Sunday, May 07, 2017

Olhos e ouvidos de Moscou



Pedro J. Bondaczuk



A espionagem, quer em tempos de paz, quer nos de guerra, é uma das atividades mais desenvolvidas e concorridas entre países adversários (e até entre aliados) e, também, das mais antigas. Em 1480 AC, por exemplo, quando os hebreus estavam às portas de Canaã, após uma peregrinação, de 40 anos, por desertos, Josué levou, a mando de Moisés, um grupo de 11 espiões para a terra que manava leite e mel, para conhecer as fraquezas e pontos fortes dos povos que então a habitavam.

Em 344 AC, Alexandre, o Magno, inaugurava nova forma de espionar adversários: interceptando sua correspondência. E em 878 de nossa era, o rei Alfredo, o Grande, resolveu, ele próprio, agir como espião. Disfarçou-se de menestrel e vagou, livremente, pelos acampamentos militares dinamarqueses, observando tudo o que podia da força do inimigo. Esse seu ousado ato valeu aos ingleses a vitória na batalha de Edington, poupando muitas vidas de seus súditos.

Hoje, mais do que nunca, se espiona de todas as formas. E, para esse fim, os serviços secretos dos principais países usam de tudo. Desde ultra-sofisticados aparelhos eletrônicos, que a maior parte das pessoas desconhece que até já tenham sido inventados, a redes de corrupção, explorando fraquezas humanas, como a prostituição, o homossexualismo e o vício de drogas. Tudo é válido nessa guerra suja, movida nas sombras. Melhor diríamos, que acontece nos esgotos da sociedade.

União Soviética, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e muitos outros países mantêm enormes e bem treinadas redes de espiões, espalhadas por todos os lugares. Só em Nova York, por exemplo, a KGB soviética dispõe, segundo estimativas conservadoras, 700 agentes, tanto próprios, quanto recrutados.

No mundo todo, o centro de espionagem de Moscou dispõe de mais de cem mil olhos e ouvidos atentos, comandando um contingente de elite de 500 mil soldados. Com uma freqüência cada vez maior, o noticiário informa, quase que diariamente, sobre diplomatas soviéticos sendo expulsos de algum país, por terem cometido essa infração. E o que Moscou tanto procura, especialmente nos EUA, França e Grã-Bretanha?

Busca, é claro, conhecer as falhas nos sistemas de segurança dos adversários. Mas, e sobretudo, procura obter a indispensável tecnologia do Ocidente, especialmente no campo da eletrônica, onde o seu atraso ainda é notável.

Sabe-se, inclusive, que os espiões soviéticos têm até um catálogo, parecido com uma volumosa lista telefônica de uma cidade do porte de Nova York, conhecido como o “Livro Vermelho”. Nesse manual, mantido, ciosamente, pelas embaixadas ou missões especiais russas em todo o mundo, constam as informações de tudo aquilo que a União Soviética deseja saber e que ainda não sabe, em termos de tecnologia avançada.

A existência desse livro foi denunciada, em janeiro passado, pela contra-espionagem alemã ocidental. Com esse procedimento, os russos queimaram etapas importantíssimas na pesquisa industrial. O sistema eletrônico de navegação do seu mais moderno caça, por exemplo, foi copiado do Mirage francês, segundo denúncias feitas em março passado pela imprensa parisiense. A nave reutilizável soviética lembra demais as similares norte-americanas. Tanto, que não pode ser mera coincidência.

E dezenas de outros avanços da tecnologia do Ocidente estão, hoje, acessíveis a Moscou, e não apenas na área militar. Entre estes, podem se mencionar sistemas de transmissão hidráulica de máquinas agrícolas, baterias que não necessitam de recarga, esquemas completos de microeletrônica e de computação e navegação por inércia, etc.

Por essa razão, a KGB não tem escrúpulos em subornar, perverter, corromper e explorar essa venalidade, esses vícios e essa corrupção que encontra no Ocidente, em seu favor. Assim como a CIA também o faz com eficácia, mas em sentido inverso. Só que esta não está interessada na rudimentar tecnologia russa, mas no que o governo da superpotência do Leste pretende fazer para alterar a estratégia mundial.

As histórias do personagem do prolífico escritor inglês, Ian Fleming, o onipresente James Bond, são, portanto, fichinhas, quando comparadas à realidade. Há muito mais podridão nos bastidores da política internacional do que qualquer mente comum pode conceber!

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11 de junho de 1985).




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