Monday, September 30, 2013

Resultado feliz de uma angústia contínua

Pedro J. Bondaczuk

A ação é a forma prática (e única) de concretizar sonhos, planos e idealizações, que não se materializam por si sós, como num passe de mágica. Isso me parece para lá de óbvio, embora, na prática, muitos pareçam não acreditar. Fiam-se, por exemplo, na “vocação” para serem bem sucedidos no que lhes pareça sua aptidão natural. Esta é importante, sem dúvida, desde que, todavia, aprimorada, aperfeiçoada e, sobretudo, posta em exercício. Se eu for vocacionado para determinada atividade, mas não desenvolver essa tendência inata, ela será absolutamente inócua. Não tardará a estiolar, murchar e, se não desaparecer, permanecerá apenas latente, sem resultar em coisa alguma.

Fala-se, amiúde, em talento. Este, todavia, para gerar resultados, por mínimos que sejam, a exemplo da vocação (há quem ache essas duas condições sinônimas, embora não sejam), tem que ser exercido. E não aleatoriamente, sem regras, rumo ou direção. Tem que ter destino definido. Para isso, no entanto, precisa ser burilado, consolidado, direcionado corretamente e... só então posto em prática. Caso contrário, não irá gerar nada de prático. É necessário que exercitemos vocação e talento, se os tivermos, o que exigirá de nós esforço, dedicação, aplicação e muita e rigorosa autodisciplina. E, mesmo assim, não há qualquer certeza de que seremos bem sucedidos. Nunca há! Mas, sem esses fatores, o fracasso é certo, ou, apelando para o superlativo, é certíssimo.

O trabalho – seja de caráter material ou intelectual –   sem objetivo definido e factível, sem método, conhecimento, constância e persistência se transforma em esforço inútil e frustrante, em mero desperdício de energia e de tempo. Não nos leva a lugar algum, se não à exaustão e ao fim e ao cabo, à frustração. A dobradinha perfeita para as pequenas e grandes realizações é idealizar, depois planejar e se organizar da melhor maneira possível,  mas depois “agir”. É a única forma racional para trazer a idealização para o terreno concreto, que não seja o de mero sonho. A idealização, sem a ação, mês,o cumprindo todos os requisitos que citei, perde qualquer sentido.

O jornalista e pastor norte-americano Frank Crane observa, a propósito, que “o aperfeiçoamento moral nasce de uma união harmoniosa entre o trabalho prático e a cultura do ideal”. Isso exige de nós, porém, estudo, preparo, persistência e muita autodisciplina, sobretudo no sentido de pôr em prática o que nos leve a esse estado de melhoria, de evolução, de progresso espiritual (que tende a redundar em benefícios materiais).

Poucas atividades exigem tanto de nós quanto a de escritor. E há menos ainda que proporcionem menores resultados práticos (e isso quando produz algum) do que a dedicação integral à literatura. Podemos ter êxito nas letras sem contarmos com vocação? Entendo que sim, embora o caminho seja muito mais árduo. É possível obter sucesso nessa atividade sem que tenhamos talento para tal? Minha resposta é igualmente positiva. Mas jamais chegaremos a algum lugar se não formos determinados, observadores, disciplinados, aplicados ao estudo e à pesquisa e, principalmente, se não agirmos, se não nos exercitarmos, se não escrevermos continua e exaustivamente, com método, organização e persistência e sem esperarmos resultados imediatos, que dificilmente virão. Talvez nem venham em momento algum. É um risco de que devemos estar conscientes o tempo todo.  .

Rara é a atividade que exige tanto de nós como a literatura. Ela não depende, apenas, da técnica, da disciplina, do conhecimento, da observação etc.etc.etc. Temos que empenhar, nela, não somente raciocínio, mas, principalmente, nossas mais profundas emoções. Não podemos ter nenhum pudor em nos desnudar, espiritualmente, diante do público, se objetivarmos obter credibilidade e emprestar um mínimo de verossimilhança aos nossos textos.

Afinal, o que vem a ser, em última análise, a atividade literária? Do que se alimenta? Basicamente, seu arcabouço temático é formado por mitos, intrigas e metáforas, transformados em enredos e em lições positivas e/ou negativas elaboradas pela imaginação, como observou, em certa ocasião, o filósofo e escritor francês, Paul Ricoeur. Aquilo que mais nos dói, o que mais nos incomoda e machuca, o que nos causa revolta e não raro asco, e que gostaríamos de sequer pensar, é justamente, se formos competentes e preparados em manipular essa incômoda “matéria-prima”, o que gera os melhores textos e, por conseqüência, livros com potencial de se tornarem best-sellers. Para Ricoeur, são esses ingredientes, “tecidos” pela imaginação, que dão “forma à experiência humana”.    

O escritor tem que ser forte, pelo menos do ponto de vista psicológico. Em vez de fugir da angústia, tem que cultivá-la o tempo todo e, principalmente, tornar suas as angústias alheias. Compete-lhe entender e relatar os mistérios da alma, contando, para isso, como parâmetro de aferição, com o que se passa na sua. Tem que pesquisar e entender as paixões que movem este estranho animal, com capacidade de entender o que o cerca e de comunicar esse entendimento a terceiros, que é o homem. Se quiser ter alguma chance de sucesso, tem que tentar compreender e lidar com todas paixões, das mais degradantes às mais sublimes.

Não posso deixar de concordar, pois, com o poeta Carlos Drummond de Andrade quando observou, com rara sensibilidade, que a “obra de arte é o resultado feliz de uma angústia contínua”. E a Literatura, afinal, é uma forma de arte, das mais refinadas e complexas e, ademais, das menos compensadoras.


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