O preço da democracia
Pedro J.
Bondaczuk
O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, deixou o seu
país, ontem, rumo ao Canadá, em plena convulsão social. Milhares de pessoas
continuam correndo, em pânico, às lojas do Estado, para comprar tudo o que podem,
temendo o anunciado aumento de preços, que é um dos pontos-chaves do plano
econômico, atualmente em debate no Soviete Supremo.
O reformista radical dissidente, Boris Yeltsin, venceu as
eleições para a presidência do Soviete Supremo russo, o que equivale ao cargo
máximo dessa República, a maior, mais rica e populosa da Federação. O programa
de reforma na economia empacou no Legislativo, fato que irritou, profundamente,
o responsável por sua elaboração, o primeiro-mi9nistro Nikolai Ryzhkov.
As Repúblicas bálticas voltaram a desafiar o Cremlin,
divulgando um comunicado em que asseguram que não reconhecem Gorbachev como o
seu interlocutor na reunião de cúpula de Washington.
Além dessas questões que o presidente deixou para trás,
irresolutas, há, ainda, o ressentimento latente na Armênia com o morticínio do
fim de semana, em que 27 pessoas perderam a vida em confronto entre
manifestantes e soldados do Exército Vermelho.
São cobranças, contestação, ira e descontentamento por
todos os lados. Mas será que isso está, de fato, tirando o sono do líder do
Cremlin? Provavelmente, não! Principalmente quando se lê o seu livro “Perestroika,
uma proposta para o país e para o mundo”.
Nele, o estadista soviético assinala, exaustivamente, que
a sociedade da superpotência do Leste estava como que anestesiada. Não havia
discussões sobre os problemas, ninguém contestava ninguém publicamente, por
timidez ou medo, e, com isso, os principais temas eram sempre relegados a um
segundo plano, na dependência da boa-vontade, ou imaginação, dos burocratas.
Gorbachev frisou, e repetiu muitas vezes, que pretendia
que as questões cruciais do país fossem tratadas às claras. Queria que todos os
cidadãos as debatessem, até mesmo com paixão. Daí ter lançado a sua política de
“glasnost”, ou seja, transparência, uma espécie de “jogo da verdade” que ele
queria que todos os setores sociais da União Soviética praticassem. E hoje isto
está ocorrendo. Até com exagero.
Equivocam-se os que entendem que democracia é uma condição
pacífica, isenta de conflitos. Muito pelo contrário. Na verdade, trata-se de
uma administração sábia e racional deles, para extrair a enorme carga de
energia que possuem.
Veja-se os Estados Unidos. Ninguém pode dizer que ali
jamais houve choques de interesses entre os diversos grupos que compõem a maior
superpotência do Planeta. Todavia, os norte-americanos administram com
sabedoria seus conflitos. Daí ostentarem a invejável posição que têm no mundo.
Portanto, quem estiver temendo alguma eventual queda de
Gorbachev, não deve perder o seu sono. Ao que tudo indica, nem ele, que é o
principal personagem deste drama, está perdendo.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 30
de maio de 1990).
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