Friday, May 26, 2017

Privatizar, mas sem exageros



Pedro J. Bondaczuk


A desestatização, nas jovens democracias latino-americanas, passou a ser a grande e salutar palavra de ordem, para tornar a máquina estatal mais enxuta, ágil e, portanto, autossuficiente. Trata-se, evidentemente, de algo sumamente positivo, desde que executado com critério.

Ao Estado não compete produzir bens que a iniciativa privada tem condições de fabricar e a um custo muitíssimo mais baixo, com maior eficiência e qualidade. Todavia, corre-se o risco de se cair em exagero, a ponto, inclusive, de ferir as leis do País, quando se levam as coisas longe demais.

É o caso da propalada privatização da Via Dutra, um patrimônio evidentemente público, que seria aberrativo passar para mãos particulares, como o seriam, igualmente, praias, rios, lagos e mananciais de água. Este é um assunto para profundos estudos por parte dos juristas, embora a ilegalidade de tal ação nos pareça perfeitamente caracterizada.

Que a rodovia em questão se reveste de importância capital para a economia nacional é óbvio e seria até redundante ressaltar. Afinal, em seus cerca de 490 quilômetros, localiza-se a base da indústria nacional, já que ela liga os dois maiores parques fabris do País, São Paulo e Rio de Janeiro, passando pelo altamente industrializado Vale do Paraíba.

Ao longo de seu traçado, portanto, situam-se pelo menos 60% da força produtiva brasileira, onde se produzem de enlatados a mísseis; de cobertores a aviões; de pilhas elétricas a computadores. Orbitam, ao redor da Via Dutra, pessimamente conservada na atualidade e sumamente perigosa, cerca de 32 milhões de pessoas, um contingente que equivale à totalidade da população da Argentina.

Que a importante estrada passe para a esfera do Estado de São Paulo, conforme desejo já manifestado pelo governo paulista, ainda seria admissível e até mesmo, dadas as realidades atuais, se constituiria na melhor das soluções. Mas “vender” a rodovia para uma empresa ou um grupo particular seria, no mínimo, uma aberração.

Seu proprietário, evidentemente, poderia fazer o que quisesse com a importante via, desde que ela passasse a ser sua. O simples fato das autoridades procurarem uma solução para acabar com a fama que a Dutra sempre teve, de “Rodovia da Morte” – nela morreram, entre dezenas de milhares de pessoas, duas grandes personalidades brasileiras, o popular cantor Francisco Alves e o ex-presidente Juscelino Kubitschek – não deixa de ser louvável. Apenas o caminho escolhido é que parece ser equivocado.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de agosto de 1990)


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