Saturday, September 07, 2013

É preciso indignar-se

Pedro J. Bondaczuk

A questão dos meninos e das meninas de rua no Brasil foi tratada, na terça-feira, por uma das principais redes de televisão dos Estados Unidos e em horário nobre. Claro que o “gancho” foi a chacina da Candelária, que conforme previmos, começou a cair no esquecimento, após aquele impacto inicial causado na opinião pública.

Os norte-americanos, que raramente abordam temas do nosso País (a não ser a dívida externa), ao contrário dos europeus, que vêm há tempos discutindo o abandono das nossas crianças, mostram-se perplexos com os contrastes existentes por aqui. Nós nem disso nos damos conta mais, acostumados que estamos com essa e outras aberrações.

Indignamo-nos, aqui ou ali, ao sabor das manchetes, mas se trata de uma indignação artificial. Ou seja, semelhante à que sentimos quando tomamos conhecimento de casos como o da menina bósnia, Irma Hadzimuratovic e de outras crianças da ex-Iugoslávia, que pagam um preço excessivo pela estupidez dos adultos.

Trata-se de uma reação passageira, despida de qualquer senso prático ou de ação. Há quem fique muito mais indignado com as más atuações da seleção brasileira nas Eliminatórias para a Copa do Mundo ou com a alegada incompetência do técnico Parreira (quem já ocupou este cargo e foi unanimemente elogiado?), do que com a chacina da Candelária e outros incidentes semelhantes, ou até piores, envolvendo menores abandonados.

Embora isto esteja longe de nos servir de consolo, o Centro de Informações das Nações Unidas, com sede no Rio, acaba de divulgar uma nota em que diz que a venda de crianças, incluindo o tráfico de órgãos, pornografia e prostituição infantil, são fenômenos universais. Atingem, indiscriminadamente, países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Como se nota, não estamos sozinhos neste desfile de bestialidade em que se transformaram as relações humanas neste final de milênio.

A afirmação, ou denúncia, ou seja lá o que for, não é gratuita e nem de autoria de algum pessimista mal-humorado, dos tantos que circulam por aí quais cassandras de mau agouro. É do relator especial da investigação da ONU sobre a venda de crianças, Vitit Muntarbhorn, que já esteve no Brasil pesquisando a situação dos nossos menores.

O relato foi feito perante a Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra. De acordo com suas palavras, o Leste Europeu converteu-se num mercado para o tráfico, a prostituição e a exploração infantis.

Nos Estados Unidos e na Europa, predominam a pornografia envolvendo crianças. E na Ásia, meninos e meninas são forçados a se prostituir para atender clientes europeus.

Muntarbhorn destacou que o número de casos envolvendo tráfico de órgãos é cada vez maior. Ou seja, menores vêm sendo fria e sistematicamente assassinados, para que seus corações, fígados, rins, pulmões e córneas sejam vendidos para semelhantes privilegiados, por contarem com pais ricos que podem comprar essas peças.

Como se observa, ninguém tem moral para nos “atirar a primeira pedra”. Todavia, das nossas crianças devemos cuidar nós mesmos. E o que estamos fazendo para resolver este problema? Estamos pressionando o governo de maneira adequada ou sequer fazendo pressão de fato?

Ou nos limitamos a interiorizar uma amarga revolta, inócua e sem qualquer senso prático, ao invés de assumir aquela indignação genuína, que nos move a agir e exigir que esta aberrativa distorção do comportamento nacional seja imediatamente corrigida?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 19 de agosto de 1993).


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