Premonição da morte de
Wagner?
Pedro
J. Bondaczuk
O compositor Richard
Wagner dedicou praticamente metade da sua vida para concluir a ópera
“Parsifal”, que a maioria dos críticos e dos amantes de música clássica (entre
os quais, modestamente, me incluo), considera sua obra-prima. Não se tratou, é
evidente, de dedicação exclusiva, integral e obsessiva. Ele trabalhava algum
tempo nessa composição (quando suas aventuras permitiam), deixava-a de lado por
intervalos não raro de anos, retomava-a, voltava a abandoná-la e assim por
diante. Perfeccionismo? Também. Mas o que o impedia de concluir essa monumental
peça operística eram as tais das circunstâncias.
Também tenho produções
(no meu caso, literárias) em que venho
trabalhando há anos (não tanto, porém, como Wagner, em “Parsifal”), que sonho
concluir, se conseguir solucionar determinados problemas de sorte que o
resultado final seja exatamente o que originalmente imaginei. Isso acontece,
até com freqüência, com artistas que, mesmo sabendo que a perfeição é interdita
a nós, humanos, teimam em persegui-la sem cessar.
No caso de Wagner,
suponho que, à certa altura da vida, intuiu que seu fim se aproximava. Já
passara bastante dos setenta anos e sobrevivera a alguns ataques cardíacos, sem
que, no entanto, recuperasse a saúde. As correrias que haviam caracterizado sua
vida eram coisas do passado. Suas dívidas haviam sido, todas, liquidadas, pela
benevolência do rei Luís II. Seu sonho de construção de um teatro em que
pudesse apresentar, sem problemas, quando quisesse, suas produções, estava
concretizado, com a construção do complexo de Bayreuth. Seu casamento com
Cosima havia prosperado e nesse aspecto, no sentimental, as coisas corriam às
mil maravilhas.
E por que afirmo que
Wagner pressentiu a proximidade da morte? Porque, notadamente no ano de 1881,
trabalhou febrilmente, tanto no libreto, quanto na partitura, da ópera
“Parsifal”. Várias vezes chegou a desabafar com parentes e amigos que
dificilmente conseguiria concluir essa obra antes de morrer. Ainda assim, não desanimou e nem se deu por
vencido. Reuniu todas suas forças, todo o resto de energia que ainda tinha,
para não deixar essa peça inconclusa. Foi um desafio que impôs a ele mesmo.
Tanto que o retoque final de “Parsifal”, a orquestração, o compositor só conseguiu
concluir quando estava em Palermo, na Itália, se recuperando de mais um ataque
cardíaco.
Concluída a ópera,
porém, o sonho de Wagner ainda não estava concretizado por completo. Restava
montá-la, ensaiá-la e apresentá-la ao público, para aferir sua aceitação por
parte da crítica e dos espectadores. Isso exigiu mais esforços do envelhecido e
combalido compositor que, todavia, não se furtou de fazer. Seria irônico se,
depois de tudo o que passou, não pudesse ver a ópera no palco para conferir o
resultado da sua inspiração. Mas as circunstâncias não o privaram dessa
felicidade. Em 26 de julho de 1882, quase sete meses antes da sua morte,
ocorrida em 13 de fevereiro de 1883, em Veneza, “Parsifal” teve apresentação de
gala, que contou com a presença de seu autor, recebendo entusiástica
consagração do público e da crítica.
Wagner era um lutador,
no bom e no mau sentido. Não estava disposto a se entregar à morte, apesar da
idade avançada, não somente (mas principalmente) para os padrões da época,
quando a expectativa de vida mal passava dos sessenta anos, como até mesmo para
alguns casos de hoje, quando os avanços da medicina ampliaram muito os índices
de longevidade, mas que nem todos podem se beneficiar disso. Seu sogro, o não
menos genial Franz Lizst – com quem se reconciliou, após as relações terem
ficado abaladas por causa da forma com que se casou com Cosima, que inclusive
se converteu ao protestantismo, para desgosto do pai – praticamente pressentiu
que o fim do genro estava próximo.
Seria pressentimento ou
mera extrapolação lógica levando em conta o histórico médico do autor de
“Parsifal”? Sabe-se lá. Depende de interpretação. Tenório D’Albuquerque
menciona, por exemplo, em seu livro “Cem músicos imortais” (obra que recomendo
aos amantes de música clássica) um estranho fato, que pode ser interpretado
como uma espécie de premonição. No Natal de 1882, o pai de Cosima foi a Veneza
visitar a filha e Wagner. Na ocasião, um cometa estava de passagem nos céus da
Europa. Recorde-se que então a maioria das pessoas mundo afora interpretava
esse fenômeno cósmico, tão natural como presságio de desgraças (ainda há muitos
que pensam dessa maneira).
Lizst, então, estava
compondo a peça “São Estanislau”. Sem que pudesse explicar o motivo (conforme
admitiu mais tarde), o genial sogro de Wagner resolveu, subitamente,
interromper a obra em que estava trabalhando, para compor uma outra. Numa
espécie de compulsão, criou, em poucos dias, a elegia “Gõndola Fúnebre”.
Recorde-se que estava em Veneza. E que o genro e a filha moravam lá. A
composição foi concluída em meados de janeiro. Duas semanas depois, foi sob os
acordes dela que o corpo de Richard Wagner foi conduzido a Bayreuth, para sua
derradeira morada, onde dez anos antes ele havia construído o próprio túmulo,
que gostava de contemplar diariamente quando estava na cidade.
Foi premonição de Lizsr
ou mera coincidência? Como se pode saber?! Cada qual que interprete de acordo
com suas crenças, superstições ou convicções. Afinal, como havia afirmado
William Shakespeare (de cuja obra Wagner era admirador), séculos antes, pela
boca de um de seus personagens, na peça “Hamlet”: “Há mais coisas entre o céu e
a terra, Horácio, do que pode supor tua vã filosofia”. E não há?!
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