Mudanças têm que começar na base
Pedro J. Bondaczuk
A
situação da China, a despeito de toda a repressão e da campanha de atemorização
deflagrada por suas autoridades, está muito longe de ser tranqüila. Afinal, em
determinados dias das manifestações levadas a efeito na Praça da Paz Celestial
de Pequim, no mês retrasado, que foram esmagadas de forma sangrenta, nos dias 3
e 4 de junho passado, houve a participação de quase dois milhões de pessoas.
Ou seja, foram dois milhões de descontentes com seus
governantes e que manifestaram, de público, esse seu descontentamento. É
impossível, por mais que se queira lançar mão de meios de atemorização, mudar
de uma hora para outra a opinião de tanta gente. Mesmo num país que tem 1,1
bilhão de habitantes. Ou seja, onde 2 milhões de indivíduos não significam
muita coisa em termos numéricos.
O presidente norte-americano Woodrow Wilson
observou, com grande argúcia, que “as nações se renovam de baixo para cima e
não de cima para baixo”. Há dez anos, o líder Deng Xiaoping acenou para os
chineses com profundas reformas no regime. Até que chegou a dar início a essas
mudanças, que em determinados momentos chegaram, inclusive, a despertar
entusiasmo no Ocidente e principalmente dentro da própria China.
Mas o dirigente pecou ao não tentar “fazer a cabeça”
das bases. Ou seja, do grosso da população. Daqueles que garantiriam,
seguramente, o sucesso do processo dito renovador. À primeira dificuldade que
apareceu, ao primeiro fracasso que teve que amargar, que foi o surgimento do surto
inflacionário, ele se recolheu. Recuou para a cômoda posição de autoritarismo,
sem admitir concessões ou contestações às suas atitudes.
Celal Nasri observou, certa feita, que “a situação
mundial está atrapalhada assim porque os lobos continuam a pedir garantias
contra os ataques dos cordeiros”. Ou seja, os que se valem da truculência para
impor seus conceitos, não perdem a mania de acusar suas vítimas de serem
“truculentas”. É o que as autoridades chinesas estão tentando fazer agora
perante a opinião pública mundial, sem muito sucesso.
Querem passar por “agredidas”. Afinal, elas foram
flagradas por testemunhas de fora massacrando a sua juventude. E não somente
isso. Soldados do 27º Exército foram filmados por cinegrafistas disparando
loucamente contra civis, aos quais, um dia, juraram defender.
As coisas, portanto, (não somente na China, mas em
toda e qualquer parte) apenas poderão evoluir positivamente se e quando os
lobos pararem de fingir que correm perigo diante de um improvável, para não
dizer impossível, ataque de “perversos” cordeiros! Quando houver sinceridade e
entendimento entre governantes e governados. Quando os processos renovadores,
imprescindíveis para uma sociedade não se esclerosar, nascerem da base e se
expandirem para o topo da pirâmide.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 1º de julho de 1989).
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