Onde todos gritam e ninguém tem razão
Pedro J. Bondaczuk
O pronunciamento feito pelo secretário de Estado dos EUA,
George Shultz, ontem, a 25 embaixadores da América Latina, em Washington,
durante as festividades comemorativas dos 209 anos de independência
norte-americana, soa como um solene compromisso. E como uma tênue luz de
esperança num quadro econômico-social bastante sombrio, quase à beira da
autêntica ruptura.
Basta acompanhar as ocorrências
registradas no Uruguai, na Argentina, no peru, na Bolívia, no Panamá, na
Colômbia e na República Dominicana, apenas para mencionar os confrontos
trabalhistas mais sérios, para perceber que a situação já não comporta mais
medidas paliativas.
Greves sucedem-se, quase que
diariamente, criando um clima tenso entre as diversas partes que têm seus
interesses em conflito. Ocupações de fábricas, de bancos e de repartições
governamentais registram-se com uma freqüência assustadoramente maior de uns
dias para cá.
A resistência das frágeis
economias latino-americanas parece estar chegando ao seu ponto crítico, assim
como a paciência da população, diante da
enorme sangria de recursos, que se evadem do continente apenas a título de
juros e de comissões aos bancos credores internacionais. É um moderno e
perverso sistema de pagamento de “vassalagem”.
No esquema em que a questão está
colocada atualmente, com o FMI exigindo sacrifícios crescentes de sociedades
nacionais que mal ensaiam os primeiros passos da redemocratização, sem que se
preveja qualquer prazo para os resultados benéficos aparecerem e se poder falar
em quando virá um providencial afrouxamento dos cintos, a América Latina pode
ser classificada como uma gigantesca panela, com excesso de pressão, prestes a
explodir. E uma convulsão social, todos sabem, não trará benefícios de
quaisquer espécies para os povos latino-americanos. Somente poderá redundar em
novos e desesperadores sofrimentos.
No discurso de ontem, o
secretário de Estado norte-americano, George Shultz, expressou um solene
compromisso. O de que o governo de seu país irá conduzir de maneira “efetiva e
eqüitativa” a questão da dívida externa. Certamente ele não quis se referir à
maneira como a questão está posta atualmente. Como, por exemplo, a sangria de
preciosos dólares (indispensáveis para financiar não mais um crescimento
econômico, que por muito tempo não passará de utopia, mas uma lenta e segura
recuperação) da ordem de US$ 36 bilhões, como foi registrado em 1984.
Isso equivale a dizer que a
América Latina devolveu, em juros e comissões, apenas num único ano, 10% do
total de uma dívida acumulada ao longo de um século. E, o que é pior, não
resgatou sequer um único centavo do próprio débito.
Essa, certamente, não é uma
maneira “eqüitativa” da condução do problema da dívida. Nem é precisão ser um
economista para verificar que se trata de um enorme logro, de um monumental
golpe contra os bolsos dos incautos e desprotegidos habitantes ao Sul do Rio
Grande.
Shultz afirmou que a democracia
pode ajudar no processo de recuperação econômica latino-americana. Entretanto,
caso ela não tivesse sido abruptamente interrompida na década de 60, é possível
que nem mesmo precisássemos estar preocupados, hoje, em nos reerguer.
Uma sociedade livre e sadia,
certamente, impediria determinadas aventuras feitas nas últimas duas décadas,
que redundaram na atual catástrofe. Como certos endividamentos, feitos sem
qualquer consulta aos que hoje os têm de pagar. Ou a aceitação de condições
leoninas de juros, sempre em favor da entidade credora. E outras tantas
mazelas, do farto conhecimento de todos.
Mas as incipientes novas
democracias latinas dependem muito de qual será o quadro sócio-econômico
doravante. Situações como as existentes no Uruguai, na Argentina, no Brasil, no
Peru e principalmente na Bolívia, podem desembocar, facilmente, em atitudes
irresponsáveis e desesperadas de confronto. E, por conseqüência, redundar no
fim do sonho de liberdade dos seus povos. Afinal, nenhum fato jamais desmentiu
o adágio popular que diz que “em casa que falta o pão, todos gritam, e ninguém
tem razão...”.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 5 de
julho de 1985).
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