Entre os fatos e a
ficção
Pedro
J. Bondaczuk
A vida do compositor
Richard Wagner – cujo bicentenário de nascimento é comemorado em 2013 – foi de
tal sorte rica de acontecimentos (bons e ruins), tão complexa e agitada que,
por mais meticuloso e atento que o redator que se proponha a descrevê-la seja, sempre
deixará algum episódio marcante de fora. Por isso, não esperem que eu esgote um
assunto que considero inesgotável. Nenhuma de suas múltiplas biografias é
completa. Nem mesmo a que ele próprio escreveu. Sempre será possível encontrar
relatos em uma determinada que as outras omitiram. É muito mais fácil, sem
dúvida, tratar de sua obra, posto que copiosa, inspirada e inovadora, de tirar
o fôlego de quem a ouve, mesmo que não o aprecie como pessoa.
A despeito de eu haver
ressaltado e reiterado em mais de uma ocasião a natureza destas minhas
reflexões (pelo menos minha intenção ao redigi-las), nunca é demais reiterar,
pela enésima vez, no que ela consiste. Em momento algum tive a mais remota
pretensão de fazer delas um relato biográfico, mesmo que resumido. Meu objetivo
sempre foi, e é, o de limitar-me a comentar determinados episódios isolados que
o personagem protagonizou, sem nenhuma preocupação cronológica, e tomados
praticamente ao acaso.
Há quem goste desta
minha postura e me incentive a continuar nessa linha. Há também, por outro
lado, os que se sentem decepcionados e até lesados, por esperarem que eu me
ativesse a escrever uma detalhada biografia de Wagner, com começo, meio e fim
e, sobretudo, cronologicamente ordenada. Paciência. Não tenho condições de
encarar desafio desse porte, até por escassez de tempo para uma empreitada tão
complexa, que exige profunda e cuidadosa pesquisa. A estes leitores que
esperavam mais de mim do que posso lhes dar, recomendo que leiam algum, ou
vários livros do gênero, biografando, estes sim, com método e organização, o
polêmico compositor alemão. Há muitas, e excelentes biografias que podem
satisfazer plenamente sua louvável curiosidade, caríssimo leitor.
As opiniões sobre a
obra de Wagner a que tive acesso são muitas e por isso mencionarei, apenas, as
que me chamaram mais a atenção, dada a impossibilidade de reproduzi-las todas,
por causa do seu imenso volume. Um
exemplo é o comentário do compositor e crítico musical francês do século XIX,
Emile-Jean-Joseph Vuillermoz (falecido em Paris em 2 de março de 1960), que, em
seu livro “Histoire de La musique”, escreveu: “A bibliografia wagneriana é tão
considerável e tão rica de obras apologéticas, que se experimenta certa
dificuldade em trazer para a escala humana o genial autor de ‘Tristão e
Isolda’. Submeteram a narrativa de sua vida e e a análise de sua obra a tão
rígidas classificações e engenhosos sistemas, que a contribuição dos
comentaristas acabou por dar passagem à ficção, em detrimento da realidade”.
Entenderam a dificuldade
em biografar personalidade tão complexa e polêmica? Muitos dos que escreveram
sobre Wagner transformaram-no em mero personagem de romance, herói para uns,
vilão para outros, de acordo com seus conceitos preconcebidos e suas opiniões
pessoais a seu respeito. O quanto há de verdade ou de ficção nesses relatos? É
impossível de se determinar com precisão.
No que se refere à sua
obra, até que é viável fazer certa triagem para separar o joio do trigo. Isso,
teoricamente. Basta ouvir suas composições e opinar a respeito, sem
preconceito, à luz, somente, dos cânones musicais. Para tanto, todavia, é
indispensável que se tenha profundo conhecimento teórico de música dita
clássica. Poucos têm a esse ponto. Já sobre sua vida... não vejo como se possa
distinguir das várias versões o homem do mito, o fato nu e cru da ficção e a
verdade da meia-verdade (verossímil, posto que inventada).
As primeiras
composições de Wagner, como seria de se esperar, não foram óperas. Foram, ao
que pude apurar (e, claro, posso estar enganado, embora não creia que esteja)
duas sonatas para piano (em ré menor e fá menor), um quarteto de cordas em ré
maior, uma ária para soprano e duas aberturas. E tudo isso, destaco, antes de
completar dezenove anos de idade. A primeira ópera completa, “As fadas”, ele
terminou aos 21 anos, em 1834. O curioso é que não chegou jamais a ver essa
obra levada aos palcos. Ela somente estreou em 1888, portanto após a sua morte.
Uma pena, pois trata-se de magistral composição musical.
Curioso foi o método que
Wagner adotou, que viria a ser o mesmíssimo de todas as óperas que viria a
compor na sequência. Primeiro escreveu o libreto, mas em prosa. Baseou-se no
poema “La Donna serpente”, do poeta veneziano conde Carlo Gozzi, que seu tio
Adolf havia traduzido para o alemão. Não se tratou, como os desavisados podem
pensar, de versão. Apenas utilizou o tema explorado pelo autor italiano. O
enredo é inteirinho de Wagner. Escrita a história, versificou-a, para, somente
então, compor as partituras musicais respectivas. Foi uma pena, repito, jamais
ter visto essa composição encenada. É uma de minhas preferidas.
Por este tempo, o então
jovem músico já estava fascinado com a genialidade do italiano Vicenzo Bellini,
a quem iria idolatrar para o resto da vida, considerando-o como uma espécie de
“deus da ópera”. Mal sabia que, na sequência da carreira, viria a superar, em
muito, seu ídolo e paradigma, sem que jamais se desse conta desse fato. Os
gênios também podem ser modestos, posto que à sua maneira.
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