Wednesday, May 10, 2017

Tônica dos debates surpreende



Pedro J. Bondaczuk



A recém-finda 19ª Conferência Extraordinária do Partido Comunista da União Soviética surpreendeu e chocou a opinião pública mundial. No entanto, essa surpresa e esse choque foram no sentido positivo. A maioria dos observadores políticos do Ocidente (inclusive nós) esperava que a reunião fosse como as demais, realizadas desde 1917, pelo PC. Ou seja, uma sucessão de discursos chatos, enfadonhos e vazios, meros monólogos caracterizados pela monotonia e por lugares-comuns. E votações na base do boizinho de presépio.

No entanto, o que aconteceu, na verdade, ficou muito além das melhores expectativas do analista mais otimista que se possa conhecer. Superou, em muito, a mais fértil das imaginações. O responsável por essa mudança, como ademais, por todas as outras que vêm acontecendo na superpotência oriental, foi ele, Mikhail Gorbachev, o líder mais polêmico, e respeitado, da atualidade.

O dirigente não se ateve ao seu discurso inicial, vigoroso e enfático, repleto de novas propostas, feito na abertura dos trabalhos, como faziam seus truculentos antecessores. Estimulou, e participou, de acalorados debates com delegados contrários às suas idéias, tentando convencer os recalcitrantes, e não, como antes, exigindo unanimidade a poder de ameaças.

Parecia mais um deputado ocidental do que um líder soviético. Disse, para que todos ouvissem, que a população, finalmente, estava “aprendendo a dizer a verdade”. Desmistificou as lideranças anteriores, que viviam tapeando o povo e que, com isso, levaram o país a um impasse.

Se as reformas que Gorbachev propôs vão, ou não, dar certo, é uma outra conversa. Apenas o tempo poderá dizer. Mas estava evidente demais para qualquer observador atento, mesmo que à distância de milhares de quilômetros da União Soviética, que o seu sistema estava emperrado, caduco, ineficiente e, sobretudo, caracterizado pela falsidade e pela corrupção.

Todo o cidadão desse país sabia disso, embora fingisse não saber. A burocracia incompetente e burra sempre foi, inclusive, motivo de anedotas para os russos. Contadas, é claro, somente nos círculos de confiança, para que quem aas contava não tivesse que dar explicações para a onipresente KGB, com seus métodos medievais e que, pelo visto, ainda acredita estar acima do bem e do mal.

É claro que a Perestroika e a sua irmã-gêmea, a glasnost, (que significa abertura, transparência, limpidez), não podem ser implantadas em uma sociedade caracterizada pelo imobilismo, da noite para o dia. Por isso, Gorbachev advertiu os apressados demais, deixando implícito que a pressa é inimiga da perfeição, o que, embora óbvio, não é claro para todos. Há, afinal, gente de todo o tipo. E alienados não faltam. Mas o primeiro passo foi dado. Resta esperar, somente, que a longa caminhada não se restri9nja, apenas, a ele.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 2 de julho de 1988).



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