Mania
de ter manias
Pedro
J. Bondaczuk
As pessoas dotadas de grande
capacidade de apreensão da realidade (que são raras) formam, com
facilidade, juízo sobre fatos e indivíduos que as cercam.
Desenvolvem, por conseqüência, aguçado senso crítico. Opinam
sobre tudo e sobre todos e nem sempre conseguem manter o desejável
equilíbrio. (Essa introdução está me parecendo bastante familiar.
Ah, sim, já fiz essa mesma afirmação, ou algo parecido, em outra
crônica. Não importa! Afinal, tanto o jornalismo, quanto a boa
literatura, são reiterativos).
Há opiniões, todavia,
que o bom-senso recomenda que guardemos somente para nós, até
porque, sua divulgação traria mais mal do que bem. Não construiria
nada e ainda poderia nos expor a represálias. Estes críticos
afoitos e desatinados, muitas vezes, partem para destemperos verbais
sem sentido, para provocações gratuitas, quando sua intenção,
sequer, é de confronto, mas de marcar posição.
Como todo o indivíduo normal
tem amor próprio, e não suporta ser criticado, vem a reação. E
esta nem sempre é civilizada, dependendo de quem seja o criticado.
No meu caso, costumo responder a essas provocações (intencionais ou
não) com a poderosa arma da ironia. E a estratégia sempre funciona.
Desestabiliza o crítico e deixa-o na defensiva.
Uma das coisas que mais
criticam, em minhas atitudes, são as minhas supostas “manias”.
Trata-se de questão de mero ponto-de-vista, de simples
interpretação. Por exemplo, sou um sujeito metódico e procuro
fazer tudo sempre igual (ou quase sempre), no que se refere àqueles
atos mecânicos pós-despertar. Acordo, invariavelmente, no mesmo
horário, não importa o dia da semana, e sigo um ritual só meu,
particular, que é uma espécie de distintivo que me caracteriza.
Ao pôr os pés fora da cama
(sempre o direito na frente), faço uma breve oração mental,
agradecendo a Deus pela noite de sono que me proporcionou e pela
oportunidade de contar com um novo dia, novinho em folha, virgem
ainda, para ser conquistado. Tiro dois minutos para meditação (nem
mais e nem menos), nos quais recito um mantra que, mesmo o fazendo há
anos, ainda causa espanto na mulher e nos filhos. Acham que estou
maluco. Paciência!
Não tomo nenhum desjejum.
Antes mesmo de fazer a higiene pessoal, bebo uma xícara de café bem
forte, com pouco açúcar (quase amargo de todo) e dirijo-me para meu
gabinete de trabalho. Confiro os e-mails recebidos, anoto na agenda
os que deva responder, envio aos sites e blogs com os quais colaboro
os textos do dia, editados na noite anterior, posto minha crônica e
reflexão do dia no “O Escrevinhador”, o mesmo pensamento gravo
em minha página do Facebook acompanhado de entusiástico “bom dia”
(ou boa tarde) e atualizo meu diário, com o que me ocorreu no dia
anterior.
Só depois de cumprir todo
esse ritual é que faço minha higiene pessoal. Escovo os dentes
debaixo do chuveiro (sempre em temperatura bem quente, quase pelando,
tanto no inverno quanto no verão), cantando, invariavelmente, a
mesmíssima canção, com o meu vozeirão grave (afinal, fui por
décadas locutor de rádio) e desafinado. Também, nunca tive a
pretensão de ser cantor. Nem poderia. O pessoal aqui de casa
interpreta essas ações como “manias”. Eu interpreto-as como
método. Não, amigo leitor, não sou maníaco, sou metódico.
É verdade que tenho algumas
esquisitices, algumas idiossincrasias, algumas atitudes
pouco-convencionais. Bem, chamemo-las, estas sim, de manias. Que
seja! Mas não são nada graves e nem motivos para minha internação
em algum hospício. Por exemplo, guardo fósforos usados na caixa,
junto com os que ainda não usei. E daí?! Leio os jornais do dia
(nunca menos de cinco), na mesma hora, na mesma poltrona e no mesmo
cômodo. O que há de anormal nisso?
Outro dia, quando a mulher
veio me dizer que, à medida que envelheço, estou ficando mais
maníaco, respondi-lhe recitando a letra do samba-canção “Manias”,
do Flávio Cavalcante (aquele do programa “Um instante maestro”,
da extinta TV Tupi), popularizada, primeiro, na voz de Francisco
Alves (o Chico Viola), e depois, sucesso de público e de vendas de
Nelson Gonçalves e de Altemar Dutra, e que diz:
“Mania é coisa que a
gente tem, mas não sabe porque.
Mania de querer bem, às
vezes de falar mal,
mania de não deitar sem
antes ler o jornal.
De só entrar no chuveiro
cantando a mesma canção,
de só pedir o cinzeiro
depois da cinza no chão.
Eu tenho várias manias,
delas não faço segredo,
quem pode ver tinta fresca
sem logo passar o dedo?
De contar sempre aumentado
tudo o que diz ou que fez,
de guardar fósforo usado
dentro da caixa outra vez.
Mania
é coisa que a gente tem mas não sabe porque.
Dentre
as manias que eu tenho uma é gostar de você”.
Essa mania de decorar letras
inteligentes do cancioneiro popular brasileiro (uma das poucas que
admito ter), na verdade, trouxe-me uma gratíssima e inesperada
compensação. Ganhei um apaixonado beijo da mulher que amo e, de
lambuja, uma tórrida noite de amor. Mas esse desfecho prefiro
guardar só para mim. Maníaco, eu?! Ora, ora, ora, é intriga da
oposição!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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