Privatizar, mas sem exageros
Pedro J. Bondaczuk
A desestatização, nas jovens
democracias latino-americanas, passou a ser a grande e salutar
palavra de ordem, para tornar a máquina estatal mais enxuta, ágil
e, portanto, autossuficiente. Trata-se, evidentemente, de algo
sumamente positivo, desde que executado com critério.
Ao Estado não compete
produzir bens que a iniciativa privada tem condições de fabricar e
a um custo muitíssimo mais baixo, com maior eficiência e qualidade.
Todavia, corre-se o risco de se cair em exagero, a ponto, inclusive,
de ferir as leis do País, quando se levam as coisas longe demais.
É o caso da propalada
privatização da Via Dutra, um patrimônio evidentemente público,
que seria aberrativo passar para mãos particulares, como o seriam,
igualmente, praias, rios, lagos e mananciais de água. Este é um
assunto para profundos estudos por parte dos juristas, embora a
ilegalidade de tal ação nos pareça perfeitamente caracterizada.
Que a rodovia em questão se
reveste de importância capital para a economia nacional é óbvio e
seria até redundante ressaltar. Afinal, em seus cerca de 490
quilômetros, localiza-se a base da indústria nacional, já que ela
liga os dois maiores parques fabris do País, São Paulo e Rio de
Janeiro, passando pelo altamente industrializado Vale do Paraíba.
Ao longo de seu traçado,
portanto, situam-se pelo menos 60% da força produtiva brasileira,
onde se produzem de enlatados a mísseis; de cobertores a aviões; de
pilhas elétricas a computadores. Orbitam, ao redor da Via Dutra,
pessimamente conservada na atualidade e sumamente perigosa, cerca de
32 milhões de pessoas, um contingente que equivale à totalidade da
população da Argentina.
Que a importante estrada passe
para a esfera do Estado de São Paulo, conforme desejo já
manifestado pelo governo paulista, ainda seria admissível e até
mesmo, dadas as realidades atuais, se constituiria na melhor das
soluções. Mas “vender” a rodovia para uma empresa ou um grupo
particular seria, no mínimo, uma aberração.
Seu proprietário,
evidentemente, poderia fazer o que quisesse com a importante via,
desde que ela passasse a ser sua. O simples fato das autoridades
procurarem uma solução para acabar com a fama que a Dutra sempre
teve, de “Rodovia da Morte” – nela morreram, entre dezenas de
milhares de pessoas, duas grandes personalidades brasileiras, o
popular cantor Francisco Alves e o ex-presidente Juscelino Kubitschek
– não deixa de ser louvável. Apenas o caminho escolhido é que
parece ser equivocado.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de agosto de 1990)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment