Doações
compulsórias
Pedro J. Bondaczuk
A
doação de órgãos para transplantes é um ato de generosidade, sobretudo de amor
ao próximo e à vida. Traz benefícios óbvios aos que precisam e até satisfaz o
ego de quem doa. É muito bom saber que, mesmo depois de mortos, alguma parte de
nós permanecerá viva por mais algum tempo, ajudando alguém a sobreviver. E para
nós, evidentemente, não fará nenhuma falta.
Contudo,
esta deve ser fruto da manifestação livre e soberana da vontade de cada um. O
Estado --- mera abstração, simples conceito --- não tem o direito de dispor
sobre o nosso corpo. A doação, portanto, não pode ser compulsória, como prevê o
projeto, aprovado no dia 17 passado pelo Senado, e que espera a sanção
presidencial. E por inúmeras razões.
Embora
periodicamente faltem órgãos, esse não é o principal problema enfrentado pelos
centros de transplante do País --- em número bastante reduzido ainda ---
conforme asseguram especialistas da área e com os quais concorda o ministro da
Saúde, Carlos Albuquerque, opositor da doação compulsória.
Doadores
existem, em quantidade até razoável. Faltam equipes especializadas para a
retirada quando estes morrem, que implica em uma série de cuidados, tanto no
que se refere ao momento da remoção, quanto à forma com que esta é feita e
como, ainda, à sua conservação, etc.
É
certo que o projeto estipula salvaguardas para evitar o tráfico de órgãos.
Penaliza, por exemplo, a remoção ilegal (de mortos e vivos) e principalmente a
venda, absolutamente proibida. Mas com lei ou sem ela, esses delitos sempre vão
existir. O problema desse e de outros crimes não é a existência ou não de
legislação, mas a fiscalização. Quem vai fiscalizar? Como?
A
polêmica despertada em torno do assunto, no entanto, é salutar. É uma
oportunidade para conscientizar as pessoas relutantes ou contrárias sobre a
necessidade desse ato generoso e abnegado. E sequer há razões de ordem prática,
moral ou religiosa que impeçam as doações. Muito pelo contrário.
É
certo que o projeto abre a possibilidade para aqueles que por algum motivo ---
por mais tolo que seja --- não concordem em doar coração, rins, fígado, pulmão,
córneas ou seja que parte for do seu corpo (para minorar o sofrimento de um
semelhante) de não o fazerem.
Prevê
que tais pessoas façam constar em sua Cédula de Identidade ou Carteira Nacional
de Habilitação, a expressão "não-doador". Contudo, isso cria um
constrangimento de ordem moral para quem se dispuser a se valer do dispositivo
legal. E outros de caráter prático.
Essas
salvaguardas poderiam ter efeito num país de Primeiro Mundo, onde a população
fosse esclarecida, ou pelo menos alfabetizada. Para a nossa realidade, em que
parcela considerável dos brasileiros sequer atina com o que seja um transplante
e onde há um contingente muito alto de analfabetos e
"indocumentados", dificilmente sua "vontade" seria
registrada. E muito menos respeitada...
(Artigo
publicado no Correio Popular em 17 de abril de 1997).
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