Flagrante de uma
infidelidade
Pedro
J. Bondaczuk
A vida de Richard
Wagner foi tão agitada, tão rocambolesca, tão cheia de altos e baixos e
recheada de tantas polêmicas, que é necessário agir com extrema cautela na
filtragem do que é fato e do que descamba para a mera ficção. De todos os
personagens cujas biografias já abordei (sempre com comentários a propósito, de
episódios específicos e pontuais, aqueles que mais me chamaram a atenção), este
é, disparado, o mais controvertido. Nem tem comparação. As controvérsias, é bom
ressaltar, não se referem às suas obras musicais, cuja genialidade sempre foi
reconhecida até pelos seus mais inconciliáveis inimigos. Mas sua vida...
E olhem que já tratei de
personagens complicadíssimos, como Edgar Alan Poe, Fedor Dostoievski, Sigmund
Freud, Andy Warhol, Salvador Dali, Jean-Luc Godard, Rembrandt e vai por aí
afora. Mas as vidas dessas pessoas nem de longe se aproximam, em termos de
dramas e de polêmicas, à de Wagner. Nesse aspecto ele é insuperável. Entre as
grandes complicações que o envolveram, um dos que mais chamam a atenção foram
seus amores, que merecem capítulos à\ parte. Foi casado, por exemplo, com
Christine Wilhelmine “Minna” Planer, atriz, filha de um mecânico, com quem se
casou em 21 de novembro de 1836 e de quem se divorciou cerca de dez anos
depois, após um período turbulento repleto de acusações de infidelidade
conjugal feitas pela mulher. E de um inesperado flagrante que ocorreu por puro
acaso. Vamos aos fatos;
A pior das “puladas de
cerca” de Wagner – a que o levou à
separação definitiva de Minna e ao divórcio, já que ambos haviam se separado
várias vezes antes e tornado a se reconciliar – ocorreu em Zurique. Nessa
cidade suíça, o compositor conheceu o rico empresário Otto Wesendock, que entre
tantos negócios que tinha, era sócio de uma indústria de seda de Nova York. E
entre suas múltiplas propriedades, havia construído uma gigantesca e suntuosa
mansão nessa localidade alpina, de frente para o famoso lago que lá existe. O
milionário, sujeito culto e refinado, era admirador incondicional da
genialidade de Wagner. Esse, por sua vez, retribuía esse entusiasmo, mas de
outra forma que não a da gratidão: encantou-se pela mulher de Otto, chamada Mathilde,
encanto esse que ele sempre jurou ser meramente “espiritual”. Não era, óbvio, o
que Minna achava.
O milionário, que vinha
ajudando com doações o multi-endividado compositor – que, aliás, estava em
Zurique para fugir dos seus credores em territórios alemães – cismou de
construir, nos jardins de sua suntuosa residência, outra casa, um pouco menor
do que a mansão, mas confortável e bastante aconchegante, que ofereceu a Wagner
para que lá residisse, sem nada pagar. Claro que ele aceitou de bom grado. Pudera!
A moradia era tão aprazível e de bom gosto que Mathilde a batizou de “Asylum”.
A bela e tentadora mulher, claro, era presença constante ali, para desespero de
Minna, que suspeitava que o marido tinha um caso com a beldade, embora este
negasse de pés juntos e ela não tivesse como comprovar suas suspeitas.
Até que um dia... A
traição veio à tona. Frise-se que Otto sabia da paixão da mulher pelo
compositor e vice-versa, mas não se importava. Fingia desconhecer, por razões
que só ele poderia explicar (mas nunca explicou). Minna obteve a prova de que
era traída, que tanto torcia para não existir e para estar enganada, por
absoluto acaso. Em certa manhã de abril de 1858, conforme relato que li na
enciclopédia eletrônica Wikipédia, a atormentada e ciumenta mulher viu um
empregado sair de sua casa carregando uns rolos de papel. Curiosa, quis
conferir do que se tratava. Havia neles, entre outras coisas, o esboço da
partitura do prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”. Se fosse só isso, não
haveria problema. Ocorre que não era. Havia, também, uma carta de Wagner para
Mathilde. Mas não era nenhuma mensagem inocente, simples bilhete de gentileza.
Longe disso. Era uma carta de amor em que o compositor explicitava, da maneira
mais clara que se possa pensar, seus sentimentos pela beldade!
Para quê?! Minna, que
por si só não era dada a gentilezas, ficou furiosa. Mais do que isso, ficou
enlouquecida. Foi de imediato ao quarto
de Wagner e esfregou a comprometedora mensagem amorosa na cara do marido. Desfiou
todo o dicionário de palavrões no idioma alemão e muito mais. Não contente,
dirigiu-se à mansão, onde fez um escândalo para ninguém botar defeito. Falou
tantos impropérios aos anfitriões, que estes se viram forçados a despejar o
casal (que morava de favor, recorde-se) do “Asylum”.
Ambos foram embora,
sim, mas não juntos como haviam chegado. Minna voltou sozinha para a casa da
sua família na Saxônia. Wagner, por sua vez, foi para Veneza (de onde, meses
depois, teve que fugir por não pagar suas dívidas). Dessa vez, ao contrário de
outras tantas em que o casal havia se reconciliado, a separação foi definitiva.
Não tardou para que os dois formalizassem o divórcio. Não havia outro remédio.
O compositor sempre jurou que seu amor por Mathilde era meramente platônico, ou
seja, “espiritual”. Ninguém jamais acreditou nisso. Você acreditaria? Eu não!
O relacionamento do
casal, convenhamos, tinha tudo para dar errado desde o início. Ninguém jamais
entendeu o que os levou ao casamento. Minna, apesar de atriz, era pessoa de
pouca cultura e de educação rústica (para dizer o de menos). Wagner, por seu
turno, além de sensibilíssimo artista, gênio de sua arte, era um sujeito
sumamente culto. Interessava-se por tudo, por poesia, por filosofia, por
política, por todas as artes etc.etc.etc. Em casa, no entanto... não tinha
condições de sustentar a mais ligeira conversa que não fosse sobre
trivialidades. O que, certamente, atraiu essas duas pessoas, de formações tão
díspares, foi a beleza física de ambos, mas só isso. E esse fator, cá para nós,
é insuficiente para manter um relacionamento minimamente estável.
Ademais, Minna já
estava cansada de acompanhar o irresponsável marido em suas sucessivas fugas
dos credores. O casal não tinha a mínima estabilidade financeira e não parava
em lugar algum. Pelo contrário. Nas várias biografias de Wagner, suas
constantes e recorrentes dívidas são uma rotina. E suas fugas dos credores
também. Isso aconteceu em Dresden, em Riga (na Estônia), em Zurique, em Veneza
e vai por aí afora. O compositor chegou, até, a ser preso, em Paris, em uma de
suas passagens pela capital francesa, por não pagar o que devia. E não teve o
mesmo destino, em outras localidades, por ter fugido antes. É verdade que
tempos depois Wagner foi salvo dessa situação de eterno devedor, e sempre
inadimplente, por alguém que não somente assumiu todos seus débitos, mas que, de quebra,
“presenteou-o” com uma régia pensão. Mas esta é outra história, que merece todo
um capítulo (ou mais de um) a parte.
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