Indigência espiritual
Pedro J. Bondaczuk
A razão é a mais nobre, mais
eficaz e a principal faculdade humana. É a característica essencial
que nos distingue dos demais seres viventes. Não raro, porém, nos
deixamos enganar pelos apelos dos instintos e, ao incorrermos nesse
equívoco, deixamos de ser livres. Tornamo-nos escravos de
incontroláveis paixões, nem sempre sadias e nobres, que nos induzem
ao erro e, não raro, à própria destruição.
Devemos ser determinados e nos
submeter, única e exclusivamente, à voz da razão, irmã de todos
os sentimentos nobres, como o amor, a justiça, a bondade e a
solidariedade, ao longo da nossa vida. Quem não age assim, é pobre
de espírito. Torna-se incapaz de apreender a verdade, por mais óbvia
que esta seja.
Ouço, com assustadora
freqüência, a afirmação de que “só o esperto vence na vida”.
Destaque-se que a esperteza, no caso, não significa agilidade,
rapidez, desembaraço, mas a capacidade de enganar ingênuos e
incautos, para levar algum tipo de vantagem. Claro que esse não é
nenhum ingrediente dos verdadeiros vitoriosos, dos que realmente
importam no mundo, pela contribuição que dão para o progresso e a
civilização.
A fórmula, para se vencer na
vida, é bem outra. É ser competente, determinado e eficaz. É
raciocinar com frieza e agir com ponderação e bom-senso. É
cultivar valores. É espalhar amor e exemplos de bondade e
solidariedade por onde passar. É ser íntegro, humilde e, sobretudo,
útil a si e ao próximo.
Quem acredita que a esperteza
é a arma dos vitoriosos não passa, isso sim, de ingênuo, senão de
tolo. É pobre de espírito. Mais do que isso, paupérrimo, senão
indigente. Uma das manifestações mais comuns de indigência
espiritual é, sem dúvida, a zombaria.
Quem recorre a esse expediente
mesquinho, para ofender concorrentes, adversários e, às vezes, nem
isso, mas pessoas que nunca lhes fizeram mal algum ou eventual
desfeita, o faz por carecer de argumentos. Vale-se, em geral, de
algum defeito aparente da vítima (que às vezes nem é uma
deficiência, porém virtude), como o fato dela ser gorda, por
exemplo, ou de mancar, ou de gaguejar, ou de ter algum cacoete ou
outra característica qualquer que seja incomum, para fazer chacota.
Não raro, quando chamado às falas, argumenta que se trata de
“brincadeira”. Não é, evidentemente.
A zombaria é tão tola, tão
ridícula e tão imbecil, que quem é alvo dela e tem só um
pouquinho de massa encefálica, alguns neurônios a mais, nem tem
como se defender. Pior é quando outros tantos idiotas úteis (no
caso, inúteis) aderem à caçoada (a burrice é contagiosa). Aí a
bulha torna-se infernal!
Esse tipo de atitude é muito
comum, por exemplo, nas escolas, e do mundo todo. É, hoje em dia, um
dos grandes problemas dos educadores, igualmente vítimas desse
comportamento anti-social e agressivo de alguns alunos. Raros já não
passaram, algum dia, por esta desagradabilíssima experiência.
Deram-lhe, até mesmo, um pomposo nome: “bullying”. Não importa,
porém, a denominação. Trata-se da estúpida, infeliz e sempre
condenável zombaria.
Às vezes, essa atitude
descamba, até, para a agressão física. Há casos, mesmo, das
vítimas se sentirem tão infelizes, humilhadas e deprimidas a ponto
de se transferirem de escola. Psicólogos chegaram a traçar, em
linhas gerais, o perfil dos que se valem do “bullying” para se
tornar populares entre os colegas (ou, o que é mais comum, temidos
por eles).
Tratam-se, comumente, de
indivíduos com pouca (diria nenhuma) empatia. Freqüentemente,
provêm de famílias desestruturadas, nas quais quase não há
relacionamento afetivo entre seus membros. Seus pais exercem uma
supervisão pobre sobre eles (ou não exercem nenhuma), toleram e
oferecem como modelo para solucionar conflitos o comportamento
agressivo ou explosivo.
Admite-se que os que praticam
“bullying” têm grande probabilidade de se tornar adultos com
atitudes anti-sociais e/ou violentas, podendo vir a assumir (e na
maioria dos casos, assumem), inclusive, posturas delinqüentes ou
criminosas. São sociopatas. São o exemplo mais acabado e
característico do indigente espiritual, dignos (ao contrário do que
pensam), não de admiração, mas de cuidados psiquiátricos,
tratamento e piedade. Não lhes cabem, pois, respostas por parte de
quem é sadio e racional e se torna vítima das suas doentias
chacotas..
Que bom seria se, ao cabo da
nossa existência, não importa quanto tempo dure, pudéssemos dizer,
convictos de estarmos sendo fiéis à verdade, como Antero de
Quental, nestes versos com que abre o soneto “Hino à razão”:
“Razão, irmã do Amor e
da Justiça,
mais uma vez escuta a minha
prece.
É a voz de um coração
que te apetece,
duma alma livre, só a ti
submissa”.
Afinal, só ela é capaz de
nos proporcionar a verdadeira riqueza, aquela que de fato importa: a
do espírito.
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