Saturday, September 14, 2013

De herói da independência a Calígula moderno


Pedro J. Bondaczuk


Tal como François Duvalier, o "Papa Doc", que se valendo da prática do culto "vudu" se sustentou perpetuamente no poder, no Haiti, assim também Francisco Macias Nguema se manteve, desde a independência do seu país, a Guiné Equatorial, em 12 de outubro de 1968, à testa dos destinos do seu povo, orçado em 400 mil habitantes, se valendo da feitiçaria para prolongar seu governo.

E ele estimulava esse mito, afirmando, a todo o momento: "ninguém pode ferir-me". Era voz corrente que o seu espírito vagava o país encarnado num tigre, animal legendário para os povos africanos, já que crêem se tratar de um ser invulnerável.

Entretanto, a sua invulnerabilidade acabou no dia 29 de setembro do corrente ano, quando após um julgamento popular, levado a efeito nas dependências do antigo cinema de Malabo, a capital do país, Nguema foi condenado à morte, com mais seis de seus principais assessores e um sobrinho de dezenove anos e prontamente executado. Não teve, portanto, o mesmo destino e sorte do ditador haitiano, que conseguiu passar o poder para o seu sucessor e filho, Jean-Claude Duvalier, o "Baby Doc", sem maiores problemas.

Numa entrevista concedida a Marisa Ares, da Agência EFE de Notícias e transcrita pela revista "IstoÉ", o ditador africano disse, textualmente, respondendo à alusão feita pela jornalista, de que houvera escapado o tigre que ele tinha em casa e que se alimentava com fígados e corações de presos políticos: "você não sabe o que disse. Este tigre não é um tigre natural. Ninguém o pode ver. Ele é a minha alma. A alma do único deus que existe. E este sou eu!!!!"

A população da Guiné Equatorial é tão heterogênea que se estranha se constitua em um país. As atrocidades de Nguema foram cometidas sem que os dirigentes do mundo, qualquer que fosse a tendência política, tenham esboçado qualquer protesto efetivo.

Esse "deus Tigre" justifica o cognome de "Calígula Moderno" que lhe foi dado pela imprensa, quando se sabe que, segundo estatísticas da ONU, o ditador foi o responsável pelo extermínio de 90 mil guineenses (22,5% da população) e que outros 100 mil (25% dos habitantes) tiveram que partir para o exílio.

Livra-se, assim, a humanidade de mais um dos seus monstros, criados pelo colonialismo que, como afirma o jornalista Cláudio Abramo, "explora, mina, come as entranhas do colonizado, viola suas mulheres, destrói a sua cultura e, quando se vai, deixa o vazio definitivo". E, no caudal desse vazio, surgem outros monstros aproveitadores, que emulam, com perfeição, seus horripilantes mestres.

(Artigo publicado na página 3, da "Folha de Barão", em 8 de dezembro de 1979).


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