Wednesday, September 11, 2013

Craque que teria rivalizado com Pelé

Pedro J. Bondaczuk

A trajetória de Leônidas da Silva no Estado de São Paulo – onde atuou, por nove anos consecutivos, e em um único clube, o atual tricolor do Morumbi, que na época era o “tricolor do Canindé” – foi absolutamente vitoriosa. Com a camisa sãopaulina conquistou cinco campeonatos paulistas, ou seja, mais de 50% das competições estaduais que disputou. Valeu plenamente, portanto, em cada centavo despendido, o investimento feito na época, na sua contratação, considerado uma fábula naqueles primeiros anos da década de 40 do século XX, mas que hoje se pode dizer que se tratou de quantia irrisória.

O São Paulo desembolsou, e isso em 1942, a “fortuna” de 200 contos de réis. A imprensa, tanto a paulista quanto a carioca, destacou essa transação, até então inédita, em manchetes. Torcedores dos mais variados times e cronistas esportivos do eixo Rio-São Paulo, comentavam, estarrecidos e incrédulos: “Onde o futebol vai parar?! Imaginem investir tanto dinheiro em um jogador de futebol?! É uma loucura!!!”. Tudo indicava que, no mínimo, era uma ousadia do São Paulo gastar tanto. Com esse dinheiro, o clube poderia montar um time inteiro, de boa qualidade, inclusive com reservas. Contudo, Leônidas, pelo que mostrou nos gramados, valeu, reitero, cada centavo investido nele.

A quantia paga pelo tricolor, convertida para valores de hoje, tendo por base o salário-mínimo de 1942, equivaleria a algo em torno de R$ 560 mil. Uma mixaria se comparada ao tanto que o São Paulo gastou recentemente para levar para o Morumbi o meia do Santos Futebol Clube, Paulo Henrique Ganso, que foi de, no mínimo, 40 vezes o que pagou por Leônidas. Foi, portanto, uma pechincha, embora na época fosse considerada loucura.

Ocorre que o “Diamante Negro” estava no auge da carreira. Com 29 anos de idade, esbanjava talento e vitalidade. Era um astro consagrado, considerado mito, e não somente pelos seus feitos na Seleção Brasileira – entre os quais o de artilheiro da Copa de Mundo de 1938 e de craque, eleito pela Fifa, desse Mundial, disputado na França – mas pelos cinco títulos que tinha conquistado no Rio de Janeiro, por três clubes diferentes: Vasco da Gama, Botafogo e Flamengo.

Os torcedores mais antigos, que tiveram o privilégio de vê-lo jogar, asseguram que Leônidas da Silva, se não foi melhor do que Pelé, não ficou nada a dever ao rei do futebol. Essa opinião foi compartilhada, inclusive, por companheiros de profissão, que foram seus adversários, como é o caso, por exemplo, do legendário goleiro do Palmeiras, Oberdan Catani, entre outros. Se foi ou não é impossível de provar. Não havia televisão na época. O São Paulo, portanto, ao contratá-lo, não adquiriu um atleta em final de carreira. Muito pelo contrário! Trouxe um astro em pleno brilho, no auge da forma, física e técnica.

O pitoresco é que a contratação de Leônidas da Silva  se deu alguns dias depois dele haver deixado a prisão. Isso mesmo! Ele passou por essa terrível experiência, permanecendo preso, por oito meses, acusado de haver falsificado certificado de reservista, para não ser convocado para o Exército. Recorde-se que, na época, o Brasil vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas e o mundo fervia em decorrência da Segunda Guerra Mundial, que estava, praticamente, na metade. Esse episódio, todavia, na minha concepção, não mancha sua brilhante biografia, embora seja forçoso citá-lo.

Para se ter uma idéia da euforia que sua contratação provocou na torcida tricolor, basta dizer que, quando de sua chegada a São Paulo, uma multidão, estimada em mais de dez mil pessoas – testemunhas do fato garantem que foram muitos mais – foram recepcioná-lo na Estação da Luz. Sua estréia com a camisa do novo clube foi mais entusiástica ainda. Foi um delírio! Atraiu um público de mais de 70 mil espectadores ao Pacaembu – número até hoje jamais igualado e muito menos superado – em um jogo contra o Corinthians, que terminaria empatado, por 3 a 3. No ano seguinte, o São Paulo, tendo esse fenômeno no comando do ataque, ou seja, em 1943, foi campeão paulista, título que se repetiria no bicampeonato de 1945-1946 e num outro bi, o de 1947/1949.

E qual foi a participação de Leônidas nessas conquistas? Foi imensa! O ídolo marcou, com a camisa tricolor, 144 gols em 211 jogos. Ou seja, foi às redes adversárias, praticamente, partida sim e partida não. Encerrou a carreira aos 38 anos, quando ainda tinha lenha para queimar. Até hoje a torcida não se conforma com o fato de Leônidas da Silva não ter sido convocado para a Seleção Brasileira, para a Copa de 1950, disputada no Brasil. Apesar da idade, estava jogando o fino da bola. Anos depois, o técnico Flávio Costa reconheceu que foi um erro a não convocação do artilheiro sãopaulino. É possível que, com a sua presença, teríamos conquistado aquele Mundial. Será? Nunca se saberá!

Mas Leônidas, ao pendurar as chuteiras, não deixou, pelo menos de imediato, os gramados. Dirigiu o tricolor paulista, como técnico, em 73 jogos. E só não permaneceu no cargo em virtude do seu temperamento explosivo. Dizem, as más línguas, que tinha “pavio curto” e não perdoava a “grossura” de qualquer dos seus pupilos. Com alguns “cabeças de bagre” é duro, mesmo, manter a calma, vocês não acham? Eu não manteria.

Entre os gols mais lembrados de Leônidas da Silva, os torcedores sãopaulinos lembram, particularmente, de dois, ambos de bicicleta. O primeiro foi marcado em 14 de junho de 1942, na derrota do time para o Palestra Itália (atual Palmeiras) por 2 a 1. Mas é do segundo que a torcida tricolor lembra com maior saudade. Foi anotado em 13 de novembro de 1948, na goleada sãopaulina (diria, massacre), sobre o Juventus, o tradicional Moleque Travesso da Mooca (que tinha esse apelido por sempre causar problemas aos grandes paulistanos) por 8 a 0. O jogo ocorreu no Pacaembu e o gol antológico (o terceiro) foi marcado aos cinco minutos do segundo tempo. Leônidas recebeu a bola de costas para o goleiro Muniz. Este se adiantou e acabou levando a tal bicicleta, que fez a multidão delirar. Pudera! Pena que não havia televisão na época, para registrar aquela pintura de lance, aquela “obra de arte”.

Por tudo o que fez, nos nove anos que permaneceu no São Paulo, Leônidas da Silva é, ainda hoje, passado tanto tempo, com toda a justiça, um dos maiores e mais reverenciados ídolos de todos os tempos do clube, se não o maior. E olhem que por lá passaram craques dos mais renomados, inclusive vários campeões do mundo. Ele foi perpetuado, no museu do Tricolor, com uma réplica do lance que o caracterizou e consagrou ao longo da carreira: uma bicicleta. Nada mais justo, concordam? Justíssimo, diria eu, para não fugir à regra de usar um superlativo.


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