Wednesday, September 18, 2013

Admirável intelectual multitarefa

Pedro J. Bondaczuk

Os talentos com os quais nascemos – que, se não forem identificados, desenvolvidos e exercitados não passarão de mero potencial – são os mais variados. Uns nascem com inúmeros, mas não quer dizer que serão bem sucedidos em todos ou mesmo em um único deles. Outros não revelam aptidão para praticamente nada, a não ser para tarefas que exijam somente a força dos músculos, e isso se a tiverem. Outros tantos vêm ao mundo com um único talento. Estes, não raro, se ou quando o identificam, desenvolvem e exercem obtêm sucesso na vida, maior do que os que foram dotados pela natureza com vocação inata para várias atividades, mas que sequer descobrem isso. É injusto? Depende.

Aliás, Jesus Cristo, em suas andanças pela Terra, exemplificou essa realidade em sapientíssima parábola. E por que uns nascem talentosos e hábeis e outros tantos nascem sem nenhuma habilidade especial? É um mistério. Provavelmente é uma questão genética. Todavia, é uma realidade. Raras são as pessoas multivocacionadas que conseguem desenvolver mais de uma vocação e exercê-las bem, com competência. Os três passos fundamentais para isso são: a identificação de cada uma delas, o desenvolvimento (mediante estudo sério e aplicado de suas regras e técnicas) e, principalmente sua prática, seu exercício, sua utilização prática, com concentração, aplicação e responsabilidade.

De nada vale – como na parábola de Cristo – o servo que recebeu três talentos enterrá-los por temor de perdê-los ou vê-los furtados. Neste caso é louvável o sujeito que receba um único, mas que, o aplicando, faça-o render e se multiplicar. Admiro os multivocacionados, mas os que se aplicam e têm sucesso em mais de uma atividade. Estes, óbvio, são raros. Cabe, aqui, até um superlativo: são raríssimos. Por isso, no meu entender, quando identificados (nem sempre são) merecem respeito e reverência, dependendo da qualidade e importância da obra que produzirem.

Uma dessas pessoas multitalentosas e vencedoras, a respeito de quem já escrevi, neste espaço, ao comentar o lançamento de seu novo livro, “Profissionais da solidão” (Editora Senac), é Cecília Prada. Além de escritora, que não precisa provar mais nada para ninguém, é, também, jornalista, historiadora, dramaturga, professora, tradutora e ex-diplomata de carreira. Mas nada disso caiu-lhe do céu, embrulhado para presente, prontinho para uso. Exigiu-lhe esforço, estudo, dedicação, responsabilidade e sacrifícios.

Sua primeira formação acadêmica foi na Faculdade de Letras e, posteriormente, de Jornalismo. Como jornalista, iniciou carreira no jornal “A Gazeta” de São Paulo, então pertencente à Fundação Casper Líbero. Poderia permanecer exclusivamente nessa atividade por toda a vida. Afinal, mostrou ter habilidade mais que suficiente para isso. Tanto que conquistou o maior prêmio da profissão, o “Esso”, de 1980. Mas não se deu por satisfeita. Ganhou uma bolsa de estudos da Fundação Casper Líbero e, por causa dela, passou um ano no Instituto Pro Deo, em Roma, onde se aperfeiçoou nas áreas de Jornalismo e Cinema.

Todavia, Cecília não se acomodou com isso. Poderia ter se acomodado, não é mesmo? Ao regressar da Itália, prestou concurso público na rede estadual de ensino e foi aprovada. Passou a lecionar Português, o que fez por quatro anos, até 1955. Mas ela queria mais, muito mais. Sentindo que tinha jeito para a diplomacia, prestou vestibular no Instituto Rio Branco e passou. Formou-se diplomata de carreira e atuou como consulesa por dois anos. Nessa função, apaixonou-se por um colega de carreira, Sérgio Paulo Rouanet, com o qual veio a se casar. Esse casamento, segundo as regras da diplomacia brasileira, custou-lhe o cargo, do qual teve que se demitir, conforme norma do Itamaraty.

Cecília permaneceu bom tempo afastada das atividades profissionais, para as quais estava habilitada, trocando-as pelo importante papel de esposa e de dona de casa. Em 1973, porém, após separar-se do marido, retornou ao jornalismo. Passou pelos jornais “O Globo”, do Rio de Janeiro, e “Estado de São Paulo” e “Folha de S. Paulo” (pela qual conquistou o Prêmio Esso) e pelas revistas Visão e IstoÉ. Como se vê, é um currículo jornalístico impecável e invejável. A partir de 1995, decidiu atuar como autônoma e, nessa condição, presta serviços, principalmente, à revista “Problemas brasileiros”. Cecília, porém, não se contentou com isso. Aperfeiçoou-se, como escritora, lançou vários livros e, aproveitando-se de sua facilidade com línguas estrangeiras (o que aprimorou enquanto era diplomata), se tornou requisitada tradutora de inglês, francês, espanhol e italiano. Nessa condição, já traduziu 31 livros, que foram devidamente publicados.

Como dramaturga, o sucesso de Cecília Prada não é menor, longe disso. Tanto que já tem sete peças teatrais escritas, em português e em inglês. Uma delas, “Central Park Bench number33, flight 207”, foi encenada, pela primeira vez, no Judson Poet’s Theatre, em Nova York, no ano de 1964. Além disso, adaptou para os palcos o livro “Retrato do artista quando jovem”, de James Joyce.  No Brasil, várias de suas peças já foram levadas aos palcos, além da adaptação de diversos de seus contos e de seu livro-reportagem “Menores no Brasil: a loucura nua”, com o qual conquistou o Prêmio Esso de Reportagem em 1980, para o teatro.

Preciso escrever mais alguma coisa para justificar a condição de bem sucedida multitarefa com a qual identifiquei Cecília Prada, que entre outras coisas, é imortal da Academia Campineira de Letras e Artes de Campinas, rival da Campinense de Letras (à qual pertenço)? Poderia desfiar mais um punhado de façanhas, nas várias atividades que ela exerceu e exerce, enchendo páginas e mais páginas de informações, mas não farei. Porquanto minha tese, a propósito de vocações e de como proceder em relação a elas está mais do que comprovada.


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