Craque que teria
rivalizado com Pelé
Pedro
J. Bondaczuk
A trajetória de
Leônidas da Silva no Estado de São Paulo – onde atuou, por nove anos
consecutivos, e em um único clube, o atual tricolor do Morumbi, que na época
era o “tricolor do Canindé” – foi absolutamente vitoriosa. Com a camisa
sãopaulina conquistou cinco campeonatos paulistas, ou seja, mais de 50% das
competições estaduais que disputou. Valeu plenamente, portanto, em cada centavo
despendido, o investimento feito na época, na sua contratação, considerado uma
fábula naqueles primeiros anos da década de 40 do século XX, mas que hoje se
pode dizer que se tratou de quantia irrisória.
O São Paulo
desembolsou, e isso em 1942, a “fortuna” de 200 contos de réis. A imprensa,
tanto a paulista quanto a carioca, destacou essa transação, até então inédita,
em manchetes. Torcedores dos mais variados times e cronistas esportivos do eixo
Rio-São Paulo, comentavam, estarrecidos e incrédulos: “Onde o futebol vai
parar?! Imaginem investir tanto dinheiro em um jogador de futebol?! É uma
loucura!!!”. Tudo indicava que, no mínimo, era uma ousadia do São Paulo gastar
tanto. Com esse dinheiro, o clube poderia montar um time inteiro, de boa
qualidade, inclusive com reservas. Contudo, Leônidas, pelo que mostrou nos
gramados, valeu, reitero, cada centavo investido nele.
A quantia paga pelo
tricolor, convertida para valores de hoje, tendo por base o salário-mínimo de
1942, equivaleria a algo em torno de R$ 560 mil. Uma mixaria se comparada ao
tanto que o São Paulo gastou recentemente para levar para o Morumbi o meia do
Santos Futebol Clube, Paulo Henrique Ganso, que foi de, no mínimo, 40 vezes o
que pagou por Leônidas. Foi, portanto, uma pechincha, embora na época fosse
considerada loucura.
Ocorre que o “Diamante
Negro” estava no auge da carreira. Com 29 anos de idade, esbanjava talento e
vitalidade. Era um astro consagrado, considerado mito, e não somente pelos seus
feitos na Seleção Brasileira – entre os quais o de artilheiro da Copa de Mundo
de 1938 e de craque, eleito pela Fifa, desse Mundial, disputado na França – mas
pelos cinco títulos que tinha conquistado no Rio de Janeiro, por três clubes
diferentes: Vasco da Gama, Botafogo e Flamengo.
Os torcedores mais
antigos, que tiveram o privilégio de vê-lo jogar, asseguram que Leônidas da
Silva, se não foi melhor do que Pelé, não ficou nada a dever ao rei do futebol.
Essa opinião foi compartilhada, inclusive, por companheiros de profissão, que
foram seus adversários, como é o caso, por exemplo, do legendário goleiro do
Palmeiras, Oberdan Catani, entre outros. Se foi ou não é impossível de provar.
Não havia televisão na época. O São Paulo, portanto, ao contratá-lo, não
adquiriu um atleta em final de carreira. Muito pelo contrário! Trouxe um astro
em pleno brilho, no auge da forma, física e técnica.
O pitoresco é que a
contratação de Leônidas da Silva se deu
alguns dias depois dele haver deixado a prisão. Isso mesmo! Ele passou por essa
terrível experiência, permanecendo preso, por oito meses, acusado de haver
falsificado certificado de reservista, para não ser convocado para o Exército.
Recorde-se que, na época, o Brasil vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas e o
mundo fervia em decorrência da Segunda Guerra Mundial, que estava,
praticamente, na metade. Esse episódio, todavia, na minha concepção, não mancha
sua brilhante biografia, embora seja forçoso citá-lo.
Para se ter uma idéia
da euforia que sua contratação provocou na torcida tricolor, basta dizer que,
quando de sua chegada a São Paulo, uma multidão, estimada em mais de dez mil
pessoas – testemunhas do fato garantem que foram muitos mais – foram
recepcioná-lo na Estação da Luz. Sua estréia com a camisa do novo clube foi
mais entusiástica ainda. Foi um delírio! Atraiu um público de mais de 70 mil
espectadores ao Pacaembu – número até hoje jamais igualado e muito menos
superado – em um jogo contra o Corinthians, que terminaria empatado, por 3 a 3.
No ano seguinte, o São Paulo, tendo esse fenômeno no comando do ataque, ou
seja, em 1943, foi campeão paulista, título que se repetiria no bicampeonato de
1945-1946 e num outro bi, o de 1947/1949.
E qual foi a
participação de Leônidas nessas conquistas? Foi imensa! O ídolo marcou, com a
camisa tricolor, 144 gols em 211 jogos. Ou seja, foi às redes adversárias,
praticamente, partida sim e partida não. Encerrou a carreira aos 38 anos,
quando ainda tinha lenha para queimar. Até hoje a torcida não se conforma com o
fato de Leônidas da Silva não ter sido convocado para a Seleção Brasileira,
para a Copa de 1950, disputada no Brasil. Apesar da idade, estava jogando o
fino da bola. Anos depois, o técnico Flávio Costa reconheceu que foi um erro a
não convocação do artilheiro sãopaulino. É possível que, com a sua presença,
teríamos conquistado aquele Mundial. Será? Nunca se saberá!
Mas Leônidas, ao
pendurar as chuteiras, não deixou, pelo menos de imediato, os gramados. Dirigiu
o tricolor paulista, como técnico, em 73 jogos. E só não permaneceu no cargo em
virtude do seu temperamento explosivo. Dizem, as más línguas, que tinha “pavio
curto” e não perdoava a “grossura” de qualquer dos seus pupilos. Com alguns
“cabeças de bagre” é duro, mesmo, manter a calma, vocês não acham? Eu não
manteria.
Entre os gols mais
lembrados de Leônidas da Silva, os torcedores sãopaulinos lembram,
particularmente, de dois, ambos de bicicleta. O primeiro foi marcado em 14 de junho
de 1942, na derrota do time para o Palestra Itália (atual Palmeiras) por 2 a 1.
Mas é do segundo que a torcida tricolor lembra com maior saudade. Foi anotado
em 13 de novembro de 1948, na goleada sãopaulina (diria, massacre), sobre o
Juventus, o tradicional Moleque Travesso da Mooca (que tinha esse apelido por
sempre causar problemas aos grandes paulistanos) por 8 a 0. O jogo ocorreu no
Pacaembu e o gol antológico (o terceiro) foi marcado aos cinco minutos do
segundo tempo. Leônidas recebeu a bola de costas para o goleiro Muniz. Este se
adiantou e acabou levando a tal bicicleta, que fez a multidão delirar. Pudera!
Pena que não havia televisão na época, para registrar aquela pintura de lance,
aquela “obra de arte”.
Por tudo o que fez, nos
nove anos que permaneceu no São Paulo, Leônidas da Silva é, ainda hoje, passado
tanto tempo, com toda a justiça, um dos maiores e mais reverenciados ídolos de
todos os tempos do clube, se não o maior. E olhem que por lá passaram craques
dos mais renomados, inclusive vários campeões do mundo. Ele foi perpetuado, no
museu do Tricolor, com uma réplica do lance que o caracterizou e consagrou ao
longo da carreira: uma bicicleta. Nada mais justo, concordam? Justíssimo, diria
eu, para não fugir à regra de usar um superlativo.
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