Feri-me, mas me curei
Pedro J. Bondaczuk
As cicatrizes são as
verdadeiras medalhas que atestam o mérito de um guerreiro. Onde quer
que vá, estão com ele. Não as retira nem quando se despe para
banhar-se ou para dormir. Estão estampadas em sua pele.
Acompanham-no vida afora a atestarem que se feriu, porquanto lutou,
mas que teve forças para se curar.
Sei que a metáfora é um
tanto inadequada, ainda mais levando em conta que sou absolutamente
avesso a qualquer tipo de violência. O “guerreiro” a que me
refiro não é, pois, o sujeito que, de armas na mão, investe contra
outra pessoa num campo de batalha, tentando matá-la para não ser
morto. Oponho-me a qualquer guerra, mesmo as eufemisticamente
classificadas como de “defesa”. Afinal, quando um não quer, dois
não brigam.
Essas explosões de ódio e de
violência já causaram inúmeras desgraças, História afora.
Resultaram na morte de milhões de pessoas, a maior parte das quais
inocentes, apenas para satisfazer a ambição e a sede de poder de
tiranos. A esse tipo de guerra abomino, e irei abominar enquanto
existir.
O guerreiro a que me refiro,
porém, é quem luta pela vida. Sou eu, é você, são seus amigos e
conhecidos etc. São os que todas as manhãs, saudáveis ou doentes,
dispostos ou indispostos, alegres ou tristes, saem de casa em busca
do sustento, do sucesso e da felicidade.
Esta é uma guerra sem fim,
que atravessa gerações e que se repete sempre, ano após ano,
século após século, milênio após milênio, posto que com novos
personagens e cenários bastante diversos. Sua maior batalha,
portanto, é a da sobrevivência. Contudo não a qualquer custo, mas
com honra e dignidade.
É uma luta às vezes insana,
em que nos vemos muitas vezes confrontados com situações críticas
e aflitivas, que surgem à nossa revelia, sem que tenhamos a menor
condição de prever. E não raro nos ferimos com maior gravidade nas
circunstâncias aparentemente mais inocentes, triviais e
potencialmente menos perigosas, tomados, que somos, de surpresa,
inertes e indefesos.
Ora esses ferimentos vêm, por
exemplo, de pessoa que amamos sem restrições, que acreditávamos
nos fosse leal e fiel e que, no entanto, nos apunhala pelas costas,
desmerecendo nossa confiança. E como isso dói!
Trata-se de situação das
mais comuns e nem assim conseguimos nos prevenir para elas. Ora esses
ferimentos provêm, por outro lado, de algum amigo, desses que
estimamos como a um irmão, em cujas mãos seríamos capazes de
depositar nossas vidas e que, no entanto, nos trai, sem essa ou mais
aquela, não raro por míseros “trinta talentos” (como Judas fez
com Jesus Cristo).
Muitas dessas feridas não
cicatrizam jamais. Permanecem abertas, em carne viva, doendo e
sangrando e não raro arruínam uma vida. Claro que não podemos ser
sensíveis a esse ponto. Os que se deixam abater por circunstâncias,
como essas, jamais ostentarão as medalhas do bom combate,
representadas pelas cicatrizes. Não foram fortes para se curar.
Perderam uma batalha e deram a própria guerra por perdida. Os
consultórios de especialistas estão abarrotados de gente assim, que
se feriu e não soube como se curar.
Há, por exemplo, quem jamais
volte a amar, condenando-se à perpétua solidão. Há quem não
confie em mais ninguém, tornando-se arredio, brusco e hostil e
espantando todos ao seu redor, inclusive quem poderia lhe prestar
amparo e auxílio. São atitudes até compreensíveis, embora nada
pragmáticas e, sobretudo, autodestrutivas.
Não há demérito algum em
cair. Há, porém, quando não temos forças ou não sabemos como nos
levantar. A vida não é constituída de um só dia e nem de um único
episódio. O fracasso de hoje, pode se constituir no sucesso de
amanhã (e vice-versa).
Compete-nos adquirir
maleabilidade. É prudente sempre termos alternativas, um “Plano B”
por exemplo, na eventualidade do fracasso do que planejávamos (não
importa se um relacionamento afetivo estável, uma atividade
profissional para a qual nos preparamos com afinco por anos ou a
concretização de um sonho que estava em nossas mãos e nos escapou
por entre os dedos).
Há um poema belíssimo, de
Rabindranath Tagore, cujos versos finais dizem:
“Quando eu estiver
contigo no fim do dia
poderás ver as minhas
cicatrizes,
e então saberás que eu
me feri
e também me curei”.
Seja, pois, o guerreiro do
cotidiano que, quando ferido, saiba se curar e ostentar, com orgulho,
a medalha indestrutível das suas cicatrizes.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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