Thursday, September 12, 2013

Desafio e armadilha

  
Pedro J. Bondczuk

A tarefa do general Roberto Jugurtha Câmara Senna, coordenador da operação de combate ao crime organizado no Rio de Janeiro, é das mais espinhosas e ingratas. Tanto que oficiais da ativa e da reserva do Exército – com toda a razão do mundo – acreditam que as Forças Armadas foram colocadas numa “armadilha” pelos governos estadual e federal, com a missão “quase impossível” – de extirpar esse cancro no curtíssimo prazo – que lhes foi atribuída.

O alarido levantado na imprensa, sobre a necessidade de uma atuação enérgica, decisiva e rápida, para deter o crescimento do poder dos bandos de traficantes nos morros cariocas, colocou os militares na contingência de terem de apresentar resultados positivos imediatos.

Mas por uma série de razões – entre as quais a da própria segurança da população favelada, autêntica refém dos narcotraficantes –, uma ação direta, coordenada pelo Exército, torna-se absolutamente inviável. Está fora de questão.

Além do que, a operação, para ser bem conduzida, exige sigilo, tempo e paciência, fatores com os quais as Forças Armadas não irão contar. Até porque, o convênio, firmado entre o governo federal e o do Estado do Rio, prevê que a intervenção deva durar apenas até 31 de dezembro próximo, com possibilidade de prorrogação por igual período caso seja necessário.

Esta, se vier a ocorrer, terá de ser decidida já pelo novo presidente, Fernando Henrique Cardoso, que nos primeiros dias de mandato terá outros assuntos com que se preocupar, como a formação de seu ministério e a composição de alianças que lhe assegure folgada maioria no Congresso.

Até porque, por mais que o Rio seja importante, FHC precisará levar em conta os problemas de todo o País, que lhe competirá gerir. O governador fluminense também será outro, cujo nome vai emergir das urnas na votação de terça-feira próxima, entre Anthony Garotinho e Marcelo de Alencar.

“Onde está a armadilha aos militares, no caso?”, perguntaria o leitor. Ocorre que um eventual fracasso em reduzir a violência e a criminalidade na cidade a níveis toleráveis – sua eliminação está fora de questão, já que nenhuma metrópole desse porte do mundo conseguiu essa façanha – não será atribuído ao presidente Itamar Franco e nem a Nilo Batista. Ambos poderão, como Pilatos, “lavar as mãos” e argumentar que fizeram o que era possível nas circunstâncias.

Há consenso dentro das Forças Armadas de que é praticamente impossível que a situação venha a ser resolvida no curto e até mesmo no médio prazo. Esse caldo de cultura da violência levou anos para chegar a esse estágio.

O “inimigo” a ser combatido não é nítido, não tem contorno definido, não é identificável à primeira vista. Nenhum traficante traz em sua testa o rótulo que o identifique como tal. E a probabilidade maior é que o verdadeiro “chefão” seja alguém que jamais passou sequer nos arredores de qualquer morro. É possível que se trate de alguém à prova de qualquer suspeita e cuja identificação possa ser feita e comprovada apenas um lance muito feliz do acaso.

Com todas essas dificuldades, convém que a opinião pública dê um voto de confiança ao general Câmara Senna. E, sobretudo, que os resultados que forem obtidos com a operação policial sejam complementados com uma ação social competente, imediata, urgente (urgentíssima!), que faça com que a população favelada tenha opções que lhe permitam garantir a sobrevivência com a dignidade a que tem direito, sem ser forçada, como agora, a recorrer à marginalidade e se tornar devedora de bandidos.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 9 de novembro de 1994).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk  

No comments: