Sunday, September 01, 2013

De batuta e de arma nas mãos

Pedro J. Bondaczuk

O ativismo político de Richard Wagner, que fez com que interrompesse, por certo tempo (felizmente para a arte não muito longo), uma brilhante carreira de compositor e maestro, trajetória que viria a retomar anos depois, era movido mais pelo entusiasmo (se não praticamente só por ele) do que por eventual convicção ideológica. Ideologicamente, aliás, ele nunca se definiu com clareza. Durante algum tempo, abraçou ideais anarquistas, por influência do agitador russo, Mikhail Bakunin, a quem conheceu em Dresden, em 1848, quando este esteve exilado na cidade.

A despeito da amizade, ambos divergiram, e muito, em questões ideológicas. Houve tempo em que Wagner se sentiu atraído pelo comunismo de Karl Marx. Esse fascínio, todavia, durou muito pouco. Depois, “namorou” com o socialismo, para, finalmente, fixar-se em um vago republicanismo, à feição do que vigorava nos Estados Unidos da América ou algo parecido.

O que não suportava era a pompa e a arrogância dos reis, príncipes, duques etc. e de suas respectivas cortes, tanto os de tradicionais monarquias européias, como a Grã-Bretanha, a Rússia e a Holanda, quanto (e principalmente) os vigentes regimes monárquicos em território germânico. Lutava por uma Alemanha unida, democrática, livre e socialmente justa, em que não houvesse hordas de miseráveis tendo que batalhar por um mínimo de dignidade, enquanto a nobreza esbanjava o patrimônio comum do povo.

Bakunin, por sua vez, opunha-se, veementemente, às idéias de Marx, notadamente da sua propalada Ditadura do Proletariado. Aliás, defendia que todos os homens deveriam ser livres, sem terem que se submeter a quaisquer regimes, governos ou mesmo leis. Cada qual deveria cuidar dos próprios interesses, respeitando rigorosamente os do próximo, sem precisarem prestar contas a ninguém, a não ser à própria consciência. Claro que essas idéias não condiziam com o fervoroso nacionalismo de Wagner, que sonhava, reitero, com uma Alemanha unida, poderosa, justa e igualitária e, sobretudo, democrática. Ambos, cá para nós, não passavam de grandes sonhadores, de apaixonados utopistas. Lutavam, arriscando carreiras e vidas, por ideais que nunca foram concretizados por ninguém e em lugar algum.

Em junho de 1848, Wagner aderiu à Guarda Comunal Revolucionária. A partir de então, seu ativismo deixou o mero plano das idéias, do vago e utópico ideal , para assumir conotações concretas, de luta armada inclusive. Num artigo inflamado e panfletário, intitulado “Que relação existe entre a empreitada republicana e a monarquia”, expôs pela imprensa o que pretendia e porque lutava. Entre outras tantas idéias, explicitou o que sonhava para uma futura Alemanha unificada: um país em que os governantes fossem eleitos pelo voto livre e universal, que contasse com um exército do povo, cujas leis fossem elaboradas por um congresso unicameral e que tivesse nova economia burguesa, com regras justas e gerais, sem privilégios e nem burlas.

Na oportunidade, o fervoroso revolucionário estava no auge do vigor físico e intelectual. Tinha 35 anos de idade e “vendia” saúde e energia. Além de inflamados artigos, publicava, com freqüência, poemas exaltando revoluções, como, por exemplo, a ocorrida na Áustria, onde o povo havia forçado o imperador local a fugir do país. Em seus versos, incitava os ingleses a fazerem o mesmo. A despeito do ativismo político ou como uma espécie de “ferramenta” deste, vez por outra exercitava seus dotes de maestro. Ou seja, tanto empunhava a batuta quando a considerava oportuna à propagação de suas ideias, quanto uma arma, quando julgava que esta era indispensável. Quanto à primeira, o exemplo marcante foi o que aconteceu em 1° de abril de 1849.

Nessa data, Wagner regeu uma orquestra local, em apresentação pública, na execução da “Nona Sinfonia” de Beethoven (de quem era apaixonado admirador). A enciclopédia eletrônica Wikipédia narra o que aconteceu após essa histórica execução e o que a tornou marcante. “No final da apresentação Bakunin se levantou do meio da plateia, apertou a mão de Wagner e disse bem alto para que todos ouvissem que, se toda música que já foi escrita fosse se perder na conflagração mundial que estava para acontecer, esta sinfonia pelo menos teria que ser salva”. Cá para nós, se de fato acontecesse o tal conflito total previsto, não só essa sinfonia de Beethoven, mas toda obra desse genial compositor teriam que sobreviver.

O ambiente em Dresden e em toda a Saxônia, que já era sumamente tenso, se deteriorou de vez e desembocou em violenta luta armada, a partir de uma decisão tomada pelo rei daquela região em 3 de maio de 1849. Ele simplesmente decretou a exrinção da Guarda Comunal Revolucionária. Seus membros, no entanto (entre os quais Wagner), decidiram, todavia, resistir, e de armas na mão se preciso fosse. E foi. Armaram-se barricadas por toda a cidade. Os rebeldes estavam determinados a lutar até o fim, até o último homem. O rei, vendo sua autoridade tão ostensivamente contestada, não teve dúvidas: solicitou reforços de tropas prussianas no que foi prontamente atendido. Os rebeldes resistiram, a despeito da desvantagem numérica em homens e da escassez de armas, com valentia e determinação. A luta foi renhida, casa por casa. Aliás, foi uma carnificina.

Os revolucionários ocuparam a Prefeitura de Dresden, mas seus homens estavam exaustos. Estavam noites e mais noites sem dormir e sua munição estava mp fim. Paulatinamente cediam terreno às tropas legalistas. Era preciso conseguir reforços o mais rápido possível para não serem batidos. Wagner foi despachado, com a máxima urgência, para Freiberg, para reunir mais pessoas dispostas a lutar contra a monarquia. Contudo, antes que regressasse com a providencial ajuda... os rebeldes foram totalmente esmagados pelos monarquistas. Tudo parecia (e de fato estava) perdido.

Recorro, de novo, à Wikipédia para descrever o epílogo dessa rebelião popular em Dresden, pouco mencionada pelos historiadores: “Wagner juntou-se a Heubner e Bakunin a caminho de Freiberg e sugeriu que eles montassem um governo provisório em Chemnitz. Naquela noite, Wagner e Bakunin dormiram no mesmo sofá. Quando Wagner acordou, Bakunin e Heubner tinham fugido. Wagner correu para onde estava Minna, e os dois rapidamente abandonaram o país”. Ele apenas regressaria quase onze anos depois, amargando o que para ele se constituiu em doloroso exílio.

O curioso é que, enquanto Mikhail Bakunin, agitador profissional, ferrenho defensor da luta armada para a imposição de suas ideias, não titubeou em abandonar o “amigo”, sem sequer acordá-lo, quando não havia mais qualquer possibilidade de sucesso, o “revolucionário de ocasião”, salvo da morte certa somente graças às artimanhas do acaso, resistiu o quanto pôde, sem agir com deslealdade (ou covardia?), sem abandonar ao inimigo nenhum aliado e muito menos alguém com quem tivesse alegados laços de amizade. Enfim...


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