O atoleiro soviético
Pedro J. Bondaczuk
A
invasão soviética ao Afeganistão completa, nesta semana, mais especificamente
na sexta-feira, seis anos. Na oportunidade em que as tropas russas atravessaram
suas fronteiras e, numa brilhante operação militar levada a efeito em 27 de
dezembro de 1979, deixaram os nacionalistas afegãos completamente sem defesa, o
mundo todo tremeu.
A perspectiva da deflagração de uma Terceira Guerra
Mundial, inclusive nuclear, esteve bem presente. O Ocidente passou semanas
especulando sobre as intenções russas, como que paralisado, antevendo alguma
aventura desastrosa do então já decrépito líder Leonid Brezhnev, possivelmente
à busca de uma saída para os chamados mares quentes do sul, ou seja, o Oceano
Índico.
Alguns analistas na ocasião aventuraram-se a
prognosticar que o Afeganistão, dadas as suas características culturais e
religiosas, estava destinado a se tornar o Vietnã da União Soviética. Ou seja,
um imenso atoleiro, onde milhares de vidas seriam perdidas e centenas de milhões,
quiçá alguns bilhões de dólares seriam desperdiçados.
A princípio, a rapidez da manobra russa e a
eficiência com que pontos estratégicos desse montanhoso país foram ocupados,
fizeram com que a convicção de alguns observadores, a propósito de uma interminável
guerra de desgaste, balançasse um pouco.
Os principais líderes muçulmanos afegãos, contudo,
contando com enorme ajuda ocidental, aos poucos equilibraram a desvantagem
inicial. E hoje a União Soviética, sob o comando de um líder com visão muito
mais objetiva do que as múmias que a comandaram nas últimas três décadas,
deseja sair dessa autêntica areia movediça e não sabe como. Enfrenta o mesmo
dilema dos norte-americanos em 1975, em relação ao Vietnã.
A saída dos Estados Unidos, da forma como ela aconteceu,
do Sudoeste Asiático, causou um trauma que por muitos anos marcou a população
do país. Apenas Ronald Reagan conseguiu devolver ao seu povo um pouco do
orgulho perdido naquela desastrosa e humilhante aventura. Por isso ele é
imbatível nas urnas e tão popular.
O que a liderança do Cremlin quer, nesse momento, é
evitar algo parecido. Até porque a mentalidade do povo soviético é muito
diferente da do norte-americano. Além disso, a simples saída do Afeganistão,
sem que o principal motivo da invasão haja cessado, ou seja, o risco desse país
paupérrimo e atrasado cair em mãos de muçulmanos radicais, que assim ameaçariam
seriamente a própria estabilidade da maioria das Repúblicas asiáticas
soviéticas, seria ainda mais desastrosa, interna e externamente.
Embora 90% da população afegã seja da seita sunita,
os 9% de xiitas, que têm no aiatolá Khomeini do Irã uma espécie de reencarnação
do próprio Maomé, são extremamente ativos. Os combatentes das guerrilhas mais
perigosos e tenazes pertencem a essa facção religiosa, muito difundida, também,
em pleno território da União Soviética.
O Cremlin, certamente, está pouco ligando para o
Afeganistão em si, como país. O que preocupa é a possibilidade dessa “infecção”
espalhar-se para o seu próprio organismo nacional, desfazendo uma estrutura
que, bem ou mal, vem persistindo há 68 anos, desde a Revolução de 1917.
Outro aspecto que as autoridades soviéticas têm
levado em consideração é o da defesa. A ocupação do território afegão pelas
suas tropas, embora onerosa e desgastante, impede que seus adversários,
principalmente os Estados Unidos, instalem na região bases capazes de colocar
em risco a segurança territorial russa.
Se o Afeganistão sair da esfera de Moscou, à qual
foi ligado quase que compulsoriamente, a tendência seria ele passar para o lado
exatamente oposto. Por essa razão, Mikhail Gorbachev propôs a Ronald Reagan, em
Genebra, a neutralização política desse país, sob estrita supervisão
internacional.
Pelo menos a curto prazo, esta nos parece a única
solução praticável, capaz de pôr um ponto final numa das páginas mais
deprimentes da história contemporânea.
(Artigo publicado na página 8, Internacional, do
Correio Popular, em 25 de dezembro de 1985).
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