Wednesday, September 25, 2013

Fases recorrentes de apogeu e decadência

Pedro J. Bondaczuk

As primeiras óperas tiveram, como principal característica, o rígido equilíbrio entre a música e o texto cantado, que dava sentido ao enredo. A melodia era expressivamente dramática, criando um clima de tensão, que ora amainava, ora se exacerbava, até o desfecho final. Para haver essa unidade, o tema musical e a letra eram compostos conjuntamente, um em função do outro. Nas composições iniciais, não havia, pois, adaptações de libretos.

O grande nome do período inicial do novo gênero, responsável direto por sua consagração, foi Cláudio Monteverdi. Esse compositor conseguiu, com bastante perícia, reunir todos os elementos que caracterizam uma ópera: recitativos, árias, coros, além de expressiva orquestração. Suas composições mais marcantes foram “La favola d’Orfeo” e “L’Incoronazzione di Poppea”. A primeira foi apresentada em 24 de fevereiro de 1607 e seu libreto foi escrito por Antonio Striggio. A segunda, estreada para uma grande platéia de seus já muitos apreciadores, foi levada ao palco em 1642 (não consegui apurar a data exata) e teve uma característica que a tornou marco na história do gênero. Tratou-se da primeira ópera em que o tema abordado não foi de caráter mitológico, como havia ocorrido até então. O enredo foi a dramatização de um fato histórico. O texto, ou seja, o libreto musicado por Monteverdi, foi escrito por Francesco Bosenello. Narra como o imperador romano Nero, caracterizado por ações no mínimo insanas, repudiou Otávia, para poder casar com a amante, Popéia, à qual fez coroar como imperatriz.

Todavia, a ópera não obteve unanimidade. Muitos consideravam-na, apenas, um “modismo”, como tantos outros que surgiram e logo desapareceram. Estavam equivocados, claro. O gênero teve sucessivas e profundas oscilações de aceitação, indo do apogeu e da consagração à completa decadência, ao quase desaparecimento, para retornar de novo, ser ameaçada outra vez, e assim sucessivamente.,

Em vários círculos intelectuais, o novo gênero era encarado como “brincadeira” de mau gosto, se não, como engodo. Afinal, não era nem música, em seu estado puro, e nem teatro, nos padrões vigentes na época. Houve, até, quem ridicularizasse a ópera, como foi o caso do irreverente filósofo francês, François Marie Arouet (que se consagrou com o pseudônimo de Voltaire), que chegou a escrever a propósito: “O que é imbecil demais para ser dito, está sendo cantado”.

De fato, ao longo da segunda metade do século XVII, o novo gênero passou por um processo de profunda decadência e tudo levava a crer que aqueles que o consideravam mero e passageiro modismo estavam com a razão. O problema, porém, não estava na ópera em si, na sua concepção teórica, no seu objetivo de unir música e teatro, mas na má qualidade das composições. Muito compositor de contestável talento (para não dizer medíocre) começou a compor esse tipo de peça. Ademais, vários recorreram a adaptações de outros tipos de textos, nem sempre apropriados para serem musicados, em vez de escreverem ou encomendarem libretos originais. E, pior, boa parte deles versando sobre temas banais e sem interesse de ninguém.

Antes desse período – em que tudo levava a crer que o gênero iria desaparecer simplesmente – havia ocorrido o que alguns historiadores de arte classificaram como o “Primeiro Apogeu”. Essa fase teve, principalmente, três grandes compositores, autores de obras marcantes e de inegável valor artístico: Pietro Francesco Cavali, em Veneza; Antonio Cesti, em Florença e Alessandro Scarlatti, em Nápoles.

A partir daí, a música, que desde o surgimento da ópera sempre havia sido melodicamente rica, harmônica, variada, polifônica, perdeu, subitamente, relevância. Passou a servir, mais, como pano de fundo para ressaltar o aspecto dramático das peças, papel mais ou menos parecido com o das trilhas sonoras do cinema. Essa descaracterização, que ia contra, inclusive, o espírito original da ópera, passou a espantar o público dos teatros, notadamente as pessoas de refinado gosto musical. Houve um momento em que se pensou, até mesmo, que o novo gênero estava extinto. Puro engano.

A ópera sobrevive há já mais de quatro séculos por sua capacidade de renovação, quer temática, quer musical. Em sua já longa história, oscilou bastante, como destaquei, com períodos de apogeu e de decadência. Não tardou em se tornar o gênero preferido dos maiores e mais geniais compositores da chamada “música clássica”, cada qual trazendo para ela saudáveis e imprescindíveis sopros de renovação.

Em fins do século XVII, havia a predominância das árias, em detrimento da ação dramática, sufocada por artifícios cênicos. O visual passou a ser mais valorizado do que o auditivo, bem de conformidade com o gosto barroco, superficial e incapaz de se aprofundar nos sentimentos. A ópera, nesse período, não passava de mera “coleção de árias”, em detrimento do conjunto, pecado por falta de harmonia. É verdade que, num momento crítico, contou com a genialidade salvadora de um Georg Friedrich Handel, com suas composições “Júlio César” (apresentada em 20 de fevereiro de 1724), “Rodelinda” (13 de fevereiro de 1725), e “Alcina” (16 de abril de 1735).

Contou, ainda, com o talento de Jean-Phillipe Rameau, que legou, à posteridade, entre outras obras do gênero, “Hippolyte et Arice” (1 de outubro de 1733) e “Castor e Polux” (24 de outubro de 1737). Foi quando começou a se processar saudável reforma de conceitos. A primeira dessas mudanças veio, mais uma vez, da Península Itálica, , com o que ficou conhecido como “ópera buffa” napolitana, com altíssimo nível artístico. Seu pioneiro foi Giambattista Pergolesi, que estreou “La serva patrona” em 28 de agosto de 1733.

O objetivo dessa inovação foi tornar as peças encenadas menos insípidas e monótonas, conferindo-lhes toques de humor. Foi o de desvincular a ópera da tragédia, mediante renovador sopro de comédia. Esses enredos cômicos, dotados da vivacidade característica dos italianos, foram compostos, inicialmente, para serem encenados nos intervalos das “óperas sérias” (diria sisudas e artificiosas), mas não tardou para que ganhassem espaço próprio. Tratarei a esse propósito em ocasião oportuna. .



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