Tuesday, September 17, 2013

Desta vez não haverá tanques

 Pedro J. Bondaczuk
  
As autoridades da Alemanha Oriental estão demonstrando uma falta de visão histórica impressionante, no ensejo em que esse Estado do Leste europeu completa 40 anos de sua fundação. Mais do que isto, mostram total ausência de bom senso.

Mal o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, virou as costas e regressou ao seu país, após ter assistido a esses festejos, e a polícia local começou a reprimir, com inaudita violência, os que desejam mudanças fundamentais nessa sociedade. Frise-se que esses manifestantes não estão propugnando o fim do socialismo. Nem a fusão do país à Alemanha Ocidental.

São pessoas, em geral jovens, que confiam no sucesso do regime. Isto, é claro, desde que ela faça uma correção de rumos. Principalmente no sentido de respeitar o cidadão, razão de ser de todos os países e governos. Que não os reduza à escravidão, sob o pretexto de que aquilo que importa é o “Estado”, uma entidade abstrata, ademais criada pelo próprio homem. Portanto, passiva de erros.

Os que não acreditavam no êxito dessa sociedade nacional – e estes não foram poucos, chegando a mais de 47 mil em menos de um mês – já “abandonaram o barco”. Foram tentar a sorte no Ocidente, num dos maiores êxodos já verificados em qualquer país do mundo nos últimos anos.

E estes descrentes, desencantados, sem nenhuma esperança de êxito do sistema marxista, ainda continuam fugindo. De automóvel, de ônibus, de caminhão, a pé, ou por qualquer outro meio ao seu dispor. Saem aos bandos, deixando para trás praticamente tudo o que possuem (que não deve ser tanta coisa assim).

Partem movidos pelo desespero, quiçá guiados por uma ilusão, de que alhures vão encontrar as oportunidades que não tiveram em sua terra natal. Pode ser que encontrem, mas terão que lutar por elas. Submetem-se a riscos de toda a sorte, atravessando rios profundos e largos a nado, rumo à sonhada liberdade.

Driblam guardas insensíveis e suas mortíferas balas. Arriscam-se a surras e a prisões, pulando muros das embaixadas alemãs ocidentais ao longo de todo o Leste europeu. Isto aconteceu na Hungria. Repetiu-se em Praga, em Varsóvia, em Sofia. E o êxodo não está com nenhum jeito de querer parar.

Enquanto isso, as autoridades alemãs orientais permanecem obcecadas por um dogma que a prática dos últimos 40 anos demonstrou ser equivocado. Recusam-se a se curvar diante das evidências, no secreto sonho de que, como aconteceu antes, em outras oportunidades e países, os tanques soviéticos possam aparecer a qualquer momento, para repor as “coisas em seu lugar”. Para manter burocratas corruptos comodamente no poder. Para devolver ao país as características de um gigantesco presídio, um macrocampo de concentração, onde somente os chefões podem ter vontade. Própria e sobre os demais cidadãos.

Não perceberam ainda que os tempos são outros e que a tristemente célebre era de Leonid Brezhnev já passou. De que de Gorbachev podem receber somente “conselhos”, e de reformas, e nunca mais do que isso.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 10 de outubro de 1989).


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