Pequenas
vitórias
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas costumam (e entre estas me incluo)
colocar suas pretensões acima das suas possibilidades. Algumas chegam a desejar
o impossível. Claro, sonhos são sonhos e é lícito lutar por sua concretização.
Mas desde que sejam factíveis.
Se eu pretender ser um astronauta, por um desses
caprichos da fantasia, por mais que tente jamais chegarei a sê-lo. Uma série de
fatores, dos físicos, aos referentes a oportunidades, tornariam esse desejo
absolutamente impossível. Há uma série de outros que a mínima lógica sugere
serem irrealizáveis. Mas teimamos em correr atrás deles. E nos frustramos, nos
desesperamos e entramos em depressão quando não temos sucesso na busca dessas
irracionalidades.
Na maioria das vezes, a busca insensata por essas
fantasias impede que valorizemos as aparentemente pequenas vitórias que
obtemos, mas que em alguns casos são decisivas. No meu caso, não tenho o
direito de me reprovar por falta de esforço. E nem os que souberem da minha
"saga" heróica de alguns anos atrás para conseguir o que para as
pessoas comuns é natural, mas que para mim foi a maior e decisiva das
aventuras: reaprender a andar.
Quando estava com seis anos de idade, fui acometido
de poliomielite. Até então, eu era uma criança sadia, normal, travessa, nem
melhor e nem pior do que ninguém. Talvez um pouco mais agitada, a acreditar nas
reclamações dos meus pais.
Da noite para o dia, vi-me privado de todos os
movimentos. Fiquei totalmente paralisado, precisando de ajuda para tudo: para
comer, trocar de roupa, tomar banho etc. Era completamente dependente dos
outros. Como administrar isso? Só quem passou por situação semelhante sabe o
desespero que se apossa da gente ao perceber o que se está perdendo da vida.
Passado o período crítico da doença, veio a fase
dificílima da adaptação à nova condição. A primeira reação natural que temos
nessas circunstâncias é a da revolta, sem que saibamos exatamente contra quem.
E surge a pergunta mais do que natural e óbvia na nossa mente, que fica piscando
como as luzes de um neon: por que eu? A autopiedade é outra tentação que passa
a acompanhar os que têm essa ou outra infelicidade que os incapacitem
fisicamente. No meu caso, através da fisioterapia, comecei vagarosamente a
recuperar alguns movimentos.
Dia a dia conquistava pequenas vitórias, que nas
circunstâncias eram imensas. Primeiro, consegui readquirir por completo os
movimentos e funções do braço esquerdo e parcial da perna direita. Depois, pude
sentar-me sozinho. No dia em que consegui comer, sem que ninguém precisasse me
dar comida na boca, chorei de alegria. Mas eu intuía que não poderia parar
nisso.
Havia muita vida dentro de mim para permanecer
deitado o tempo todo em uma cama, quando havia um mundo lá fora a ser
conquistado. Pensamentos aterrorizadores me assaltavam a mente. "E se eu
perder os meus pais? O que será de mim?", raciocinava angustiado.
Precisava aprender a me locomover! Mas como?!?
A primeira alternativa foi a cadeira-de-rodas. Esta,
porém, permitia-me uma locomoção muito limitada. Como freqüentaria a escola,
por exemplo, nestas circunstâncias? Não,
não era o bastante! Cismei que poderia aprender a andar de muletas, embora os
médicos achassem isso impossível, pela atrofia que eu havia sofrido na perna
esquerda e no braço direito. Nem liguei para esse diagnóstico.
Alguma coisa, no meu íntimo, dizia que eu poderia
conseguir. E que iria. Nas férias do Lar Escola, instituição em que fazia minha
reabilitação e estudava, insisti com meu pai para que me fizesse um par de
muletas, já que éramos muito pobres para poder comprar um. A princípio
relutando, mas depois até para se livrar da minha insistência, fui atendido.
A primeira vez que voltei a ficar de pé, sem a ajuda
alheia, senti-me um rei. Deve ter sido a mesma sensação que sir Edmund Hillary
teve ao plantar, pela primeira vez na história, a bandeira no seu país no Pico
do Everest, o "teto do mundo".
Daí para os primeiros passos, foi uma piscada de
olhos. As quedas foram muitas e algumas perigosas. Cheguei a sofrer pequenas
fraturas. Mas contra a opinião e a recomendação gerais, persisti. Em suma, com
o tempo adquiri tamanha mobilidade, que conseguia tomar ônibus, subir escadas e
levar vida completamente normal. Freqüentei a escola primária, fiz o ginásio, o
colégio e a faculdade. Adquiri uma profissão, que procuro exercer com todo o
amor. Sei o que me custou chegar até onde cheguei.
Casei-me, gerei quatro filhos saudáveis e maravilhosos,
que me “presentearam” com dois netos lindos e
inteligentes e agora, muito raramente, lembro-me que tenho problema
físico. Apostei no impossível e me dei bem. Narro este fato íntimo não para me
engrandecer ou para que os outros digam: como este sujeito é esforçado!
Menciono-o para mostrar que, por pior que seja o
nosso problema, sempre há uma solução, mesmo que não a ideal ou a que preencha
as nossas expectativas, em geral carregadas de fantasia. Temos a obrigação de
valorizar as aparentemente pequenas vitórias que, colocadas no devido contexto,
são, na realidade, maiúsculas.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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