Resultado
feliz de uma angústia contínua
Pedro J. Bondaczuk
A
ação é a forma prática (e única) de concretizar sonhos, planos e idealizações,
que não se materializam por si sós, como num passe de mágica. Isso me parece
para lá de óbvio, embora, na prática, muitos pareçam não acreditar. Fiam-se,
por exemplo, na “vocação” para serem bem sucedidos no que lhes pareça sua
aptidão natural. Esta é importante, sem dúvida, desde que, todavia, aprimorada,
aperfeiçoada e, sobretudo, posta em exercício. Se eu for vocacionado para
determinada atividade, mas não desenvolver essa tendência inata, ela será
absolutamente inócua. Não tardará a estiolar, murchar e, se não desaparecer,
permanecerá apenas latente, sem resultar em coisa alguma.
Fala-se,
amiúde, em talento. Este, todavia, para gerar resultados, por mínimos que
sejam, a exemplo da vocação (há quem ache essas duas condições sinônimas,
embora não sejam), tem que ser exercido. E não aleatoriamente, sem regras, rumo
ou direção. Tem que ter destino definido. Para isso, no entanto, precisa ser
burilado, consolidado, direcionado corretamente e... só então posto em prática.
Caso contrário, não irá gerar nada de prático. É necessário que exercitemos
vocação e talento, se os tivermos, o que exigirá de nós esforço, dedicação,
aplicação e muita e rigorosa autodisciplina. E, mesmo assim, não há qualquer
certeza de que seremos bem sucedidos. Nunca há! Mas, sem esses fatores, o
fracasso é certo, ou, apelando para o superlativo, é certíssimo.
O
trabalho – seja de caráter material ou intelectual – sem objetivo definido e factível, sem método,
conhecimento, constância e persistência se transforma em esforço inútil e
frustrante, em mero desperdício de energia e de tempo. Não nos leva a lugar
algum, se não à exaustão e ao fim e ao cabo, à frustração. A dobradinha
perfeita para as pequenas e grandes realizações é idealizar, depois planejar e
se organizar da melhor maneira possível,
mas depois “agir”. É a única forma racional para trazer a idealização
para o terreno concreto, que não seja o de mero sonho. A idealização, sem a
ação, mês,o cumprindo todos os requisitos que citei, perde qualquer sentido.
O
jornalista e pastor norte-americano Frank Crane observa, a propósito, que “o
aperfeiçoamento moral nasce de uma união harmoniosa entre o trabalho prático e
a cultura do ideal”. Isso exige de nós, porém, estudo, preparo, persistência e
muita autodisciplina, sobretudo no sentido de pôr em prática o que nos leve a
esse estado de melhoria, de evolução, de progresso espiritual (que tende a
redundar em benefícios materiais).
Poucas
atividades exigem tanto de nós quanto a de escritor. E há menos ainda que
proporcionem menores resultados práticos (e isso quando produz algum) do que a
dedicação integral à literatura. Podemos ter êxito nas letras sem contarmos com
vocação? Entendo que sim, embora o caminho seja muito mais árduo. É possível
obter sucesso nessa atividade sem que tenhamos talento para tal? Minha resposta
é igualmente positiva. Mas jamais chegaremos a algum lugar se não formos
determinados, observadores, disciplinados, aplicados ao estudo e à pesquisa e,
principalmente, se não agirmos, se não nos exercitarmos, se não escrevermos
continua e exaustivamente, com método, organização e persistência e sem
esperarmos resultados imediatos, que dificilmente virão. Talvez nem venham em
momento algum. É um risco de que devemos estar conscientes o tempo todo. .
Rara
é a atividade que exige tanto de nós como a literatura. Ela não depende,
apenas, da técnica, da disciplina, do conhecimento, da observação etc.etc.etc.
Temos que empenhar, nela, não somente raciocínio, mas, principalmente, nossas
mais profundas emoções. Não podemos ter nenhum pudor em nos desnudar,
espiritualmente, diante do público, se objetivarmos obter credibilidade e
emprestar um mínimo de verossimilhança aos nossos textos.
Afinal,
o que vem a ser, em última análise, a atividade literária? Do que se alimenta?
Basicamente, seu arcabouço temático é formado por mitos, intrigas e metáforas,
transformados em enredos e em lições positivas e/ou negativas elaboradas pela
imaginação, como observou, em certa ocasião, o filósofo e escritor francês,
Paul Ricoeur. Aquilo que mais nos dói, o que mais nos incomoda e machuca, o que
nos causa revolta e não raro asco, e que gostaríamos de sequer pensar, é
justamente, se formos competentes e preparados em manipular essa incômoda
“matéria-prima”, o que gera os melhores textos e, por conseqüência, livros com
potencial de se tornarem best-sellers. Para Ricoeur, são esses ingredientes,
“tecidos” pela imaginação, que dão “forma à experiência humana”.
O
escritor tem que ser forte, pelo menos do ponto de vista psicológico. Em vez de
fugir da angústia, tem que cultivá-la o tempo todo e, principalmente, tornar
suas as angústias alheias. Compete-lhe entender e relatar os mistérios da alma,
contando, para isso, como parâmetro de aferição, com o que se passa na sua. Tem
que pesquisar e entender as paixões que movem este estranho animal, com
capacidade de entender o que o cerca e de comunicar esse entendimento a
terceiros, que é o homem. Se quiser ter alguma chance de sucesso, tem que
tentar compreender e lidar com todas paixões, das mais degradantes às mais
sublimes.
Não
posso deixar de concordar, pois, com o poeta Carlos Drummond de Andrade quando
observou, com rara sensibilidade, que a “obra de arte é o resultado feliz de
uma angústia contínua”. E a Literatura, afinal, é uma forma de arte, das mais
refinadas e complexas e, ademais, das menos compensadoras.
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