É preciso indignar-se
Pedro J. Bondaczuk
A
questão dos meninos e das meninas de rua no Brasil foi tratada, na terça-feira,
por uma das principais redes de televisão dos Estados Unidos e em horário
nobre. Claro que o “gancho” foi a chacina da Candelária, que conforme previmos,
começou a cair no esquecimento, após aquele impacto inicial causado na opinião
pública.
Os norte-americanos, que raramente abordam temas do
nosso País (a não ser a dívida externa), ao contrário dos europeus, que vêm há
tempos discutindo o abandono das nossas crianças, mostram-se perplexos com os
contrastes existentes por aqui. Nós nem disso nos damos conta mais, acostumados
que estamos com essa e outras aberrações.
Indignamo-nos, aqui ou ali, ao sabor das manchetes,
mas se trata de uma indignação artificial. Ou seja, semelhante à que sentimos
quando tomamos conhecimento de casos como o da menina bósnia, Irma
Hadzimuratovic e de outras crianças da ex-Iugoslávia, que pagam um preço
excessivo pela estupidez dos adultos.
Trata-se de uma reação passageira, despida de
qualquer senso prático ou de ação. Há quem fique muito mais indignado com as
más atuações da seleção brasileira nas Eliminatórias para a Copa do Mundo ou
com a alegada incompetência do técnico Parreira (quem já ocupou este cargo e
foi unanimemente elogiado?), do que com a chacina da Candelária e outros
incidentes semelhantes, ou até piores, envolvendo menores abandonados.
Embora isto esteja longe de nos servir de consolo, o
Centro de Informações das Nações Unidas, com sede no Rio, acaba de divulgar uma
nota em que diz que a venda de crianças, incluindo o tráfico de órgãos,
pornografia e prostituição infantil, são fenômenos universais. Atingem,
indiscriminadamente, países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Como se nota, não
estamos sozinhos neste desfile de bestialidade em que se transformaram as
relações humanas neste final de milênio.
A afirmação, ou denúncia, ou seja lá o que for, não é
gratuita e nem de autoria de algum pessimista mal-humorado, dos tantos que
circulam por aí quais cassandras de mau agouro. É do relator especial da
investigação da ONU sobre a venda de crianças, Vitit Muntarbhorn, que já esteve
no Brasil pesquisando a situação dos nossos menores.
O relato foi feito perante a Comissão dos Direitos
Humanos das Nações Unidas, em Genebra. De acordo com suas palavras, o Leste
Europeu converteu-se num mercado para o tráfico, a prostituição e a exploração
infantis.
Nos Estados Unidos e na Europa, predominam a
pornografia envolvendo crianças. E na Ásia, meninos e meninas são forçados a se
prostituir para atender clientes europeus.
Muntarbhorn destacou que o número de casos
envolvendo tráfico de órgãos é cada vez maior. Ou seja, menores vêm sendo fria
e sistematicamente assassinados, para que seus corações, fígados, rins, pulmões
e córneas sejam vendidos para semelhantes privilegiados, por contarem com pais
ricos que podem comprar essas peças.
Como se observa, ninguém tem moral para nos “atirar
a primeira pedra”. Todavia, das nossas crianças devemos cuidar nós mesmos. E o
que estamos fazendo para resolver este problema? Estamos pressionando o governo
de maneira adequada ou sequer fazendo pressão de fato?
Ou nos limitamos a interiorizar uma amarga revolta,
inócua e sem qualquer senso prático, ao invés de assumir aquela indignação
genuína, que nos move a agir e exigir que esta aberrativa distorção do
comportamento nacional seja imediatamente corrigida?
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 19 de agosto de 1993).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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