Caminhos e descaminhos do
amor
Pedro J. Bondaczuk
A
palavra "amor", seja em que língua ou dialeto for, é, certamente, a
mais citada, (embora a menos compreendida em seu real significado), em poemas,
romances, novelas, letras de canções, etc. em todo o mundo, através dos tempos,
desde o surgimento das civilizações, das artes e principalmente da
escrita. O termo sempre se viu cercado
de extrema ambigüidade. Dependendo do contexto, tem sido utilizado, até mesmo,
por paradoxal que pareça, para exprimir seu antônimo, o ódio, sem que aquele
que o utiliza com tanta inadequação sequer se dê conta.
Pois
é este sentimento sublime, mais falado do que praticado; esta elevada emoção,
que todos sentimos algum dia na vida, mas que, por alguma razão, alguns de nós
sufocamos e extinguimos talvez por entendermos inconscientemente que se trata
de manifestação de fraqueza ou de falta de virilidade; esta essência da
divindade, que deveria nos distinguir das feras broncas; o tema central do
excelente livro "Amor, Caminhos e Descaminhos", do jornalista,
escritor, educador e advogado Rubem Costa, lançado há mais de uma década..
O
autor admite, a priori, logo no prólogo, tratar-se de enorme desafio abordar
assunto tão complexo (e tão surrado), sem descambar para o lugar-comum, ou sem
enveredar para os mesmos equívocos, não apenas do populacho pouco instruído,
mas pelo qual a maioria dos filósofos, poetas, romancistas, psicólogos,
psiquiatras e outros tantos estudiosos da alma e do comportamento humano também
freqüentemente envereda.
Metodicamente,
de forma clara, organizada e, sobretudo, didática – como compete ao professor
que de fato é – Rubem Costa inicia sua análise adentrando o complexo campo da
semântica. Observa: "...Como espelho da sociedade que evolui e se
transforma no perpassar dos acontecimentos, as palavras, refletindo a nova
fisionomia social, que repercute na formação do ser individual, exercem papel
relevante na contextura de usos e costumes, plasmando princípios de ética e
moral. Mas, em verdade, ela, a palavra, é uma rua de duas mãos. Impressiona e
deixa-se impressionar pela agitação do grupo".
Destaque-se
que Rubem Costa, aos 92 anos de idade, é um dos mais lúcidos e profundos
intelectuais de Campinas, ilustre e atuante membro da Academia Campinense de
Letras, autor de "Cantigas do Anoitecer" (poesias) e "Colheita
no Tempo" (crônicas). Com 19 anos, já era redator-secretário do
"Diário do Povo". Desenvolveu marcante carreira no Magistério
paulista, como inspetor de ensino e diretor da V Divisão Regional de Educação
do Estado de São Paulo.
O
autor define, já no próprio título do livro (publicado pela Editora Átomo de
Campinas), as duas vertentes que fundamentam sua instigante tese. Na primeira
parte, aborda os "Caminhos do Amor". Identifica esse tão pouco
entendido sentimento nas suas mais variadas formas de manifestação. Fala dos
santos, dos simples, dos humildes e dos abnegados. Recorre à Criação, como
descrita no Gênesis da Bíblia, e narra várias experiências pessoais. Entre
estas, relembra os ensinamentos da mãe e conclui que o amor é um só, embora muitas sejam as
formas com que se manifesta.
Na
segunda parte, que intitula "Descaminhos", aponta as distorções, os
males-entendidos e os equívocos mais comuns que cercam essa emoção. Aborda as
várias formas de preconceito (racial, étnico, religioso, etc.), o abandono, a
exploração do próximo e outros tantos perversos comportamentos que envenenam
nossos relacionamentos. É óbvio (e nem é esta minha intenção), que não irei
tirar do leitor o prazer de participar desse régio banquete de inteligência e
sensibilidade, que é a leitura desse precioso livro.
Destaco,
no entanto, que Rubem Costa consegue façanha que pouquíssimos escritores
alcançam: a de tratar temas, como este, tão delicados, profundos e de tamanha
complexidade, de forma clara, inteligível, acessível a qualquer pessoa de
cultura mediana, sem recorrer (como muitos autores fazem, de forma pedante e
até tola), a jargões das várias disciplinas enfocadas, já que recorre, sem que
o leitor sequer perceba, a princípios de
filosofia, psicologia, teologia, etologia, antropologia, etc.
Ler
seu texto claro, preciso, correto, medido e coloquial, é como assistir a uma
produtiva aula do brilhante mestre. É banhar a alma e o intelecto nas águas
puras da plena cultura e saber. Trata-se de livro para ser apreciado,
saboreado, "degustado" com
reflexão. É para ser lido com emoção e razão e
não como se lê um jornal, uma revista ou um romance comum e banal,
desses que lançamos mão apenas para "passar o tempo". As lições de Rubem Costa são para serem
estudadas, analisadas, sentidas, sopesadas, dissecadas, fazendo-se anotações à
margem, como fazemos, por exemplo, com as obras dos clássicos da literatura.
Nas
palavras do último parágrafo do capítulo "A Grande Descoberta", o
autor sintetiza, de forma magistral, a tese que permeia todo seu precioso
livro, ao confessar: "Foi assim que, aos três anos de idade, sem saber ao
certo o significado dos termos, diante de minha mãe orando, revendo-a, lá na
rede, a me beijar a face, sem me responder, eu descobri o sentido da palavra
'amor'. Sinônimo perfeito da essência pura: Deus. Amor que perdoa, amor que
guarda, amor que redime, amor que salva: é o nome do 'Senhor'". O que
acrescentar a tal definição?! Só posso aduzir: Amém!!!
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