De herói da independência a Calígula
moderno
Pedro J. Bondaczuk
Tal como François Duvalier, o "Papa Doc",
que se valendo da prática do culto "vudu" se sustentou perpetuamente
no poder, no Haiti, assim também Francisco Macias Nguema se manteve, desde a independência
do seu país, a Guiné Equatorial, em 12 de outubro de 1968, à testa dos destinos
do seu povo, orçado em 400 mil habitantes, se valendo da feitiçaria para
prolongar seu governo.
E ele estimulava esse mito, afirmando, a todo o
momento: "ninguém pode ferir-me". Era voz corrente que o seu espírito
vagava o país encarnado num tigre, animal legendário para os povos africanos,
já que crêem se tratar de um ser invulnerável.
Entretanto, a sua invulnerabilidade acabou no dia 29
de setembro do corrente ano, quando após um julgamento popular, levado a efeito
nas dependências do antigo cinema de Malabo, a capital do país, Nguema foi
condenado à morte, com mais seis de seus principais assessores e um sobrinho de
dezenove anos e prontamente executado. Não teve, portanto, o mesmo destino e
sorte do ditador haitiano, que conseguiu passar o poder para o seu sucessor e
filho, Jean-Claude Duvalier, o "Baby Doc", sem maiores problemas.
Numa entrevista concedida a Marisa Ares, da Agência
EFE de Notícias e transcrita pela revista "IstoÉ", o ditador africano
disse, textualmente, respondendo à alusão feita pela jornalista, de que houvera
escapado o tigre que ele tinha em casa e que se alimentava com fígados e
corações de presos políticos: "você não sabe o que disse. Este tigre não é
um tigre natural. Ninguém o pode ver. Ele é a minha alma. A alma do único deus
que existe. E este sou eu!!!!"
A população da Guiné Equatorial é tão heterogênea
que se estranha se constitua em um país. As atrocidades de Nguema foram
cometidas sem que os dirigentes do mundo, qualquer que fosse a tendência
política, tenham esboçado qualquer protesto efetivo.
Esse "deus Tigre" justifica o cognome de
"Calígula Moderno" que lhe foi dado pela imprensa, quando se sabe
que, segundo estatísticas da ONU, o ditador foi o responsável pelo extermínio
de 90 mil guineenses (22,5% da população) e que outros 100 mil (25% dos
habitantes) tiveram que partir para o exílio.
Livra-se, assim, a humanidade de mais um dos seus
monstros, criados pelo colonialismo que, como afirma o jornalista Cláudio
Abramo, "explora, mina, come as entranhas do colonizado, viola suas
mulheres, destrói a sua cultura e, quando se vai, deixa o vazio
definitivo". E, no caudal desse vazio, surgem outros monstros
aproveitadores, que emulam, com perfeição, seus horripilantes mestres.
(Artigo publicado na página 3, da "Folha de
Barão", em 8 de dezembro de 1979).
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