Primeiro passo de longa jornada
Pedro J. Bondaczuk
A
África do Sul, sob a gestão de Frederik de Klerk, está iniciando um longo (e
provavelmente carregado de obstáculos) processo de pacificação nacional, com a
concessão, à maioria negra do país (de cerca de 29 milhões de pessoas) de
alguma espécie de direito político. Há quarenta anos, ela não dispõe de nenhum.
Sente-se estrangeira em sua própria terra natal.
Claro
que uma situação dessa espécie teria que ser, como sempre foi, uma perigosa
“bomba de tempo”, sempre em vias de explodir, quando menos se esperar. A
libertação de oito líderes do Congresso Nacional Africano, ocorrida anteontem,
muitos dos quais já tendo cumprido até 25 anos de prisão ou mais, foi um
importante passo rumo à pacificação, embora o principal deles, Nelson Mandela,
ainda permaneça encarcerado.
A
decisão do presidente sul-africano tende a estabelecer, pelo menos, uma base de
confiança entre as partes, para que elas possam negociar seriamente essa
difícil questão. Para quem está de fora, tudo parece muito simples. Mas é
preciso entender a mentalidade da população branca da África do Sul, para se
avaliar corretamente o tamanho e a quantidade de obstáculos a serem superados.
O
Partido Nacional, que governa o país há quatro décadas, é considerado no
exterior como eminentemente racista. Afinal, foi ele que instituiu o perverso
sistema do “apartheid”. No entanto, em termos de minoria racial, em âmbito
interno, é visto como moderado.
A
oposição de extrema-direita é infinitamente mais radical do que ele. E vem
crescendo, de eleição para eleição, na preferência dos brancos. De Klerk terá,
portanto, somente cinco anos para implantar o seu projeto. Dificilmente seu
partido terá nova chance para ao menos suavizar o sistema segregacionista,
fazendo a integração em algumas áreas onde não encontre tanta resistência.
À
primeira vista, pode parecer tempo demais. Mas, reiteramos, não é. Será
preciso, antes de tudo, mudar a mentalidade de cinco milhões de pessoas, que
dispõem de todos os privilégios e detêm todas as prerrogativas do poder
absoluto. Vai ser necessário demonstrar a toda essa gente que a participação
negra na política nacional não representará, necessariamente, a dominação de
uma raça (hoje dominada) sobre a outra (atualmente dominante).
Outro
aspecto a ser ponderado vem da parte do Congresso Nacional Africano. Desde que
o presidente de Klerk dê as provas que o CNA exige, de que haverá negociações
sérias e em pé de igualdade, desta vez, libertando todos os presos políticos
(entre eles Nelson Mandela), suspendendo o estado de emergência em vigor na
África do Sul desde 1986 e com ele todas as odiosas medidas de exceção que o
acompanham e permitindo manifestações pacíficas, sem o recurso da violenta
repressão, essa organização precisa assumir um compromisso público de renunciar
ao terrorismo como estratégia de ação política.
Como
se vê, ainda há muito, mas muito mesmo a ser feito. Mas, desta vez, pelo menos
já se tomou alguma atitude, o que é um bom começo.
(Artigo
publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 17 de outubro de
1989).
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