Só promessa...
Pedro J. Bondaczuk
O sucesso, que buscamos com
tanta intensidade e afã, a ponto de, não raro, sacrificarmos tanta
coisa boa que poderíamos usufruir, quando obtido, às vezes, pode
significar um grande mal e não o bem que pretendíamos. Corremos o
risco da acomodação, fatal para as nossas pretensões. Se não nos
impusermos novos objetivos, estaremos nos arriscando a nos
transformar em “mortos vivos”, em pessoas que vivem apenas por
viver, sem sonhos, metas, conquistas ou fracassos que, se bem
administrados, têm lá o seu caráter didático..
O dramaturgo irlandês George
Bernard Shaw escreveu a esse respeito: “Temo o sucesso. Ser
bem-sucedido é ter terminado nossos assuntos na terra, como o macho
da aranha, que é morto pela fêmea no momento em que foi
bem-sucedido em seu namoro. Gosto de um estado de contínuo vir a
ser, como um objetivo à frente e não atrás”. Muita gente, porém,
leva (mesmo sem conhecer a citação do eminente ganhador do Nobel de
Literatura de 1925) isso longe demais.
A única meta, que de tão
grandiosa não conseguirá jamais ser alcançada, é a de amar
sem-limites, tanto os que mereçam, quanto (e principalmente) os que
não sejam merecedores do nosso amor. O resto... Bem, o resto não é
mais do que fumaça. Não passa de meras ilusões. Ademais, não
basta nos limitarmos a ter objetivos. Temos que nos empenhar ao
máximo para que eles se concretizem (desde que factíveis, é
claro).
Carlos Pantaleão (obviamente,
este é um nome fictício, embora o personagem seja real) dizia para
todos que era escritor. Todavia, nunca havia escrito um só livro.
Apregoava, aos quatro ventos, que estava trabalhando num romance e
até resumia o seu enredo. Mas... escrever mesmo, que é bom... nada!
É verdade que havia publicado alguns artigos e algumas crônicas até
que razoáveis no jornalzinho do bairro em que ambos residíamos.
Achava que isso o credenciava
a se considerar um novo Fernando Sabino, ou, quem sabe, um Rubem
Braga campineiro. Exagero, claro. Não que não tivesse talento,
longe disso. O que não tinha era autodisciplina, garra e, em suma,
vontade. Pudera! Contava com alguém para bancar os seus caprichos.
Ou, melhor dizendo, sua malandragem.
Carlos não trabalhava há
muito tempo. Estava desempregado há uns cinco anos e vivia às
custas de Elza, sua mulher, vendedora em uma loja de sapatos da
cidade, que fazia das tripas coração para manter a casa. Nosso
projeto de escritor passava dias e dias num bar, a pretexto de
“observar personagens” para seu propalado romance. Apesar de se
tratar de desculpa visivelmente esfarrapada, sua dócil e crédula
esposa acreditava nele.
Passados, porém, três anos
que o conheci, não havia escrito uma só linha do tal livro.
Certamente, jamais iria escrever. Reitero que não lhe faltava
talento. Vivia se exibindo, como um prestidigitador das letras, no
bar, compondo versos e mais versos, em papel de embrulhar pão (que o
dono do boteco lhe dava), em troca de uma dose de bebida.
Estava sempre duro, já que a
mulher não tinha como manter, simultaneamente, a casa e ainda, por
cima, custear a sua malandragem (que ela, frise-se, não encarava
dessa forma). Mas não faltava quem lhe pagasse alguma generosa dose
de conhaque (e ele fazia questão de pedir sempre o mais caro), em
troca de suas poesias. Li alguns versos seus e achei-os muito bons.
Carlos, porém, não fazia questão sequer de os guardar. Esbanjava
talento e tempo, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Elza chegou ao cúmulo de
cortar relações com várias amigas (inclusive com minha mulher),
que tentavam alertá-la sobre a malandragem do marido. Ficava furiosa
com quem sequer insinuasse que estava sendo ingênua e se deixando
enganar por um sujeito de muita lábia, mas de pouco, ou nenhum
caráter. Confiava cegamente no seu homem e estava convencida que seu
sacrifício era um investimento no futuro, uma necessária
contribuição para o sucesso do “trabalho” do amor de sua vida.
Num bar?!!! Ora, ora, ora, querida Amélia!!! É surpreendente que,
em pleno século XXI, ainda existam mulheres como ela!
Há tempos que não encontro
com Carlos e que nem passo pelo boteco onde essa “promessa de
escritor” dá a entender que seja a sua “redação”, no qual
(garantia) faria “laboratório” para produzir seu best-seller.
Não ficarei, porém, nada surpreso se, a esta altura, estiver na rua
da amargura, sem o respaldo de Elza. Afinal, até ingenuidade (ou
seria burrice mesmo?), quando em demasia, um dia cansa. Não sei se
Carlos conhece a observação de Shaw, sobre o lado nocivo do sucesso
(creio que não conheça). Mas, se conhecer, está levando longe
demais esse belo pretexto para a sua, digamos, vagabundagem
explícita.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment