Gênero mais atual do
que nunca
Pedro
J. Bondaczuk
O leitor atento e
curioso, que leu os trechos do ensaio que escrevi em 1986 – e que publiquei no
jornal “Correio Popular” de Campinas, na edição de 26 de outubro daquele ano –
sobre a origem da ópera, está se perguntando: “na atualidade, em pleno século
XXI, ainda há quem componha peças desse gênero?”. Respondo: há e muitos. Os
recursos tecnológicos atuais, de comunicação e, sobretudo, de gravação de sons
e imagens, consolidaram, de vez, esse tipo de obra artística.
Claro que, como ocorria
na época do seu surgimento, há público específico para essa forma de
representação (como há para todo e qualquer tipo de música, seja erudita ou
popular e, por extensão, de arte, visual ou sonora ou reunindo ambos recursos
simultaneamente). Mas, até em decorrência da vertiginosa expansão da população
mundial, os apreciadores de óperas atuais, mesmo sendo relativamente restritos,
em termos absolutos são em quantidade muitíssimo maior do que nos primórdios da
criação do gênero. Naquela época, o Planeta abrigava, se tanto, 500 milhões de
habitantes. Hoje, conta com mais de sete bilhões!
Antes de tratar do
panorama atual da ópera, não abordado, claro (por razões óbvias) no meu ensaio
de 1986, peço licença para reproduzir mais alguns trechos do referido texto,
abordando (e comentando) o desenvolvimento do gênero no século passado, até
chegar ao estágio de hoje, Nos albores dos anos 1900, esse tipo de peça,
reunindo, simultaneamente, drama e música, parecia esgotado. A sensação era a
de que todas as inovações possíveis e imagináveis (das quais citei somente
algumas e, assim mesmo de passagem) já haviam sido feitas e que não havia mais
nada a inovar. Havia visíveis sintomas de decadência e decrepitude. O público
exigia novidades, pelas quais se mostrava ávido. E não tardou em ser atendido.
Uma renovação
inesperada viria a ocorrer, conduzida por Claude Debussy, com sua ópera
“Pelléas et Melissande”. O grande mérito dessa produção antológica foi o texto
de Maurice Maeterlinck, que revolucionou o estilo de escrita operística. Os
principais méritos dessa composição, além do libreto com elevadíssimo conteúdo
poético, foram a declamação sem o lirismo exagerado que prevalecera até então e
a sutilização no acompanhamento orquestral. Apesar de não deixar sucessores, o
compositor francês influenciou decisivamente a ópera moderna, com os novos
conceitos que implantou.
No século XX, surgiram
geniais autores, que não ficaram nada a dever a um Mozart, um Wagner, um Verdi
e a outros tantos monstros sagrados da música clássica. Muitos estão, ainda, em
plena atividade, compondo óperas de grande sucesso para um público específico,
raramente divulgadas nos meios de comunicação de maior penetração. O que chama
a atenção é a capacidade de “renascimento” do gênero, nos momentos críticos em
que tudo parecia indicar que estivesse ameaçado de extinção. Ainda que mal
comparando, considero a ópera uma espécie de “fênix” das artes, sobretudo da
musical: sempre que prestes a se extinguir, “renasce das próprias cinzas”, com
maior vigor e criatividade do que antes.
Na trajetória do
gênero, notadamente na passagem de um século para outro, não podem ser omitidos
compositores como os brasileiros Antonio Carlos Gomes (ilustre filho de
Campinas, onde seus restos mortais repousam em mausoléu construído para esse
fim) e Leopoldo Miguez. Nem de compositores do porte de Giácomo Puccini, de
Ruggero Leoncavallo, de Pietro Mascagni, de Bela Bartok, de Serguei Prokofiev,
de Alban Berg (cuja composição “Wozzek” foi considerada, por muito tempo, pelos
especialistas, como a única ópera radicalmente moderna) e do norte-americano
George Gershwin, com sua marcante composição “Porgy and Bess”. Poderia citar,
neste caso, mais algumas dezenas de nomes que não haveria nenhum exagero.
De 1950 para cá, foram
encenadas dezenas de peças que são preciosas pérolas operísticas contemporâneas
(infelizmente pouquíssimo divulgadas pelos principais meios de comunicação).
Mas os amantes do gênero tiveram a oportunidade de conhecer e de se deliciar com
elas (tive o privilégio de assistir e de satisfazer minha insaciável fome
estética com algumas delas).
Numa relação um tanto
aleatória, posso citar como marcantes composições da segunda metade do século
XX, as seguintes: “O Cônsul”, de Giancarlo Menotti (estreada em 1° de março de
1950), “O prisioneiro”, Luigi Dellapicola (20 de maio de 1950), “A carreira do
libertino”, Igor Stravinsky (11 de setembro de 1951), Pedro Malasarte, Camargo
Guarnieri (27 de maio de 1952), “The Midsummer Marriage”, Michael Tippet (27 de
janeiro de 1955), “O diálogo das carmelitas”, Francis Poulenc (26 de janeiro de
1967), Moisés e Arão”, Arnold Schoenberg (15 de janeiro de 1958), “Vanessa”,
Samuel Barber (15 de janeiro de 1958), “Aniara”, Karl Berger Blomdahl (31 de
maio de 1959), “A compadecida”, José Siqueira (11 de maio de 1961), “Elegia
para jovens amantes”, Hans-Werner Henze (20 de maio de 1961), “Os soldados”,
Bernd-Alois Zimermann (15 de fevereiro de 1965), “Yerma”, Heitor Villa-Lobos,
com libreto original de Federico Garcia Llorca (estreada em Santa Fé, nos
Estados Unidos, em 12 de agosto de 1971 e no Brasil em 1983), “O chalaça”,
Francisco Mignone, “Memórias de um sargento de milícia”, também de Mignone,
“Mary Queens of Scots”, de Thea Musgrave e vai por aí afora.
No comments:
Post a Comment