Fases recorrentes de
apogeu e decadência
Pedro
J. Bondaczuk
As primeiras óperas
tiveram, como principal característica, o rígido equilíbrio entre a música e o
texto cantado, que dava sentido ao enredo. A melodia era expressivamente
dramática, criando um clima de tensão, que ora amainava, ora se exacerbava, até
o desfecho final. Para haver essa unidade, o tema musical e a letra eram
compostos conjuntamente, um em função do outro. Nas composições iniciais, não
havia, pois, adaptações de libretos.
O grande nome do
período inicial do novo gênero, responsável direto por sua consagração, foi
Cláudio Monteverdi. Esse compositor conseguiu, com bastante perícia, reunir
todos os elementos que caracterizam uma ópera: recitativos, árias, coros, além
de expressiva orquestração. Suas composições mais marcantes foram “La favola
d’Orfeo” e “L’Incoronazzione di Poppea”. A primeira foi apresentada em 24 de
fevereiro de 1607 e seu libreto foi escrito por Antonio Striggio. A segunda,
estreada para uma grande platéia de seus já muitos apreciadores, foi levada ao
palco em 1642 (não consegui apurar a data exata) e teve uma característica que
a tornou marco na história do gênero. Tratou-se da primeira ópera em que o tema
abordado não foi de caráter mitológico, como havia ocorrido até então. O enredo
foi a dramatização de um fato histórico. O texto, ou seja, o libreto musicado
por Monteverdi, foi escrito por Francesco Bosenello. Narra como o imperador
romano Nero, caracterizado por ações no mínimo insanas, repudiou Otávia, para
poder casar com a amante, Popéia, à qual fez coroar como imperatriz.
Todavia, a ópera não
obteve unanimidade. Muitos consideravam-na, apenas, um “modismo”, como tantos
outros que surgiram e logo desapareceram. Estavam equivocados, claro. O gênero
teve sucessivas e profundas oscilações de aceitação, indo do apogeu e da
consagração à completa decadência, ao quase desaparecimento, para retornar de
novo, ser ameaçada outra vez, e assim sucessivamente.,
Em vários círculos
intelectuais, o novo gênero era encarado como “brincadeira” de mau gosto, se
não, como engodo. Afinal, não era nem música, em seu estado puro, e nem teatro,
nos padrões vigentes na época. Houve, até, quem ridicularizasse a ópera, como
foi o caso do irreverente filósofo francês, François Marie Arouet (que se
consagrou com o pseudônimo de Voltaire), que chegou a escrever a propósito: “O
que é imbecil demais para ser dito, está sendo cantado”.
De fato, ao longo da
segunda metade do século XVII, o novo gênero passou por um processo de profunda
decadência e tudo levava a crer que aqueles que o consideravam mero e
passageiro modismo estavam com a razão. O problema, porém, não estava na ópera
em si, na sua concepção teórica, no seu objetivo de unir música e teatro, mas
na má qualidade das composições. Muito compositor de contestável talento (para
não dizer medíocre) começou a compor esse tipo de peça. Ademais, vários
recorreram a adaptações de outros tipos de textos, nem sempre apropriados para
serem musicados, em vez de escreverem ou encomendarem libretos originais. E,
pior, boa parte deles versando sobre temas banais e sem interesse de ninguém.
Antes desse período –
em que tudo levava a crer que o gênero iria desaparecer simplesmente – havia
ocorrido o que alguns historiadores de arte classificaram como o “Primeiro
Apogeu”. Essa fase teve, principalmente, três grandes compositores, autores de
obras marcantes e de inegável valor artístico: Pietro Francesco Cavali, em
Veneza; Antonio Cesti, em Florença e Alessandro Scarlatti, em Nápoles.
A partir daí, a música,
que desde o surgimento da ópera sempre havia sido melodicamente rica,
harmônica, variada, polifônica, perdeu, subitamente, relevância. Passou a
servir, mais, como pano de fundo para ressaltar o aspecto dramático das peças,
papel mais ou menos parecido com o das trilhas sonoras do cinema. Essa
descaracterização, que ia contra, inclusive, o espírito original da ópera,
passou a espantar o público dos teatros, notadamente as pessoas de refinado
gosto musical. Houve um momento em que se pensou, até mesmo, que o novo gênero
estava extinto. Puro engano.
A ópera sobrevive há já
mais de quatro séculos por sua capacidade de renovação, quer temática, quer
musical. Em sua já longa história, oscilou bastante, como destaquei, com
períodos de apogeu e de decadência. Não tardou em se tornar o gênero preferido
dos maiores e mais geniais compositores da chamada “música clássica”, cada qual
trazendo para ela saudáveis e imprescindíveis sopros de renovação.
Em fins do século XVII,
havia a predominância das árias, em detrimento da ação dramática, sufocada por
artifícios cênicos. O visual passou a ser mais valorizado do que o auditivo,
bem de conformidade com o gosto barroco, superficial e incapaz de se aprofundar
nos sentimentos. A ópera, nesse período, não passava de mera “coleção de
árias”, em detrimento do conjunto, pecado por falta de harmonia. É verdade que,
num momento crítico, contou com a genialidade salvadora de um Georg Friedrich
Handel, com suas composições “Júlio César” (apresentada em 20 de fevereiro de
1724), “Rodelinda” (13 de fevereiro de 1725), e “Alcina” (16 de abril de 1735).
Contou, ainda, com o
talento de Jean-Phillipe Rameau, que legou, à posteridade, entre outras obras
do gênero, “Hippolyte et Arice” (1 de outubro de 1733) e “Castor e Polux” (24
de outubro de 1737). Foi quando começou a se processar saudável reforma de
conceitos. A primeira dessas mudanças veio, mais uma vez, da Península Itálica,
, com o que ficou conhecido como “ópera buffa” napolitana, com altíssimo nível
artístico. Seu pioneiro foi Giambattista Pergolesi, que estreou “La serva
patrona” em 28 de agosto de 1733.
O objetivo dessa
inovação foi tornar as peças encenadas menos insípidas e monótonas,
conferindo-lhes toques de humor. Foi o de desvincular a ópera da tragédia,
mediante renovador sopro de comédia. Esses enredos cômicos, dotados da
vivacidade característica dos italianos, foram compostos, inicialmente, para
serem encenados nos intervalos das “óperas sérias” (diria sisudas e
artificiosas), mas não tardou para que ganhassem espaço próprio. Tratarei a
esse propósito em ocasião oportuna. .
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