Friday, September 20, 2013

Onde todos gritam e ninguém tem razão


Pedro J. Bondaczuk


O pronunciamento feito pelo secretário de Estado dos EUA, George Shultz, ontem, a 25 embaixadores da América Latina, em Washington, durante as festividades comemorativas dos 209 anos de independência norte-americana, soa como um solene compromisso. E como uma tênue luz de esperança num quadro econômico-social bastante sombrio, quase à beira da autêntica ruptura.

Basta acompanhar as ocorrências registradas no Uruguai, na Argentina, no peru, na Bolívia, no Panamá, na Colômbia e na República Dominicana, apenas para mencionar os confrontos trabalhistas mais sérios, para perceber que a situação já não comporta mais medidas paliativas.

Greves sucedem-se, quase que diariamente, criando um clima tenso entre as diversas partes que têm seus interesses em conflito. Ocupações de fábricas, de bancos e de repartições governamentais registram-se com uma freqüência assustadoramente maior de uns dias para cá.

A resistência das frágeis economias latino-americanas parece estar chegando ao seu ponto crítico, assim como a  paciência da população, diante da enorme sangria de recursos, que se evadem do continente apenas a título de juros e de comissões aos bancos credores internacionais. É um moderno e perverso sistema de pagamento de “vassalagem”.

No esquema em que a questão está colocada atualmente, com o FMI exigindo sacrifícios crescentes de sociedades nacionais que mal ensaiam os primeiros passos da redemocratização, sem que se preveja qualquer prazo para os resultados benéficos aparecerem e se poder falar em quando virá um providencial afrouxamento dos cintos, a América Latina pode ser classificada como uma gigantesca panela, com excesso de pressão, prestes a explodir. E uma convulsão social, todos sabem, não trará benefícios de quaisquer espécies para os povos latino-americanos. Somente poderá redundar em novos e desesperadores sofrimentos.

No discurso de ontem, o secretário de Estado norte-americano, George Shultz, expressou um solene compromisso. O de que o governo de seu país irá conduzir de maneira “efetiva e eqüitativa” a questão da dívida externa. Certamente ele não quis se referir à maneira como a questão está posta atualmente. Como, por exemplo, a sangria de preciosos dólares (indispensáveis para financiar não mais um crescimento econômico, que por muito tempo não passará de utopia, mas uma lenta e segura recuperação) da ordem de US$ 36 bilhões, como foi registrado em 1984.

Isso equivale a dizer que a América Latina devolveu, em juros e comissões, apenas num único ano, 10% do total de uma dívida acumulada ao longo de um século. E, o que é pior, não resgatou sequer um único centavo do próprio débito.

Essa, certamente, não é uma maneira “eqüitativa” da condução do problema da dívida. Nem é precisão ser um economista para verificar que se trata de um enorme logro, de um monumental golpe contra os bolsos dos incautos e desprotegidos habitantes ao Sul do Rio Grande.

Shultz afirmou que a democracia pode ajudar no processo de recuperação econômica latino-americana. Entretanto, caso ela não tivesse sido abruptamente interrompida na década de 60, é possível que nem mesmo precisássemos estar preocupados, hoje, em nos reerguer.

Uma sociedade livre e sadia, certamente, impediria determinadas aventuras feitas nas últimas duas décadas, que redundaram na atual catástrofe. Como certos endividamentos, feitos sem qualquer consulta aos que hoje os têm de pagar. Ou a aceitação de condições leoninas de juros, sempre em favor da entidade credora. E outras tantas mazelas, do farto conhecimento de todos.

Mas as incipientes novas democracias latinas dependem muito de qual será o quadro sócio-econômico doravante. Situações como as existentes no Uruguai, na Argentina, no Brasil, no Peru e principalmente na Bolívia, podem desembocar, facilmente, em atitudes irresponsáveis e desesperadas de confronto. E, por conseqüência, redundar no fim do sonho de liberdade dos seus povos. Afinal, nenhum fato jamais desmentiu o adágio popular que diz que “em casa que falta o pão, todos gritam, e ninguém tem razão...”.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 5 de julho de 1985).



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