Olhos e ouvidos de Moscou
Pedro J. Bondaczuk
A
espionagem, quer em tempos de paz, quer nos de guerra, é uma das
atividades mais desenvolvidas e concorridas entre países adversários
(e até entre aliados) e, também, das mais antigas. Em 1480 AC, por
exemplo, quando os hebreus estavam às portas de Canaã, após uma
peregrinação, de 40 anos, por desertos, Josué levou, a mando de
Moisés, um grupo de 11 espiões para a terra que manava leite e mel,
para conhecer as fraquezas e pontos fortes dos povos que então a
habitavam.
Em
344 AC, Alexandre, o Magno, inaugurava nova forma de espionar
adversários: interceptando sua correspondência. E em 878 de nossa
era, o rei Alfredo, o Grande, resolveu, ele próprio, agir como
espião. Disfarçou-se de menestrel e vagou, livremente, pelos
acampamentos militares dinamarqueses, observando tudo o que podia da
força do inimigo. Esse seu ousado ato valeu aos ingleses a vitória
na batalha de Edington, poupando muitas vidas de seus súditos.
Hoje,
mais do que nunca, se espiona de todas as formas. E, para esse fim,
os serviços secretos dos principais países usam de tudo. Desde
ultra-sofisticados aparelhos eletrônicos, que a maior parte das
pessoas desconhece que até já tenham sido inventados, a redes de
corrupção, explorando fraquezas humanas, como a prostituição, o
homossexualismo e o vício de drogas. Tudo é válido nessa guerra
suja, movida nas sombras. Melhor diríamos, que acontece nos esgotos
da sociedade.
União
Soviética, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e muitos
outros países mantêm enormes e bem treinadas redes de espiões,
espalhadas por todos os lugares. Só em Nova York, por exemplo, a KGB
soviética dispõe, segundo estimativas conservadoras, 700 agentes,
tanto próprios, quanto recrutados.
No
mundo todo, o centro de espionagem de Moscou dispõe de mais de cem
mil olhos e ouvidos atentos, comandando um contingente de elite de
500 mil soldados. Com uma freqüência cada vez maior, o noticiário
informa, quase que diariamente, sobre diplomatas soviéticos sendo
expulsos de algum país, por terem cometido essa infração. E o que
Moscou tanto procura, especialmente nos EUA, França e Grã-Bretanha?
Busca,
é claro, conhecer as falhas nos sistemas de segurança dos
adversários. Mas, e sobretudo, procura obter a indispensável
tecnologia do Ocidente, especialmente no campo da eletrônica, onde o
seu atraso ainda é notável.
Sabe-se,
inclusive, que os espiões soviéticos têm até um catálogo,
parecido com uma volumosa lista telefônica de uma cidade do porte de
Nova York, conhecido como o “Livro Vermelho”. Nesse manual,
mantido, ciosamente, pelas embaixadas ou missões especiais russas em
todo o mundo, constam as informações de tudo aquilo que a União
Soviética deseja saber e que ainda não sabe, em termos de
tecnologia avançada.
A
existência desse livro foi denunciada, em janeiro passado, pela
contra-espionagem alemã ocidental. Com esse procedimento, os russos
queimaram etapas importantíssimas na pesquisa industrial. O sistema
eletrônico de navegação do seu mais moderno caça, por exemplo,
foi copiado do Mirage francês, segundo denúncias feitas em março
passado pela imprensa parisiense. A nave reutilizável soviética
lembra demais as similares norte-americanas. Tanto, que não pode ser
mera coincidência.
E
dezenas de outros avanços da tecnologia do Ocidente estão, hoje,
acessíveis a Moscou, e não apenas na área militar. Entre estes,
podem se mencionar sistemas de transmissão hidráulica de máquinas
agrícolas, baterias que não necessitam de recarga, esquemas
completos de microeletrônica e de computação e navegação por
inércia, etc.
Por
essa razão, a KGB não tem escrúpulos em subornar, perverter,
corromper e explorar essa venalidade, esses vícios e essa corrupção
que encontra no Ocidente, em seu favor. Assim como a CIA também o
faz com eficácia, mas em sentido inverso. Só que esta não está
interessada na rudimentar tecnologia russa, mas no que o governo da
superpotência do Leste pretende fazer para alterar a estratégia
mundial.
As
histórias do personagem do prolífico escritor inglês, Ian Fleming,
o onipresente James Bond, são, portanto, fichinhas, quando
comparadas à realidade. Há muito mais podridão nos bastidores da
política internacional do que qualquer mente comum pode conceber!
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11 de
junho de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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