Ídolo nacional apesar
de tudo
Pedro
J. Bondaczuk
O desportista Leônidas
da Silva, cujo centenário de nascimento se comemora neste mês de setembro de
2013 (nasceu no Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1913), foi desses fenômenos
raros no esporte, pelos títulos que conquistou e, principalmente, pela época em
que essas conquistas ocorreram. O leitor talvez estranhe que este redator o
trate de “desportista” e não de jogador de futebol, modalidade em que se
consagrou. Isso, todavia, tem explicação (tudo tem).
Ocorre que, embora a
maior parte de sua carreira tenha se desenvolvido nos gramados, do Brasil e do
exterior, Leônidas brilhou, também, em outro esporte. Ademais, não se limitou a
jogar bola, mas, depois que pendurou as chuteiras, se destacou em outros
setores ligados ao futebol. Foi, por exemplo, “cartola”, tendo sido diretor do
seu último clube, o São Paulo. E, por mais de vinte anos, foi bem-sucedido
comentarista esportivo da Rádio Pan-Americana de São Paulo (atual Jovem Pan),
tendo obtido sete troféus Roquete Pinto, prêmio máximo que então era atribuído,
anualmente, aos melhores do ano à frente dos microfones. Era uma espécie de
“Oscar” do rádio (e, posteriormente, também da televisão, onde Leônidas também
atuou, no caso, na TV Record).
Por esses fatores,
creio que não seja justo ou adequado nomeá-lo, “apenas”, como vitorioso jogador
de futebol (o que, convenhamos, não seria nenhum demérito). Tratarei, no devido
tempo, de cada uma dessas passagens de Leônidas fora dos gramados. Quanto ao
outro esporte em que brilhou, este foi o basquete. Isso aconteceu em 1931.
Nesse ano, nosso personagem, super atleta que foi, quando defendia o
Bonsucesso, além de jogar futebol, fazia parte do quinteto titular do
tradicional clube da zona da Leopoldina, no Rio de Janeiro. E não se limitou a
compor o elenco. Foi campeão de basquete da cidade. Quando teve que optar,
todavia, entre um esporte ou outro, optou, para a felicidade do futebol
brasileiro, pelo chamado esporte das multidões.
Tornar-se ídolo, nos
dias de hoje, não é tarefa tão complicada, quanto era naquela época, que muitos
historiadores classificam, de forma até pitoresca, de “Pré-História”, desse
esporte em que o Brasil se tornou pentacampeão mundial, com chances de
conquistar o hexa em 2014. Muitos “cabeças de bagre” conquistam esse “status”
sem maiores dificuldades, embora com técnica contestável. No tempo em que
Leônidas da Silva começou a jogar bola, e em que se consagrou, tudo era diferente.
Tudo era muito difícil, dificílimo. Não havia, por exemplo, nenhum método de
preparação física, como há hoje.
A medicina esportiva
estava atrasadíssima, na “Idade da Pedra lascada” e contusões simples, que hoje
são curadas em questão de dias ou, no máximo, de semanas, não raro afastavam os
atletas para sempre dos gramados. E o material esportivo, o que dizer dele? Era
para lá de primitivo. Era tosco, ruim, péssimo. As bolas, por exemplo, eram de
couro, costuradas e amarradas. Eram do tal “capotão”, pesadonas, que ficavam
ainda muito mais pesadas quando encharcavam nos dias de chuva. Quanto aos
campos de futebol... eram verdadeiros
pastos, irregulares, esburacados, com grama rala e ruim e mal sinalizados.
Eram, sem exagero, infinitamente piores do que muitos existentes nas raras
várzeas atuais. E há jogadores de hoje que ainda reclamam! Gostaria de vê-los
atuando nesses arremedos de campos nos quais Leônidas da Silva fazia
malabarismos com a bola, como se jogasse na Alienz Arena ou no Camp Nou, ou no
Santiago Bernabeu, perfeitos e ideais tapetes de grama. Não dariam nem para o
começo!
