Sunday, May 28, 2017

Sangue novo para tentar salvar a URSS



Pedro J. Bondaczuk



O líder soviético, Mikhail Gorbachev, deu, ontem, uma "virada de mesa" e afastou dos altos cargos da burocracia do Partido Comunista do seu país vários funcionários que se opõem às reformas econômicas, políticas e sociais que ele pretende empreender, conhecidas como "glasnost" e "perestroika". O dirigente, dias atrás, após o término das suas férias de verão, esteve realizando um giro pela Sibéria.

Ali, ouviu toda a sorte de queixas, de parte dos trabalhadores e do povo nas ruas, acerca do seu projeto reformista. Foi então que pôde sentir de perto o que os soviéticos pensam da sua gestão, sem a indefectível filtragem de opiniões feita por bajuladores, que fazem qualquer coisa para agradar o chefe e que no afã de "puxarem o saco" do mandão, acabam por prejudicar quem deseja conhecer a realidade.

Por isso, Gorbachev convocou, às pressas, uma reunião plenária do Comitê Central do PC e do Soviete Supremo, o Parlamento nominal do país. Aliás, a convocação foi tão intempestiva, que até levou o chanceler, Eduard Shevardnadze, a cancelar importantes compromissos em Nova York, onde participava da Assembléia Geral das Nações Unidas, e regressar correndo a Moscou.

Especulou-se, naquele momento, que os soviéticos iriam suspender a sua retirada do Afeganistão. Pode até ser que o façam, mas agora se vê que a razão de um chamado tão urgente do ministro não foi esta. O líder, em primeiro lugar, resolveu fazer uma "limpeza" entre os que são refratários à sua reforma.

O expurgo começou pelo Politburo, com a renúncia do veteraníssimo Andrei Gromyko, que a qualquer momento poderá abdicar também da presidência do país (abrindo caminho para o projeto de tornar esse cargo o mais forte na hierarquia do poder e cujos integrantes seriam eleitos diretamente) e pela remoção de três outros altos funcionários. Mas não parou por aí. Atingiu vários outros postos importantes do partido, inclusive o número dois do Cremlin, Yegor Ligachev, que deixa de ser o ideólogo da agremiação para assumir uma função meramente burocrática.

Gorbachev sabe da necessidade do seu projeto dar certo, não apenas para assegurar a sua sobrevivência política, mas para a União Soviética poder continuar ostentando a condição de superpotência. A economia nacional está devagar, quase parando. O quadro é de escassez de produtos essenciais. Dos que são encontrados nas prateleiras dos armazéns do Estado, a qualidade varia entre péssima e sofrível.

O descontentamento aumenta e há grande ceticismo dos trabalhadores quanto à "perestroika". Quem sabe agora, com o expurgo de gente retrógrada, o processo possa caminhar mais depressa e se refletir por todo o Leste europeu, aumentando o clima de distensão mundial, que já se manifesta, embora ainda timidamente. Tomara que sim.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 1º de outubro de 1988)



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