Escrevendo certo por
linhas tortas
Pedro
J. Bondaczuk
A “anormalidade” parece
ter sido o “normal” na vida do compositor Richard Wagner, uma das figuras mais
fascinantes que a história registra. Qual outro personagem famoso, por exemplo,
teve “dois pais”?. Ele teve. Perdeu o biológico, Carl Friedrich, quando tinha
somente seis meses e durante muitos anos foi criado e tratado como filho
legítimo por Ludwig Geyer, cujo sobrenome, inclusive, adotou até os catorze
anos. Durante muitos anos, suspeitou que o padrasto fosse, de fato, o pai.
Mas não foi somente
essa a esquisitice de Wagner e nem a principal. Qual, por exemplo, outro
personagem famoso que, por toda a vida, combateu a monarquia, inclusive de
armas na mão e, no entanto, foi literalmente salvo, pelo menos da ruína
econômica, justamente por um rei? O nosso personagem foi. Todavia, a
“anormalidade” mais gritante, que mais
chama a atenção de quem lê qualquer uma das suas tantas biografias, refere-se
aos seus amores, mais especificamente, aos seus casamentos. O primeiro, com
Christine Wilhelmine Planer (conhecida pelo apelido de “Minna”) foi um
desastre. É certo que durou pouco mais de dez anos, mas terminou num escândalo
que repercute até os dias de hoje.
Já o segundo casamento
de Wagner, com Cosima, filha do também compositor Franz Lizst, durou pelo resto
da sua vida, mas começou todo arrevezado. Neste caso, o compositor escreveu
certo, posto que por linhas tortas. Aliás, aqui caberia um superlativo:
tortíssimas. Explico. Em 1864, quando Wagner estava com 51 anos de idade,
separado de Minna, de quem se divorciara há já bom tempo, ele residia em uma
luxuosa mansão, chamada de Villa Pellet. Localizava-se próxima do Castelo de
Berg, residência de verão do rei da Baviera, Luís II, personagem sobre o qual
tratarei bastante, no momento oportuno. Adianto quer foi ele que salvou o
compositor, que admirava às raias da paixão, da ruína, assumido todas as suas
dívidas (que eram monstruosas) e, de quebra, dando-lhe uma pensão de quatro mil
florins anuais, quantia suficiente para qualquer pessoa levar uma vida não
somente tranquila, mas luxuosa.
No verão do referido
ano, no caso, 1864, Wagner recebeu em sua mansão dois hóspedes ilustres: o
regente e pianista Hans Von Bullow, seu amigo de longa data e a esposa deste.
Quem era ela? Era, justamente, Cosima, filha de Liszt, a quem conhecera quando
ela era criança, já que ficara hospedado na casa do compositor tão logo fora
despejado do “Asylum” em Zurique e se separado de Minna. O casal seria seu
hóspede por tempo indeterminado. Tudo corria bem na mansão de Villa Pellet,
aparentemente dentro da maior normalidade, até que uma inesperada notícia veio
a abalar o ambiente: Cosima estava grávida.
Em situação normal,
isso seria motivo de muita alegria para todos. Seria... mas não foi. A filha de
Liszt estava grávida, sim, mas não de Hans, o marido. Vocês já concluíram quem
era o pai, não é mesmo? Pois é, o autor da façanha era ele mesmo, Richard
Wagner. A princípio, Bullow, que estava muito doente, sequer percebeu a
gravidez. Essas coisas, todavia (claro) não são possíveis de serem escondidas
por muito tempo. Quando o ilustre pianista percebeu... já era tarde. Perdeu a
mulher. Wagner e Cosima confessaram que estavam apaixonados e que ela queria o
divórcio do marido. Claro que este concordou com a separação.
Quem ficou furioso foi
Lizst. O adultério da filha era muito para seus rígidos padrões morais. Dá para
imaginar o escândalo desse caso amoroso, em uma época de extremo moralismo,
mesmo que fosse somente público, já que o comportamento privado das pessoas, a
salvo de olhares alheios, indiscretos e acusadores, nunca foi diferente do que
é hoje. A diferença é que atualmente se age às claras.
Lizst ficou mais
escandalizado ainda e caiu em depressão quando a filha lhe comunicou que iria
se converter ao protestantismo, para poder se casar com Wagner. Justo ele que
era católico fervoroso e rigorosamente contrário ao divórcio, conforme
preceitua ainda hoje sua religião!
Considerava, portanto, aquela relação “abominável”. Consentindo ou não,
o fato é que Cosima se divorciou de Bullow em 1870, que Wagner, na mesma época,
recebeu a notícia da morte de Minna em Dresden (de quem já era há bom tempo
divorciado) e ambos se casaram, em 25 de agosto de 1870.
Apesar desse romance
haver sido “escrito” por linhas tortas, deu muito certo. Um havia sido feito
exatamente para o outro. Cosima, ao contrário de Minna, não era ciumenta. Ou,
se o fosse, não dava nenhuma demonstração. Conhecia o marido que tinha e
gostava dele exatamente como era. Além disso, tinha cultura e educação
refinadíssimas e se mostrou a companheira de todas as horas que o marido tanto
sonhara e precisava. O casal se mostrou fiel um ao outro até a morte de Wagner
e conseguiu se reconciliar, até certo ponto, com Liszt, que chegou a compor
música para o genro, que foi executada, aliás, quando da sua morte em Veneza.
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