Ainda sobre as bolas,
elemento essencial numa partida de futebol (óbvio), além de mal acabadas, eram
caras e, por isso, raras. Os clubes tinham que zelar por elas, como por um
tesouro, para não ficarem privados desse objeto tão “precioso” e
imprescindível. E o que falar das chuteiras? Nem de longe lembravam as atuais,
leves, sofisticadas e adequadas para todas as necessidades e preferências. Eram
pesadas, apertadas, incômodas e, não raro, instáveis. As próprias regras eram
um tanto diferentes. Não existiam os cartões amarelos e vermelhos. Os árbitros
é que decidiam quando e como advertir os atletas faltosos por jogadas
violentas, que existiam em profusão. E raramente puniam os infratores. Quem
reclamasse, ouviria, invariavelmente: “Futebol é jogo para homem”.
Contusões eram
freqüentes e muitos jogadores promissores tiveram as carreiras precocemente
truncadas pela violência dos adversários. O futebol, minha gente, no tempo em que
Leônidas da Silva despontou para o estrelato, não era nada fácil. Ademais,
havia enorme preconceito racial. Era considerado esporte de elite, destinado,
apenas, para rapazes de boa condição social e econômica, geralmente estudantes
das mais caras escolas particulares do País. Jogadores negros eram raríssimos
e, assim mesmo, atuando em clubes de menor expressão. Além do que, eram alvos
preferenciais da violência dos adversários brancos e os árbitros raramente
puniam, como deveriam, os infratores.
Tanto é verdadeira essa
questão do racismo, que Leônidas da Silva foi um dos primeiros jogadores negros
a vestir a camisa rubro-negra do Flamengo, clube mais popular e de maior
torcida do País. E isso, em 1939!!! Mas o clube da Gávea não teve do que se
arrepender por essa “ousadia”. Com a presença do craque, que então já estava
consagrado por suas atuações na Seleção Brasileira em duas Copas do Mundo (em
1934 e 1938), foi campeão carioca daquele ano. Provavelmente o Flamengo abriu
essa exceção por causa da fama desse jogador. Caso contrário...
Tornar-se ídolo, na
época, mesmo sendo jogador branco, era façanha das mais improváveis. Imaginem
sendo negro! Não havia uma imprensa esportiva como hoje, com todo este aparato
tecnológico e humano que há. O rádio, por exemplo, teve as primeiras
transmissões normais em 1922, no centenário da independência do Brasil. Apenas
nove anos depois, em 18 de julho de 1931, uma partida de futebol seria
transmitida, na íntegra, por esse veículo, que então recém começava a se
popularizar. O autor desse feito foi Nicolau Tuma. A partida transmitida foi um
jogo entre as seleções paulista e paranaense, disputado no Campo da Floresta,
no bairro da Ponte Grande, em São Paulo. Para que o leitor tenha uma idéia da
dificuldade enfrentada por esse locutor esportivo pioneiro, basta dizer que as
camisas dos atletas não eram numeradas, como hoje. Era preciso fazer enorme
malabarismo mental e visual para identificar os jogadores que faziam as jogadas
narradas.
Se o rádio ainda
engatinhava, imaginem a televisão. Era coisa que o brasileiro nem sonhava.
Aliás, duvidava-se que seria possível criar, algum dia, aparelho capaz de
transmitir, simultaneamente, imagens e sons. Mesmo os jornais dedicavam
escassos espaços ao futebol e, assim mesmo, somente aos clássicos envolvendo
grandes clubes. Todavia, a despeito de toda essa precariedade, Leônidas da
Silva tornou-se ídolo nacional. Imaginem se jogasse hoje, com tudo facilitado,
desde equipamento esportivo, aos estádios, preparação física, medicina
esportiva e imprensa especializada! Não duvido nada que colocaria Lionel Messi
no chinelo! Mas... a História não se faz com o “se”...
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