Desta vez não haverá tanques
As
autoridades da Alemanha Oriental estão demonstrando uma falta de visão
histórica impressionante, no ensejo em que esse Estado do Leste europeu
completa 40 anos de sua fundação. Mais do que isto, mostram total ausência de
bom senso.
Mal o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, virou
as costas e regressou ao seu país, após ter assistido a esses festejos, e a
polícia local começou a reprimir, com inaudita violência, os que desejam
mudanças fundamentais nessa sociedade. Frise-se que esses manifestantes não
estão propugnando o fim do socialismo. Nem a fusão do país à Alemanha
Ocidental.
São pessoas, em geral jovens, que confiam no sucesso
do regime. Isto, é claro, desde que ela faça uma correção de rumos.
Principalmente no sentido de respeitar o cidadão, razão de ser de todos os
países e governos. Que não os reduza à escravidão, sob o pretexto de que aquilo
que importa é o “Estado”, uma entidade abstrata, ademais criada pelo próprio
homem. Portanto, passiva de erros.
Os que não acreditavam no êxito dessa sociedade
nacional – e estes não foram poucos, chegando a mais de 47 mil em menos de um
mês – já “abandonaram o barco”. Foram tentar a sorte no Ocidente, num dos
maiores êxodos já verificados em qualquer país do mundo nos últimos anos.
E estes descrentes, desencantados, sem nenhuma
esperança de êxito do sistema marxista, ainda continuam fugindo. De automóvel,
de ônibus, de caminhão, a pé, ou por qualquer outro meio ao seu dispor. Saem
aos bandos, deixando para trás praticamente tudo o que possuem (que não deve
ser tanta coisa assim).
Partem movidos pelo desespero, quiçá guiados por uma
ilusão, de que alhures vão encontrar as oportunidades que não tiveram em sua
terra natal. Pode ser que encontrem, mas terão que lutar por elas. Submetem-se
a riscos de toda a sorte, atravessando rios profundos e largos a nado, rumo à
sonhada liberdade.
Driblam guardas insensíveis e suas mortíferas balas.
Arriscam-se a surras e a prisões, pulando muros das embaixadas alemãs ocidentais
ao longo de todo o Leste europeu. Isto aconteceu na Hungria. Repetiu-se em
Praga, em Varsóvia, em Sofia. E o êxodo não está com nenhum jeito de querer
parar.
Enquanto isso, as autoridades alemãs orientais
permanecem obcecadas por um dogma que a prática dos últimos 40 anos demonstrou
ser equivocado. Recusam-se a se curvar diante das evidências, no secreto sonho
de que, como aconteceu antes, em outras oportunidades e países, os tanques
soviéticos possam aparecer a qualquer momento, para repor as “coisas em seu
lugar”. Para manter burocratas corruptos comodamente no poder. Para devolver ao
país as características de um gigantesco presídio, um macrocampo de
concentração, onde somente os chefões podem ter vontade. Própria e sobre os
demais cidadãos.
Não perceberam ainda que os tempos são outros e que
a tristemente célebre era de Leonid Brezhnev já passou. De que de Gorbachev
podem receber somente “conselhos”, e de reformas, e nunca mais do que isso.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio
Popular, em 10 de outubro de 1989).
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