Desafio e armadilha
Pedro J. Bondczuk
A
tarefa do general Roberto Jugurtha Câmara Senna, coordenador da operação de
combate ao crime organizado no Rio de Janeiro, é das mais espinhosas e
ingratas. Tanto que oficiais da ativa e da reserva do Exército – com toda a
razão do mundo – acreditam que as Forças Armadas foram colocadas numa
“armadilha” pelos governos estadual e federal, com a missão “quase impossível”
– de extirpar esse cancro no curtíssimo prazo – que lhes foi atribuída.
O alarido levantado na imprensa, sobre a necessidade
de uma atuação enérgica, decisiva e rápida, para deter o crescimento do poder
dos bandos de traficantes nos morros cariocas, colocou os militares na
contingência de terem de apresentar resultados positivos imediatos.
Mas por uma série de razões – entre as quais a da
própria segurança da população favelada, autêntica refém dos narcotraficantes
–, uma ação direta, coordenada pelo Exército, torna-se absolutamente inviável.
Está fora de questão.
Além do que, a operação, para ser bem conduzida,
exige sigilo, tempo e paciência, fatores com os quais as Forças Armadas não
irão contar. Até porque, o convênio, firmado entre o governo federal e o do
Estado do Rio, prevê que a intervenção deva durar apenas até 31 de dezembro
próximo, com possibilidade de prorrogação por igual período caso seja
necessário.
Esta, se vier a ocorrer, terá de ser decidida já
pelo novo presidente, Fernando Henrique Cardoso, que nos primeiros dias de
mandato terá outros assuntos com que se preocupar, como a formação de seu
ministério e a composição de alianças que lhe assegure folgada maioria no
Congresso.
Até porque, por mais que o Rio seja importante, FHC
precisará levar em conta os problemas de todo o País, que lhe competirá gerir.
O governador fluminense também será outro, cujo nome vai emergir das urnas na
votação de terça-feira próxima, entre Anthony Garotinho e Marcelo de Alencar.
“Onde está a armadilha aos militares, no caso?”,
perguntaria o leitor. Ocorre que um eventual fracasso em reduzir a violência e
a criminalidade na cidade a níveis toleráveis – sua eliminação está fora de
questão, já que nenhuma metrópole desse porte do mundo conseguiu essa façanha –
não será atribuído ao presidente Itamar Franco e nem a Nilo Batista. Ambos
poderão, como Pilatos, “lavar as mãos” e argumentar que fizeram o que era
possível nas circunstâncias.
Há consenso dentro das Forças Armadas de que é
praticamente impossível que a situação venha a ser resolvida no curto e até
mesmo no médio prazo. Esse caldo de cultura da violência levou anos para chegar
a esse estágio.
O “inimigo” a ser combatido não é nítido, não tem
contorno definido, não é identificável à primeira vista. Nenhum traficante traz
em sua testa o rótulo que o identifique como tal. E a probabilidade maior é que
o verdadeiro “chefão” seja alguém que jamais passou sequer nos arredores de
qualquer morro. É possível que se trate de alguém à prova de qualquer suspeita
e cuja identificação possa ser feita e comprovada apenas um lance muito feliz
do acaso.
Com todas essas dificuldades, convém que a opinião
pública dê um voto de confiança ao general Câmara Senna. E, sobretudo, que os
resultados que forem obtidos com a operação policial sejam complementados com
uma ação social competente, imediata, urgente (urgentíssima!), que faça com que
a população favelada tenha opções que lhe permitam garantir a sobrevivência com
a dignidade a que tem direito, sem ser forçada, como agora, a recorrer à
marginalidade e se tornar devedora de bandidos.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 9 de novembro de 1994).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment