito do
ativismo político ou como uma espécie de “ferramenta” deste, vez por outra
exercitava seus dotes de maestro. Ou seja, tanto empunhava a batuta quando a
considerava oportuna à propagação de suas ideias, quanto uma arma, quando
julgava que esta era indispensável. Quanto à primeira, o exemplo marcante foi o
que aconteceu em 1° de abril de 1849.
Nessa data, Wagner regeu uma orquestra
local, em apresentação pública, na execução da “Nona Sinfonia” de Beethoven (de
quem era apaixonado admirador). A enciclopédia eletrônica Wikipédia narra o que
aconteceu após essa histórica execução e o que a tornou marcante. “No final da apresentação Bakunin se levantou do meio da plateia, apertou
a mão de Wagner e disse bem alto para que todos ouvissem que, se toda música
que já foi escrita fosse se perder na conflagração mundial que estava para
acontecer, esta sinfonia pelo menos teria que ser salva”. Cá para nós, se de
fato acontecesse o tal conflito total previsto, não só essa sinfonia de
Beethoven, mas toda obra desse genial compositor teriam que sobreviver.
O ambiente em Dresden e em
toda a Saxônia, que já era sumamente tenso, se deteriorou de vez e desembocou
em violenta luta armada, a partir de uma decisão tomada pelo rei daquela região
em 3 de maio de 1849. Ele simplesmente decretou a exrinção da Guarda Comunal
Revolucionária. Seus membros, no entanto (entre os quais Wagner), decidiram,
todavia, resistir, e de armas na mão se preciso fosse. E foi. Armaram-se
barricadas por toda a cidade. Os rebeldes estavam determinados a lutar até o
fim, até o último homem. O rei, vendo sua autoridade tão ostensivamente
contestada, não teve dúvidas: solicitou reforços de tropas prussianas no que
foi prontamente atendido. Os rebeldes resistiram, a despeito da desvantagem
numérica em homens e da escassez de armas, com valentia e determinação. A luta
foi renhida, casa por casa. Aliás, foi uma carnificina.
Os revolucionários ocuparam a
Prefeitura de Dresden, mas seus homens estavam exaustos. Estavam noites e mais
noites sem dormir e sua munição estava mp fim. Paulatinamente cediam terreno às
tropas legalistas. Era preciso conseguir reforços o mais rápido possível para
não serem batidos. Wagner foi despachado, com a máxima urgência, para Freiberg,
para reunir mais pessoas dispostas a lutar contra a monarquia. Contudo, antes
que regressasse com a providencial ajuda... os rebeldes foram totalmente
esmagados pelos monarquistas. Tudo parecia (e de fato estava) perdido.
Recorro, de novo, à Wikipédia
para descrever o epílogo dessa rebelião popular em Dresden, pouco mencionada
pelos historiadores: “Wagner juntou-se a Heubner e Bakunin a caminho de
Freiberg e sugeriu que eles montassem um governo provisório em Chemnitz.
Naquela noite, Wagner e Bakunin dormiram no mesmo sofá. Quando Wagner acordou,
Bakunin e Heubner tinham fugido. Wagner correu para onde estava Minna, e os
dois rapidamente abandonaram o país”. Ele apenas regressaria quase onze anos
depois, amargando o que para ele se constituiu em doloroso exílio.
O curioso é que, enquanto
Mikhail Bakunin, agitador profissional, ferrenho defensor da luta armada para a
imposição de suas ideias, não titubeou em abandonar o “amigo”, sem sequer
acordá-lo, quando não havia mais qualquer possibilidade de sucesso, o
“revolucionário de ocasião”, salvo da morte certa somente graças às artimanhas
do acaso, resistiu o quanto pôde, sem agir com deslealdade (ou covardia?), sem
abandonar ao inimigo nenhum aliado e muito menos alguém com quem tivesse
alegados laços de amizade. Enfim...
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