Revolucionário na
política e na arte
Pedro
J. Bondaczuk
O compositor e ativista
político Richard Wagner, ao contrário do que foi apregoado por muito tempo, nos
mais variados círculos artísticos, culturais, jornalísticos e políticos (o que
ainda hoje lhe é atribuído), jamais, em momento algum, defendeu odiosas teses
de superioridade racial alemã. Diversos textos que escreveu, e que podem ser
lidos por quem se esforçar para ter acesso a eles, comprovam, sem margem para
equívoco, que o destino que previa para seu povo (e que, para torná-lo
concreto, chegou a pegar em armas, arriscando carreira, prestígio e
principalmente a vida), não era o de um império poderoso, versão moderna da
Roma antiga, que subjugasse e dominasse os demais países pela força militar.
Wagner acreditava, sim,
na hegemonia da arte, do espírito e da cultura germânica. Entendia que os
alemães tinham uma missão sagrada, ou seja, a de ilustrar a humanidade e de
contribuir para a evolução do homem, enquanto espécie, tornando a vida humana
artística e espiritualmente mais rica. Utopia? Logo se vê que sim. Mas se
tratava de objetivo generoso e nobre, que nada tinha a ver com dominação e nem
com pretensa presunção de superioridade racial. Muito do que se falou ou se
escreveu sobre ele baseou-se no condenável “ouvi dizer”, sem fundamento e nem
comprovação.
Há tempos pesquiso a
vida de Wagner, pelo tanto que ela tem de romanesco e de aventura, mas,
inegavelmente, também de nobreza e de idealismo. Sou fascinado tanto por suas
obras, quanto por sua coragem e determinação. Em vez de apregoar (como lhe é,
injustamente, atribuído) hipotética superioridade racial alemã, admitiu, pelo
contrário, certa vulnerabilidade do seu povo em alguns aspectos. Chegou a
declarar, em certa ocasião: “Nós, alemães, nunca seremos grandes políticos”.
Mas nem por isso previa um destino menor para seu povo. Na mesma ocasião,
ponderou: “Talvez cheguemos a ser algo maior, quando conhecermos o valor exato
das nossas atitudes, que talvez não nos levem a dominar o mundo, porém a
engrandecê-lo”. Notem que Wagner colocou tudo isso no condicional, ao contrário
da sua admissão de vulnerabilidade no que se refere à política.
Sua visão do papel da
arte na vida dos povos era ostensivamente a de um artista (que de fato era e
dos mais geniais). Alçava-a à posição de uma espécie de religião, que deveria
conquistar a alma de todas as pessoas e via o papel do artista como sendo uma
espécie de sacerdote desse culto da beleza e da transcendência. Foi com esse
espírito místico que compôs, por exemplo, a ópera “Parsifal”. Buscou torná-la
uma expressão poética da ambição que tinha em relação ao seu povo. Ou seja, o
de torná-lo uma espécie de difusor da arte, da sensibilidade, da cultura no que
esta tem de mais elevado e da civilização em seu aspecto mais nobre.
Wagner deixou entrever,
em várias oportunidades, que se julgava um predestinado, um escolhido por Deus
para a tarefa de difundir beleza, grandeza, transcendência e o que há de melhor
no coração humano. Sabia, como ninguém, das suas fraquezas e limitações, que
aos meus olhos o engrandeciam em vez de depreciá-lo, por ressaltar sua
humanidade. Por mostrar que era (guardadas as proporções) como eu, como você,
como seu vizinho etc.etc.etc. com os mesmos medos, dúvidas e vulnerabilidades.
Conhecia a reputação
que tinha – de aventureiro, de irresponsável, de volúvel, de caloteiro e vai
por aí afora – e sentia imensa angústia por não conseguir fazer com que sua
vida particular tivesse a mesma grandeza que sua obra. Isso fica implícito nas
entrelinhas de sua autobiografia, intitulada “My life” (em inglês). Não se
tratava de nenhum megalomaníaco arrogante, como muitos de seus detratores o
pintavam. Quando estava já próximo da morte, chegou a uma conclusão, a próprio
respeito, que deixou registrada em um de seus escritos, que foi a seguinte:
“Minha vida, afinal, valeu para alguma coisa. Permitiu que se revelasse, por
meu intermédio, uma inteligência superior (referindo-se a Deus), que me
permitiu penetrar, reordenar e reconstruir o caos”.
Talvez Wagner tenha
sido tão intensamente odiado por causa do caráter revolucionário – e não me
refiro só ao seu ativismo político – pelas inovações que introduziu em sua
arte. Afinal, não foi ele que arrasou todos os cânones até então vigentes na
música erudita européia? Tenho plena convicção que sua obra, ao mesmo tempo que
causou pasmo e admiração nos que a apreciavam (e apreciam), entre os quais me
incluo, despertou rancor e profunda inveja nos que tentaram, mas não
conseguiram chegar onde chegou. O crítico musical Roland Manuel observou, a
propósito das composições de Wagner: “Do ponto de vista musical, a partir de
‘Tristão e Isolda’, o compositor conduziu a música tradicional à virtual
ruína”. E concluiu: “Ele exauriu os últimos recursos do sistema tonal,
quebrando as últimas resistências”.
Tristão e Isolda, na
minha concepção, é uma gigantesca dissonância, que só se resolve no final. É
uma ópera genial, fantástica, revolucionária e única, de tirar o fôlego de quem
sabe apreciar a música eterna. Roland Manuel arremata com estas palavras suas
considerações a propósito dessa composição: “Honremos neste trabalho a última
encarnação do Romantismo musical, cujas potências vemos aqui consumirem-se
magnificamente”. A obra completa de Wagner, destaque-se, não se restringe a
duas ou três óperas. Ascende a mais de uma centena de criações, sem que seja
possível fazer qualquer reparo a qualquer uma de tais composições. E isso
levando a vida turbulenta e agitada que levou. Fico imaginando o que poderia
ter produzido caso fosse regrado, disciplinado e se dedicasse exclusiva e
integralmente à música. O céu, com certeza, seria o limite!!!
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