Saturday, September 21, 2013

Caminhos e descaminhos do amor

Pedro J. Bondaczuk


A palavra "amor", seja em que língua ou dialeto for, é, certamente, a mais citada, (embora a menos compreendida em seu real significado), em poemas, romances, novelas, letras de canções, etc. em todo o mundo, através dos tempos, desde o surgimento das civilizações, das artes e principalmente da escrita.  O termo sempre se viu cercado de extrema ambigüidade. Dependendo do contexto, tem sido utilizado, até mesmo, por paradoxal que pareça, para exprimir seu antônimo, o ódio, sem que aquele que o utiliza com tanta inadequação sequer se dê conta.

Pois é este sentimento sublime, mais falado do que praticado; esta elevada emoção, que todos sentimos algum dia na vida, mas que, por alguma razão, alguns de nós sufocamos e extinguimos talvez por entendermos inconscientemente que se trata de manifestação de fraqueza ou de falta de virilidade; esta essência da divindade, que deveria nos distinguir das feras broncas; o tema central do excelente livro "Amor, Caminhos e Descaminhos", do jornalista, escritor, educador e advogado Rubem Costa, lançado há mais de uma década..

O autor admite, a priori, logo no prólogo, tratar-se de enorme desafio abordar assunto tão complexo (e tão surrado), sem descambar para o lugar-comum, ou sem enveredar para os mesmos equívocos, não apenas do populacho pouco instruído, mas pelo qual a maioria dos filósofos, poetas, romancistas, psicólogos, psiquiatras e outros tantos estudiosos da alma e do comportamento humano também freqüentemente envereda.

Metodicamente, de forma clara, organizada e, sobretudo, didática – como compete ao professor que de fato é – Rubem Costa inicia sua análise adentrando o complexo campo da semântica. Observa: "...Como espelho da sociedade que evolui e se transforma no perpassar dos acontecimentos, as palavras, refletindo a nova fisionomia social, que repercute na formação do ser individual, exercem papel relevante na contextura de usos e costumes, plasmando princípios de ética e moral. Mas, em verdade, ela, a palavra, é uma rua de duas mãos. Impressiona e deixa-se impressionar pela agitação do grupo".

Destaque-se que Rubem Costa, aos 92 anos de idade, é um dos mais lúcidos e profundos intelectuais de Campinas, ilustre e atuante membro da Academia Campinense de Letras, autor de "Cantigas do Anoitecer" (poesias) e "Colheita no Tempo" (crônicas). Com 19 anos, já era redator-secretário do "Diário do Povo". Desenvolveu marcante carreira no Magistério paulista, como inspetor de ensino e diretor da V Divisão Regional de Educação do Estado de São Paulo.

O autor define, já no próprio título do livro (publicado pela Editora Átomo de Campinas), as duas vertentes que fundamentam sua instigante tese. Na primeira parte, aborda os "Caminhos do Amor". Identifica esse tão pouco entendido sentimento nas suas mais variadas formas de manifestação. Fala dos santos, dos simples, dos humildes e dos abnegados. Recorre à Criação, como descrita no Gênesis da Bíblia, e narra várias experiências pessoais. Entre estas, relembra os ensinamentos da mãe e conclui  que o amor é um só, embora muitas sejam as formas com que se manifesta.

Na segunda parte, que intitula "Descaminhos", aponta as distorções, os males-entendidos e os equívocos mais comuns que cercam essa emoção. Aborda as várias formas de preconceito (racial, étnico, religioso, etc.), o abandono, a exploração do próximo e outros tantos perversos comportamentos que envenenam nossos relacionamentos. É óbvio (e nem é esta minha intenção), que não irei tirar do leitor o prazer de participar desse régio banquete de inteligência e sensibilidade, que é a leitura desse precioso livro.

Destaco, no entanto, que Rubem Costa consegue façanha que pouquíssimos escritores alcançam: a de tratar temas, como este, tão delicados, profundos e de tamanha complexidade, de forma clara, inteligível, acessível a qualquer pessoa de cultura mediana, sem recorrer (como muitos autores fazem, de forma pedante e até tola), a jargões das várias disciplinas enfocadas, já que recorre, sem que o leitor sequer perceba, a princípios de  filosofia, psicologia, teologia, etologia, antropologia, etc.

Ler seu texto claro, preciso, correto, medido e coloquial, é como assistir a uma produtiva aula do brilhante mestre. É banhar a alma e o intelecto nas águas puras da plena cultura e saber. Trata-se de livro para ser apreciado, saboreado, "degustado"  com reflexão. É para ser lido com emoção e razão e  não como se lê um jornal, uma revista ou um romance comum e banal, desses que lançamos mão apenas para "passar o tempo".  As lições de Rubem Costa são para serem estudadas, analisadas, sentidas, sopesadas, dissecadas, fazendo-se anotações à margem, como fazemos, por exemplo, com as obras dos clássicos da literatura.

Nas palavras do último parágrafo do capítulo "A Grande Descoberta", o autor sintetiza, de forma magistral, a tese que permeia todo seu precioso livro, ao confessar: "Foi assim que, aos três anos de idade, sem saber ao certo o significado dos termos, diante de minha mãe orando, revendo-a, lá na rede, a me beijar a face, sem me responder, eu descobri o sentido da palavra 'amor'. Sinônimo perfeito da essência pura: Deus. Amor que perdoa, amor que guarda, amor que redime, amor que salva: é o nome do 'Senhor'". O que acrescentar a tal definição?! Só posso aduzir: Amém!!!


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