Saturday, May 20, 2017

Pomadinha antiinflacionária



Pedro J. Bondaczuk



O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, na tentativa de levar uma mensagem otimista à sociedade, num período de tanto descrédito e pessimismo, tem feito pronunciamentos usando figuras de linguagem até pitorescas. Na semana passada, ao criticar os que pressionam o governo para que imponha um congelamento de preços e de salários, afirmou que o brasileiro é “esquizofrênico”.

Nesta segunda-feira, resolveu imitar o ex-ministro do Trabalho, Antonio Rogério Magri, e criou um neologismo. Disse que “a inflação brasileira não é mais convivível, virou uma urticária e é preciso parar de coçar e acabar com ela”.

Realmente, não há na História recente nenhum povo que tenha convivido por tantos anos consecutivos com este flagelo, e em níveis tão elevados, como ocorre com nossa população. Fernando Henrique ressaltou bem, no discurso que pronunciou para 300 banqueiros e seguradores, no Rio, durante a entrega do prêmio “Bem-Sucedidos no Mercado de Capitais”, que há por aí “pomadinhas” para acalmar essa coceira (e como coça!), que não são suficientes para solucionar o problema.

A luta contra a inflação, de forma consistente, passa, necessariamente, pela independência do Banco Central. Ele deve ser absolutamente livre para definir, sem qualquer espécie de interferência, a política monetária do País. Não será eficaz, por outro lado, a estratégia que não cortar as despesas do Estado a um mínimo indispensável. E essa cirurgia deve ir muito além das gorduras, que sequer deveriam existir.

Precisa aprofundar-se até mesmo na carne, ou mais fundo, em alguns órgãos chegando até o osso ou mesmo à amputação. Nesse contexto, torna-se imprescindível o enxugamento da máquina estatal, de forma a que ela não absorva em salários os eventuais aumentos de arrecadação, como vem ocorrendo até agora, fato admitido pelo próprio ministro.

O processo de privatização, com toda a celeuma que gera, dada a exploração demagógica feita em torno dele por pessoas leigas em economia, mas especializadas em retórica bombástica, mas vazia, tem, não somente que continuar, mas sobretudo se aprofundar, ser mais rápido, mais eficiente, mais competente para se tornar, por conseqüência, menos polêmico. Requer absoluta transparência e regras consensuais, claramente definidas.

O Estado brasileiro, finalmente, deve se conscientizar de que não lhe cabe o papel de empresário, mas uma função muito mais nobre e indispensável. Cumpridos esses pressupostos, a sociedade, certamente, vestirá a camisa na luta contra a inflação.

Uma das tarefas que os agentes econômicos poderiam, e deveriam fazer, era a de aumentar a produção. De investir na economia de escala, o que se refletiria na redução de preços, no aumento do faturamento e, conseqüentemente, de arrecadação.

Para tanto, porém, seria necessário que o governo gozasse de credibilidade, o que não ocorre por uma série de razões sobejamente conhecidas por todos. Outro fator indispensável para que esta inteligente estratégia de combate inflacionário desse certo seria o aumento do poder de compra dos salários.

E aí surge uma questão semelhante à pergunta “quem surgiu antes, o ovo ou a galinha?”. Ou seja, o que deve ser feito em primeiro lugar: deter a inflação ou valorizar a renda da população? Enfim, há uma série de caminhos alternativos para vencer esta disfunção econômica que não seja o do desgastado expediente do choque, do congelamento ou do confisco monetário, que são as “pomadinhas” aludidas por Fernando Henrique Cardoso.


(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 18 de agosto de 1993).

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