A obra-prima de Richard
Wagner
Pedro
J. Bondaczuk
A ópera “Parsifal”, de
Richard Wagner, obra a que deu o tratamento de solene festival sagrado,
composta em três atos, é empolgante,
inquietadora, mística e mágica, seja qual for o sentido que se empreste à
palavra “magia”. É, certamente, a composição wagneriana que causa maior impacto
e a mais profunda das impressões, mesmo no leigo que nada entenda do gênero ou
que deteste o compositor por sua vida irregular e marcada por atos no mínimo
contestáveis, quando não condenáveis.
Considero sua
obra-prima e desconfio que ele também a tenha considerado assim, embora nunca
tenha manifestado esse tipo de preferência por nenhuma peça (e notadamente por
esta) das tantas que compôs. Não peça a nenhum artista que expresse predileção
por nenhuma produção específica, principalmente se sua obra for vasta, copiosa
e revolucionária, como a de Wagner, pois este dificilmente manifestará este
tipo de escolha. Pode até preferir alguma, por razões pessoais, mas manterá
essa preferência em segredo, sem explicitá-la de público.
Muito leitor me
questiona pelo fato de eu haver concentrado meu foco na vida desse compositor,
em detrimento de sua obra. Calma, pessoal, tratarei da questão no seu devido
tempo. Outros tantos estranham o fato de eu haver mencionado, apenas,
“Parsifal” e seu complemento, “Lohengrin”, entre suas composições, como se ele
tivesse composto apenas essas duas óperas e nada mais. Não é o caso, claro. Mas
mesmo que tivesse produzido só estas duas obras, já seria digno da reverência
que os amantes da boa música lhe tributam, pela genialidade dessas produções.
Sua obra operística, porém, é vastíssima. Poderia separar pelo menos dez e
haveria divisão, na mesma proporção, entre os que tentassem definir qual foi
sua obra-prima. Todas as dez teriam votos e todas essas opções seriam válidas e
refletiriam bom gosto.
Num rápido exercício de
memória, cito algumas óperas fundamentais de Wagner, cada qual com suas
virtudes temáticas e musicais. Estão, neste caso, “As fadas”, “Amor proibido”,
“Rienzi, o último dos tribunos”, “O navio fantasma”, “Tanhauser”, “O anel do
Nibelungo”, “Tristão e Isolda”, “Os mestres cantores de Nuremberg” e obviamente
“Parsifal”. Qualquer dessas peças que for apontada como sua obra-prima não fará
feio. São todas geniais, fascinantes, deslumbrantes e dignas de qualquer outro
adjetivo de excelência que se queira usar que não haverá nenhum exagero.
Da minha parte, longe
(muito pelo contrário) de fazer qualquer restrição às composições citadas,
considero “Parsifal”, de longe, a melhor. É questão de gosto. Aliás, não sou o
único a optar por essa ópera. Milhões de apreciadores, mundo afora, têm a
mesmíssima opinião. Magnífico, por exemplo, é o primeiro ato desta saga mística
e mágica, incluindo, claro, seu prelúdio, em que o autor manifesta,
praticamente, o “leitmotiv”, ou seja, o tema condutor do enredo, interligando,
sutilmente, os temas, um a um, como o da “Ceia sagrada”, o do “Santo Graal”, o
da “Fé”, para desembocar no da “Lance”, com seu suspense e carga dramática.
A famosa “Marcha
Nupcial”, que praticamente todas as pessoas mundo afora já ouviram ser
executada em algum casamento, (e que não têm a mínima noção que se trate de
criação de Wagner), faz parte da ópera que é uma espécie de sequência de
“Parsifal”, no caso, “Lohengrin”, que, todavia, foi composta antes. Não há
quem, ouvindo as composições desse gênio, sem saberem nada a respeito de sua
vida, não as aprecie. Elas atraem, magnetizam, entusiasmam e inspiram.
A linha melódica de
“Parsifal” mantém um clima de tensão do início ao fim, com frases musicais
dramaticamente ascensionais, seguidas de longas pausas, que fazem
surpreendentes contrastes. Não é necessário, reitero, que se entenda de ópera,
ou sequer de música, para sentir a inquietação, a grandiosidade e,
principalmente, a magia contida nessa magnífica composição. É como se
testemunhássemos místicos e secretos rituais. Sem nos apercebermos, damos asas
à imaginação e nos compenetramos do sentimento que teria dominado aqueles
lendários cavaleiros medievais encarregados da guarda do Santo Graal contendo,
supostamente, o sangue de Cristo.
É bem possível que
Wagner tenha vivido somente para poder concretizar o sonho de perpetuar, artisticamente (e põe arte
nisso) aquela belíssima tradição. Afinal, trabalhou por quase três décadas
(quase metade de sua vida) nessa ópera. Não se dedicou, em tempo integral, a
ela, claro. Interrompeu o trabalho inúmeras ocasiões, às vezes, até, por vários
anos, para fazer outras tantas coisas. Certamente, em tantas e tantas
oportunidades, deve ter mentalizado quão grandes eram suas limitações para
desenvolver tema tão grandioso e da forma como planejou. E deve, por
conseqüência, ter deixado passagens inteiras amadurecendo, fermentando, tomando
forma em seu espírito perfeccionista, na esperança de que, com o tempo,
encontraria a linguagem exata para expressar toda a magia que pretendia passar
para as notas musicais. Se ficou satisfeito ou não com o resultado é impossível
de saber (presumo que não ficou). Mas que “Parsifal” é a obra-prima de Wagner
não tenho a mais remota ponta de dúvida.
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