Tuesday, September 17, 2013

Profissionais da solidão

Pedro J. Bondaczuk

A atividade de escritor – antiqüíssima, cuja origem se perde nas brumas do tempo e coincide com a invenção da primeira forma de escrita – é das mais peculiares em todos os sentidos. Esse indispensável (óbvio) agente literário pode ser classificado, entre tantas e outras classificações, como “profissional da solidão”. Sequer é necessário justificar a designação. Trata-se de atividade rigorosamente individual (embora haja muitos livros escritos em parceria, a quatro mãos, que são, no entanto, relativamente raros). O escritor, em seu momento decisivo, o da produção de sua obra, é um sujeito solitário. Tem que ser. O ato de escrever requer solidão, e quanto maior, melhor. Ademais, esta condição, em outro sentido, mais amplo, é um dos seus temas preferenciais, quer em verso, quer em prosa.

“Profissionais da solidão” é, porém, o título do livro de uma escritora multitarefa, de vários talentos cuja designação metafórica de “artista dos sete instrumentos” não é exagerada e lhe cabe como uma luva, acaba de lançar, pela Editora Senac de São Paulo. Refiro-me a Cecília Prada que é, entre outras coisas, ficcionista, dramaturga, historiadora, professora, tradutora, ex-diplomata de carreira e... jornalista. E que jornalista!!! Para que o leitor tenha uma idéia de sua competência nessa função, basta dizer que conquistou o maior prêmio existente no jornalismo brasileiro, o “Esso” de 1980, o que é privilégio de poucos, pouquíssimos profissionais de comunicação. O tema que lhe valeu esse reconhecimento público foi uma série de reportagens, publicada no jornal paulista “Folha de S. Paulo”, intitulada “Menores do Brasil: a loucura nua”, sobre menores internados em instituições psiquiátricas.

Escrever sobre Cecília Prada é tarefa complicada, notadamente para novatos ou para redatores desatentos. Mas e complicação não decorre do fato dela ser, eventualmente, dessas intelectuais “difíceis”, temperamentais ou coisa que o valha. Aliás, muito pelo contrário. A dificuldade está em retratá-la exatamente como ela é, em todas as atividades que exerce ou que exerceu, tantas que são elas (e em todas, com inegável competência e sucesso). Corre-se o risco de, ao esboçar seu perfil, omitir algum detalhe relevante que a torne, aos olhos do leitor, menor do que de fato é. Admiro-a, há tempos, como admiro todos os vencedores. E Cecília é vencedora.

Não a conheço pessoalmente, mas tenho dela as melhores referências. Tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente, quando do lançamento do seu livro “Profissionais da solidão” em Campinas, aqui no Senac da cidade, ocorrido em 13 de setembro de 2013 (ontem). Fui convidado para a noite de autógrafos, no entanto, o convite chegou-me às mãos muito em cima da hora. Não consegui adiar compromissos anteriormente agendados exatamente para esse dia (ou melhor, para essa noite) e perdi a oportunidade de expressar, de viva voz, a Cecília Prada, o quanto a admiro e o quanto respeito sua brilhante trajetória.

Claro que recomendo, sem pestanejar, seu livro. Como é hábito meu, ao tratar de lançamentos, não farei nenhuma sinopse da obra, até para não tirar do leitor o prazer da descoberta. A única pista que me permito fornecer-lhe é o texto utilizado pela própria editora para divulgar a obra: “Em Profissionais da solidão, Cecíçia Prada reuniu artigos sobre Mário de Andrade, João Guimarães Rosa, Cecília Meirelles, Lúcio Cardoso, Euclides da Cunha, Adalgisa Nery, Gilka Machado, Joaquim Nabuco, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, José Lins do Rego, Oswald de Andrade, Marcos Rey, Vinícius de Moraes, Hilda Hilst, Caio Fernando Abreu, Nelson Rodrigues, Lima Barreto, Pedro Nava, Qorpo-Santo, Graciliano Ramos, Antonio Carlos Villaça e Maura Lopes Cançado, abrindo um horizonte literário para todos os apaixonados por literatura”.

Como se vê, guardadas as devidas proporções, Cecília Prada reúne em livro o que venho fazendo há muito tempo neste espaço, posto que não com a mesma propriedade e idêntico talento que essa consagrada autora. Ou seja, trazendo à baila aspectos pitorescos e inusitados da vida e do estilo desses tantos “profissionais da solidão” que o Brasil produz. Faço questão absoluta de conhecê-la pessoalmente. Creio que não faltarão oportunidades para tal, porquanto descobri que essa intelectual multitarefa, nascida na vizinha Bragança Paulista (em 1929) reside aqui, pertinho de mim, na minha cidade, nesta Campinas magnífica e acolhedora.

“Profissionais da solidão” é seu sétimo livro, e o segundo de não ficção. O anterior é “Entre o itinerário e o desejo”, de crônicas, lançado em 2012. As outras cinco obras são todas ficcionais, a saber: “Ponto morto” (1955 – Edigraf São Paulo), “Caos na sala de jantar” (1978, Editora Moderna), “Estudos de interiores para uma arquitetura da solidão” (2004, Editora DBA), “O país dos homens de gelo” (2007, Editora Atlanta) e “Faróis estrábicos na noite” (2009, Editora Bertrand Brasil).

Tenho em comum com Cecília Prada, além do exercício do jornalismo (também ganhei um Prêmio Esso, mas coletivo, integrando equipe de Redação do Correio Popular) sua predileção pelo conto. Em termos de visibilidade (e, sobretudo, de criatividade) não há termos de comparação entre nós. Afinal, seus contos figuram em várias antologias, nacionais e estrangeiras, ao contrário dos meus. Descobri também que, em 1994, ano em que o Brasil foi país-tema na Feira Internacional de Livros de Frankfurt, na Alemanha, seu conto “La Pietá”, traduzido por Kurt Meyer-Clason, foi escolhido para inaugurar o evento, sendo lido em toda a rede de rádio germânica.  Voltarei, certamente, a tratar dessa intelectual, que merece, sobretudo, todo o carinho e admiração dos amantes da boa literatura.


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