Tônica dos debates surpreende
Pedro J. Bondaczuk
A
recém-finda 19ª Conferência Extraordinária do Partido Comunista
da União Soviética surpreendeu e chocou a opinião pública
mundial. No entanto, essa surpresa e esse choque foram no sentido
positivo. A maioria dos observadores políticos do Ocidente
(inclusive nós) esperava que a reunião fosse como as demais,
realizadas desde 1917, pelo PC. Ou seja, uma sucessão de discursos
chatos, enfadonhos e vazios, meros monólogos caracterizados pela
monotonia e por lugares-comuns. E votações na base do boizinho de
presépio.
No entanto,
o que aconteceu, na verdade, ficou muito além das melhores
expectativas do analista mais otimista que se possa conhecer.
Superou, em muito, a mais fértil das imaginações. O responsável
por essa mudança, como ademais, por todas as outras que vêm
acontecendo na superpotência oriental, foi ele, Mikhail Gorbachev, o
líder mais polêmico, e respeitado, da atualidade.
O dirigente
não se ateve ao seu discurso inicial, vigoroso e enfático, repleto
de novas propostas, feito na abertura dos trabalhos, como faziam seus
truculentos antecessores. Estimulou, e participou, de acalorados
debates com delegados contrários às suas idéias, tentando
convencer os recalcitrantes, e não, como antes, exigindo unanimidade
a poder de ameaças.
Parecia
mais um deputado ocidental do que um líder soviético. Disse, para
que todos ouvissem, que a população, finalmente, estava “aprendendo
a dizer a verdade”. Desmistificou as lideranças anteriores, que
viviam tapeando o povo e que, com isso, levaram o país a um impasse.
Se as
reformas que Gorbachev propôs vão, ou não, dar certo, é uma outra
conversa. Apenas o tempo poderá dizer. Mas estava evidente demais
para qualquer observador atento, mesmo que à distância de milhares
de quilômetros da União Soviética, que o seu sistema estava
emperrado, caduco, ineficiente e, sobretudo, caracterizado pela
falsidade e pela corrupção.
Todo o
cidadão desse país sabia disso, embora fingisse não saber. A
burocracia incompetente e burra sempre foi, inclusive, motivo de
anedotas para os russos. Contadas, é claro, somente nos círculos de
confiança, para que quem aas contava não tivesse que dar
explicações para a onipresente KGB, com seus métodos medievais e
que, pelo visto, ainda acredita estar acima do bem e do mal.
É claro
que a Perestroika e a sua irmã-gêmea, a glasnost, (que significa
abertura, transparência, limpidez), não podem ser implantadas em
uma sociedade caracterizada pelo imobilismo, da noite para o dia. Por
isso, Gorbachev advertiu os apressados demais, deixando implícito
que a pressa é inimiga da perfeição, o que, embora óbvio, não é
claro para todos. Há, afinal, gente de todo o tipo. E alienados não
faltam. Mas o primeiro passo foi dado. Resta esperar, somente, que a
longa caminhada não se restri9nja, apenas, a ele.
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 2 de
julho de 1988).
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