Saturday, September 28, 2013

Gênero mais atual do que nunca

Pedro J. Bondaczuk

O leitor atento e curioso, que leu os trechos do ensaio que escrevi em 1986 – e que publiquei no jornal “Correio Popular” de Campinas, na edição de 26 de outubro daquele ano – sobre a origem da ópera, está se perguntando: “na atualidade, em pleno século XXI, ainda há quem componha peças desse gênero?”. Respondo: há e muitos. Os recursos tecnológicos atuais, de comunicação e, sobretudo, de gravação de sons e imagens, consolidaram, de vez, esse tipo de obra artística.

Claro que, como ocorria na época do seu surgimento, há público específico para essa forma de representação (como há para todo e qualquer tipo de música, seja erudita ou popular e, por extensão, de arte, visual ou sonora ou reunindo ambos recursos simultaneamente). Mas, até em decorrência da vertiginosa expansão da população mundial, os apreciadores de óperas atuais, mesmo sendo relativamente restritos, em termos absolutos são em quantidade muitíssimo maior do que nos primórdios da criação do gênero. Naquela época, o Planeta abrigava, se tanto, 500 milhões de habitantes. Hoje, conta com mais de sete bilhões!

Antes de tratar do panorama atual da ópera, não abordado, claro (por razões óbvias) no meu ensaio de 1986, peço licença para reproduzir mais alguns trechos do referido texto, abordando (e comentando) o desenvolvimento do gênero no século passado, até chegar ao estágio de hoje, Nos albores dos anos 1900, esse tipo de peça, reunindo, simultaneamente, drama e música, parecia esgotado. A sensação era a de que todas as inovações possíveis e imagináveis (das quais citei somente algumas e, assim mesmo de passagem) já haviam sido feitas e que não havia mais nada a inovar. Havia visíveis sintomas de decadência e decrepitude. O público exigia novidades, pelas quais se mostrava ávido. E não tardou em ser atendido.

Uma renovação inesperada viria a ocorrer, conduzida por Claude Debussy, com sua ópera “Pelléas et Melissande”. O grande mérito dessa produção antológica foi o texto de Maurice Maeterlinck, que revolucionou o estilo de escrita operística. Os principais méritos dessa composição, além do libreto com elevadíssimo conteúdo poético, foram a declamação sem o lirismo exagerado que prevalecera até então e a sutilização no acompanhamento orquestral. Apesar de não deixar sucessores, o compositor francês influenciou decisivamente a ópera moderna, com os novos conceitos que implantou.

No século XX, surgiram geniais autores, que não ficaram nada a dever a um Mozart, um Wagner, um Verdi e a outros tantos monstros sagrados da música clássica. Muitos estão, ainda, em plena atividade, compondo óperas de grande sucesso para um público específico, raramente divulgadas nos meios de comunicação de maior penetração. O que chama a atenção é a capacidade de “renascimento” do gênero, nos momentos críticos em que tudo parecia indicar que estivesse ameaçado de extinção. Ainda que mal comparando, considero a ópera uma espécie de “fênix” das artes, sobretudo da musical: sempre que prestes a se extinguir, “renasce das próprias cinzas”, com maior vigor e criatividade do que antes.

Na trajetória do gênero, notadamente na passagem de um século para outro, não podem ser omitidos compositores como os brasileiros Antonio Carlos Gomes (ilustre filho de Campinas, onde seus restos mortais repousam em mausoléu construído para esse fim) e Leopoldo Miguez. Nem de compositores do porte de Giácomo Puccini, de Ruggero Leoncavallo, de Pietro Mascagni, de Bela Bartok, de Serguei Prokofiev, de Alban Berg (cuja composição “Wozzek” foi considerada, por muito tempo, pelos especialistas, como a única ópera radicalmente moderna) e do norte-americano George Gershwin, com sua marcante composição “Porgy and Bess”. Poderia citar, neste caso, mais algumas dezenas de nomes que não haveria nenhum exagero.

De 1950 para cá, foram encenadas dezenas de peças que são preciosas pérolas operísticas contemporâneas (infelizmente pouquíssimo divulgadas pelos principais meios de comunicação). Mas os amantes do gênero tiveram a oportunidade de conhecer e de se deliciar com elas (tive o privilégio de assistir e de satisfazer minha insaciável fome estética com algumas delas).

Numa relação um tanto aleatória, posso citar como marcantes composições da segunda metade do século XX, as seguintes: “O Cônsul”, de Giancarlo Menotti (estreada em 1° de março de 1950), “O prisioneiro”, Luigi Dellapicola (20 de maio de 1950), “A carreira do libertino”, Igor Stravinsky (11 de setembro de 1951), Pedro Malasarte, Camargo Guarnieri (27 de maio de 1952), “The Midsummer Marriage”, Michael Tippet (27 de janeiro de 1955), “O diálogo das carmelitas”, Francis Poulenc (26 de janeiro de 1967), Moisés e Arão”, Arnold Schoenberg (15 de janeiro de 1958), “Vanessa”, Samuel Barber (15 de janeiro de 1958), “Aniara”, Karl Berger Blomdahl (31 de maio de 1959), “A compadecida”, José Siqueira (11 de maio de 1961), “Elegia para jovens amantes”, Hans-Werner Henze (20 de maio de 1961), “Os soldados”, Bernd-Alois Zimermann (15 de fevereiro de 1965), “Yerma”, Heitor Villa-Lobos, com libreto original de Federico Garcia Llorca (estreada em Santa Fé, nos Estados Unidos, em 12 de agosto de 1971 e no Brasil em 1983), “O chalaça”, Francisco Mignone, “Memórias de um sargento de milícia”, também de Mignone, “Mary Queens of Scots”, de Thea Musgrave e vai por aí afora.



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