Friday, September 13, 2013

O atoleiro soviético

Pedro J. Bondaczuk

A invasão soviética ao Afeganistão completa, nesta semana, mais especificamente na sexta-feira, seis anos. Na oportunidade em que as tropas russas atravessaram suas fronteiras e, numa brilhante operação militar levada a efeito em 27 de dezembro de 1979, deixaram os nacionalistas afegãos completamente sem defesa, o mundo todo tremeu.

A perspectiva da deflagração de uma Terceira Guerra Mundial, inclusive nuclear, esteve bem presente. O Ocidente passou semanas especulando sobre as intenções russas, como que paralisado, antevendo alguma aventura desastrosa do então já decrépito líder Leonid Brezhnev, possivelmente à busca de uma saída para os chamados mares quentes do sul, ou seja, o Oceano Índico.

Alguns analistas na ocasião aventuraram-se a prognosticar que o Afeganistão, dadas as suas características culturais e religiosas, estava destinado a se tornar o Vietnã da União Soviética. Ou seja, um imenso atoleiro, onde milhares de vidas seriam perdidas e centenas de milhões, quiçá alguns bilhões de dólares seriam desperdiçados.

A princípio, a rapidez da manobra russa e a eficiência com que pontos estratégicos desse montanhoso país foram ocupados, fizeram com que a convicção de alguns observadores, a propósito de uma interminável guerra de desgaste, balançasse um pouco.

Os principais líderes muçulmanos afegãos, contudo, contando com enorme ajuda ocidental, aos poucos equilibraram a desvantagem inicial. E hoje a União Soviética, sob o comando de um líder com visão muito mais objetiva do que as múmias que a comandaram nas últimas três décadas, deseja sair dessa autêntica areia movediça e não sabe como. Enfrenta o mesmo dilema dos norte-americanos em 1975, em relação ao Vietnã.

A saída dos Estados Unidos, da forma como ela aconteceu, do Sudoeste Asiático, causou um trauma que por muitos anos marcou a população do país. Apenas Ronald Reagan conseguiu devolver ao seu povo um pouco do orgulho perdido naquela desastrosa e humilhante aventura. Por isso ele é imbatível nas urnas e tão popular.

O que a liderança do Cremlin quer, nesse momento, é evitar algo parecido. Até porque a mentalidade do povo soviético é muito diferente da do norte-americano. Além disso, a simples saída do Afeganistão, sem que o principal motivo da invasão haja cessado, ou seja, o risco desse país paupérrimo e atrasado cair em mãos de muçulmanos radicais, que assim ameaçariam seriamente a própria estabilidade da maioria das Repúblicas asiáticas soviéticas, seria ainda mais desastrosa, interna e externamente.

Embora 90% da população afegã seja da seita sunita, os 9% de xiitas, que têm no aiatolá Khomeini do Irã uma espécie de reencarnação do próprio Maomé, são extremamente ativos. Os combatentes das guerrilhas mais perigosos e tenazes pertencem a essa facção religiosa, muito difundida, também, em pleno território da União Soviética.

O Cremlin, certamente, está pouco ligando para o Afeganistão em si, como país. O que preocupa é a possibilidade dessa “infecção” espalhar-se para o seu próprio organismo nacional, desfazendo uma estrutura que, bem ou mal, vem persistindo há 68 anos, desde a Revolução de 1917.

Outro aspecto que as autoridades soviéticas têm levado em consideração é o da defesa. A ocupação do território afegão pelas suas tropas, embora onerosa e desgastante, impede que seus adversários, principalmente os Estados Unidos, instalem na região bases capazes de colocar em risco a segurança territorial russa.

Se o Afeganistão sair da esfera de Moscou, à qual foi ligado quase que compulsoriamente, a tendência seria ele passar para o lado exatamente oposto. Por essa razão, Mikhail Gorbachev propôs a Ronald Reagan, em Genebra, a neutralização política desse país, sob estrita supervisão internacional.

Pelo menos a curto prazo, esta nos parece a única solução praticável, capaz de pôr um ponto final numa das páginas mais deprimentes da história contemporânea.

(Artigo publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 25 de dezembro de 1985).


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