Livro reacende
polêmicas sobre Wagner
Pedro
J. Bondaczuk
As polêmicas, em torno
da vida e da obra do compositor Richard Wagner – que nunca, desde quando ele
era vivo, desapareceram da imprensa – estão mais acesas do que nunca, quer nos
meios de comunicação europeus, quer políticos, quer no âmbito exclusivamente musical.
Era de se esperar que isso ocorresse, especialmente em 2013, com o passagem do
bicentenário de seu nascimento. O foco principal dos debates continua sendo
(como sempre) seu suposto anti-semitismo, em decorrência de um único (mas
desastrado) ensaio, em que investe contra a influência (a seu ver perniciosa)
dos judeus na música alemã.
É certo que ele teve
muitas oportunidades de se retratar, mas não o fez. Em vez disso, revisou o
malfadado texto e republicou-o, com novas acusações e impropérios contra
compositores dessa etnia. Todavia, na prática, como ressaltei em um dos meus
textos a propósito, Wagner nunca mostrou que nutrisse preconceito contra os
judeus. Pelo contrário, associou-se com muitos deles ao longo de sua
turbulenta, mas vitoriosa carreira. Ademais, não há nenhuma outra evidência,
além do infeliz ensaio, em suas duas versões, que comprove seu tão propalado
anti-semitismo.
Agora, uma nova
biografia desse polêmico personagem, lançada há pouquíssimos dias na Alemanha,
vem colocar mais “lenha na fogueira”, reabrindo os debates em torno do
pensamento, da obra, do comportamento e da personalidade dessa tão
controvertida figura. Trata-se do livro de Sven Oliver Müller, cujo título em
alemão é “Richard Wagner und die Deutschen. Eine Geschichste Von Hass und
Hingabe”, que pode ser traduzido como “Richard Wagner e os Alemães. Uma
história de ódio e fervor”. Trata-se de relato sumamente negativo à imagem e à
memória do compositor nascido em Leipzig. É um perfil talvez até mais
contundente do que a opinião de contemporâneos desse personagem, aqueles que
foram supostamente prejudicados de alguma forma por ele, ou por não pagar
alguma dívida, ou por roubar-lhe a mulher ou por qualquer outro ato pessoal da
mesma ou de maior gravidade.
Sven escreve, entre
tantas outras coisas, algo que é para lá de óbvio: “Wagner, ou se adora, ou se
detesta, tanto pela música, quanto pela própria pessoa”. Ele, que tanto bate na
tecla do alegado anti-semitismo do compositor, que investe contra o que entende
ter sido “preconceito racial” da figura enfocada, se mostra, por seu turno,
sumamente preconceituoso. Escreve, com todas as letras, a propósito de Wagner:
“Como homem foi um ser monstruoso”. Como você pode dizer isso a propósito de
alguma pessoa com a qual não conviveu, de quem não foi contemporâneo, baseado,
apenas, em versões que colheu a seu respeito?! Eu não diria isso de ninguém, a
menos que tivesse provas irrefutáveis a propósito, as que ele certamente não
tem.
Que Wagner foi,
digamos, um trapalhão, que não foi nenhum primor em termos éticos e morais, que
enganou muitas pessoas, lesou tantas outras e manipulou muitas delas até as
biografias que lhe são mais favoráveis sugerem. Mas daí a classificá-lo como
“ser monstruoso” não esconde, na minha modesta interpretação, claro, evidente,
cristalino, ostensivo e odioso ranço de preconceito, além de se constituir em
imenso exagero. Reitero: eu não diria isso de ninguém.
Boa parte do rancor dos
adversários contemporâneos do polêmico compositor deve-se ao fascínio que o ditador
nazista Adolf Hitler tinha por sua música. E não somente isso, mas,
principalmente, pelo pretenso anti-semitismo de Wagner – que Sven se apressa em
classificar de “comprovado” com base somente em duas versões de um mesmo ensaio
– o que teria “inspirado” o hediondo líder nazista a planejar e executar o
pavoroso “Holocausto”. Uma coisa como essa não me convence e não me entra na
cabeça; Quer dizer que se Hitler não conhecesse a biografia de Wagner e não
gostasse tanto da sua música, não teria determinado o extermínio dos judeus?!!
Ora, ora, ora.
Frise-se que o ditador
nazista não conheceu o polêmico compositor pessoalmente e nem poderia ter
conhecido. Por que? Simplesmente porque nasceu seis anos depois da morte de
Wagner. É certo que conheceu os descendentes dele, seus filhos e nora. É certo
que Hitler era freqüentador assíduo dos festivais de Bayreuth, que mantinham (e
ainda mantêm) viva a obra do genial músico. Mas que culpa este tem?
Raciocinemos. Caso as
idéias que tenho (e que busco expor com a máxima clareza) um dia, daqui 50 anos, venham a cair em mãos de algum
monstro, como o líder nazista, e este interpretá-las distorcidamente e usá-las
como pretexto para cometer atrocidades, a responsabilidade será minha?!! Mas
como!!! A julgar, porém, pela opinião de
Sven Müller, eu seria o responsável, seria “cúmplice” dos crimes mais horríveis
que viessem a ser praticados (à minha revelia), cinco décadas após minha morte,
caso essa desgraça acontecesse. Ele escreveu a propósito: “O que é relevante em
Wagner não é o que fez em vida, mas como ele influenciou e continua a
influenciar a Alemanha e os alemães, que a cada duas décadas mudam a sua
perspectiva sobre ele e a sua música, atualizando sempre a sua interpretação de
gênio”.
Prefiro ficar com a
sensata opinião de um leitor, que escreveu o seguinte a propósito do livro de
Sven Müller, na matéria a respeito publicada pelo jornal espanhol “El Mundo”:
“Seria bom que ficássemos com a música do compositor. Noto uma tendência bem
marcada dos meios de comunicação de adjetivar, de associar uma coisa com outra.
É uma falácia por parte dos jornalistas, um estratagema para manchar a
reputação alheia. É como quando querem manchar o prestígio da Igreja porque um
católico tenha feito tal e qual coisa (a maioria das vezes falamos de calúnias
e injúrias). Daniel Baremboim (maestro judeu) soube separar a música da
ideologia. Temos que tomar este exemplo e não estar repetindo sempre as mesmas
coisas. O racismo é algo ruim, seja de um branco em relação a um negro ou
vice-versa. ‘O anti-semitismo é um absurdo’, disse um convertido argentino.
Ninguém reivindica as teorias raciais de Rosemberg ou as Leis de Nuremberg.
Simplesmente digo que devemos adotar uma atitude de superação, como a do
diretor de orquestra judeu que, tocando Parsifal, reuniu crianças judias e
palestinas. Este é o caminho a seguir”. Precisa acrescentar mais alguma coisa?
Claro que não!
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